De Ente et Essentia
por Santo Tomás de Aquino
Publicação original: https://isidore.co/aquinas/english/DeEnte&Essentia.htm
Preâmbulo
Porque um pequeno erro no início é grande no final, segundo o filósofo no primeiro livro sobre o céu e o mundo. O ser e a essência são o que primeiro é concebido pela inteligência, como diz Avicena no início de sua metafísica.
Portanto, para que não ocorra erro devido à ignorância deles, é necessário esclarecer a dificuldade sobre o que se entende pelo nome de essência e ente, e como isso se manifesta de diferentes maneiras, bem como como se relaciona com as intenções lógicas, isto é, gênero, espécie e diferença.
Como, de fato, devemos adquirir o conhecimento dos compostos a partir dos simples e chegar aos princípios a partir dos posteriores, para que, começando pelo que é mais fácil, a disciplina se torne mais adequada, devemos, portanto, proceder do significado do ente para o significado da essência.
Latim
Capítulo 1
É necessário saber que, como diz o filósofo no Livro V da Metafísica, o ser é dito per se de duas maneiras: de um modo, que se divide em dez gêneros; de outro modo, que significa a verdade das proposições. A diferença entre esses dois modos é que, no segundo, pode-se chamar de ser tudo aquilo de que uma proposição afirmativa pode ser formada, mesmo que isso não tenha nenhum referente na realidade. Assim, as privacões e negações são ditas entes; pois dizemos que a afirmação é oposta à negação e que a cegueira está no olho. Mas, no primeiro modo, não se pode chamar de ser senão o que realmente tem um referente na realidade. Portanto, no primeiro modo, a cegueira e coisas semelhantes não são entes.
Assim, o nome essência não é tomado do ente no segundo modo mencionado; pois algumas coisas são ditas entes desse modo, que não têm essência, como é evidente nas privacões; mas a essência é tomada do ente no primeiro modo. Daí o Comentador diz no mesmo lugar que o ente dito no primeiro modo é o que significa a essência da coisa.
E como, conforme foi dito, o ente dito desse modo se divide em dez gêneros, é necessário que a essência signifique algo comum a todas as naturezas, pelas quais diferentes entes são classificados em diferentes gêneros e espécies, como a humanidade é a essência do homem, e assim por diante.
E porque aquilo pelo qual uma coisa é constituída em seu próprio gênero ou espécie é o que é significada pela definição que indica o que é a coisa, daí resulta que o nome essência é, por parte dos filósofos, transformado no nome quididade. E isso é o que o filósofo frequentemente denomina "o que era ser", isto é, aquilo pelo qual algo tem ser como "o que".
É também chamado de forma, na medida em que pela forma se significa a certeza de cada coisa, como diz Avicena em sua Metafísica II.
Isso também é chamado, por outro nome, de natureza, considerando a natureza segundo o primeiro modo daqueles quatro que Boécio atribui no livro sobre as duas naturezas, segundo o qual a natureza é dito tudo aquilo que pode ser captado de algum modo pela inteligência. Pois uma coisa não é inteligível senão por sua definição e essência.
E assim também o filósofo diz no Livro V da Metafísica que toda substância é natureza. No entanto, o nome natureza tomado desse modo parece significar a essência da coisa, na medida em que tem relação com a operação própria da coisa, já que nenhuma coisa está desprovida de sua própria operação.
O nome quididade, de fato, é tomado do que é significada pela definição. Mas a essência é dita na medida em que, por ela e nela, o ente tem ser.
Contudo, como o ser absoluto e de modo prioritário é dito das substâncias, e de modo posterior e como que segundo um certo aspecto dos acidentes, daí resulta que a essência é propriamente e verdadeiramente encontrada nas substâncias, mas nos acidentes é de certa forma e segundo um certo aspecto.
Entre as substâncias, algumas são simples e outras compostas, e em ambas existe a essência, mas nas simples de modo mais verdadeiro e nobre, na medida em que também possuem um ser mais nobre. Pois são causa daquelas que são compostas, a saber, a substância primeira simples, que é Deus. Mas como as essências dessas substâncias são mais ocultas para nós, deve-se começar pelas essências das substâncias compostas, para que a disciplina se torne mais adequada, partindo do que é mais fácil.
Portanto, nas substâncias compostas, a forma e a matéria são conhecidas, como no homem, a alma e o corpo.
Entretanto, não se pode dizer que apenas um deles seja chamado de essência. É evidente que a matéria sozinha não é a essência da coisa, pois uma coisa é conhecida por sua essência e é ordenada em espécie ou gênero. Mas a matéria não é nem o princípio do conhecimento, nem é por ela que algo é determinado a um gênero ou espécie, mas segundo aquilo que algo é realmente.
Nem mesmo a forma pode ser dita apenas essência da substância composta, embora alguns tentem afirmar isso. A partir do que foi dito, é claro que a essência é aquilo que é significada pela definição da coisa. A definição, no entanto, das substâncias naturais não contém apenas a forma, mas também a matéria; caso contrário, as definições naturais e matemáticas não difeririam.
Nem se pode dizer que a matéria é posta na definição da substância natural como um adendo à sua essência ou ser fora de sua essência, pois esse modo de definição é próprio dos acidentes, que não têm uma essência perfeita. Portanto, deve-se incluir na sua definição um sujeito que esteja fora de seu gênero. É evidente, então, que a essência compreende a matéria e a forma.
Não se pode dizer que a essência signifique a relação que existe entre a matéria e a forma ou algo que seja superadicionado a elas, pois isso seria necessariamente um acidente e estranho à coisa, e não permitiria que a coisa fosse conhecida, o que se aplica a tudo que convém à essência. Pois pela forma, que é o ato da matéria, a matéria se torna um ente em ato e algo determinado. Assim, aquilo que supervenha não confere ser em ato simplesmente à matéria, mas ser em ato tal, como também os acidentes o fazem, como a brancura torna algo efetivamente branco. Portanto, quando tal forma é adquirida, não se diz que é gerada simplesmente, mas segundo um certo aspecto. Portanto, conclui-se que o nome essência, nas substâncias compostas, significa aquilo que é composto de matéria e forma.
E isso está de acordo com a palavra de Boécio no comentário sobre os categorias, onde diz que usia significa composto. Pois usia, entre os gregos, é o mesmo que essência entre nós, como ele mesmo diz no livro sobre as duas naturezas. Avicena também diz que a quididade das substâncias compostas é a própria composição da forma e da matéria. O Comentador também diz sobre a Metafísica VII: a natureza que as espécies têm nas coisas geráveis é algum meio, isto é, composto de matéria e forma.
A razão também se alinha com isso, pois a existência de uma substância composta não se reduz apenas à forma ou apenas à matéria, mas refere-se ao composto em si. A essência é, portanto, aquilo pelo qual uma coisa é dita existir. Assim, a essência, pela qual uma coisa é chamada de "ser", não é apenas a forma nem apenas a matéria, mas ambos, embora, sob esse aspecto, a forma seja, de seu modo, a única causa do ser.
De fato, vemos em outros casos que, quando algo é constituído por múltiplos princípios, a coisa não é nomeada apenas por um desses princípios, mas por aquele que abrange ambos. Isso é evidente nos sabores, pois a doçura resulta da ação do calor que digere a umidade. Embora, neste sentido, o calor seja a causa da doçura, o corpo doce não é denominado pelo calor, mas pelo sabor que abrange o quente e o úmido.
Entretanto, como o princípio da individuação é a matéria, pode-se inferir que a essência, que inclui tanto a matéria quanto a forma, é apenas particular e não universal. Isso implicaria que os universais não teriam definição, se a essência é aquilo que é significada pela definição.
Portanto, é importante notar que a matéria não é aceita como princípio de individuação de qualquer modo, mas apenas a matéria "designada". Refiro-me à matéria designada que é considerada sob dimensões determinadas. Essa matéria, na definição do homem enquanto homem, não é mencionada, mas seria se Sócrates tivesse uma definição. Na definição do homem, considera-se a matéria não designada; não se menciona este osso ou esta carne, mas osso e carne de forma absoluta, que são a matéria do homem não designada.
Assim, fica claro que a essência do homem e a essência de Sócrates não diferem exceto pela designação. Como diz o Comentador na VII Metafísica: Sócrates não é nada além de animalidade e racionalidade, que são sua quiddidade.
Da mesma forma, as essências do gênero e da espécie diferem segundo a designação, embora o modo de designação seja diferente em cada caso, pois a designação do indivíduo em relação à espécie é através da matéria determinada por dimensões, enquanto a designação da espécie em relação ao gênero é através da diferença constitutiva, que é extraída da forma da coisa.
No entanto, essa determinação ou designação, que está na espécie em relação ao gênero, não provém de algo que exista na essência da espécie e que não esteja de nenhum modo na essência do gênero; na verdade, tudo o que está na espécie também está no gênero, mas não de forma determinada. Se o animal não fosse todo o que é o homem, mas apenas uma parte dele, não poderia ser predicado sobre ele, já que nenhuma parte integral é predicada de seu todo.
Isso pode ser visto ao considerar como o corpo é entendido como parte do animal e como é entendido como gênero. Não pode haver um gênero da mesma maneira que há uma parte integral. Portanto, o nome "corpo" pode ser entendido de várias maneiras.
O corpo, enquanto é do gênero substância, é chamado assim porque possui tal natureza que permite que três dimensões sejam designadas nele; essas três dimensões são o corpo, que está no gênero quantidade. Contudo, em coisas, é possível que o que possui uma perfeição possa alcançar outra perfeição, como é evidente no homem, que possui tanto a natureza sensitiva quanto a intelectual. De maneira semelhante, além dessa perfeição de ter uma forma tal que permite a designação de três dimensões, pode-se adicionar outra perfeição, como a vida ou algo semelhante. Portanto, o nome "corpo" pode significar uma coisa que possui tal forma, da qual se segue que na própria coisa podem ser designadas três dimensões sem que nenhuma perfeição adicional se siga dela; mas se algo mais for adicionado, isso estará além da significação do corpo assim denominado. E dessa maneira, o corpo será a parte material e integral do animal, pois a alma estará além do que é designado pelo nome corpo e será superveniente a ele, de modo que, a partir dessas duas partes, alma e corpo, se constitui o animal.
Esse nome "corpo" pode também ser entendido como significando uma coisa que possui tal forma, da qual podem ser designadas três dimensões, independentemente de que forma seja essa, se dela pode resultar alguma outra perfeição ou não. E dessa maneira, o corpo será o gênero do animal, pois não há nada no animal que não esteja implicitamente contido no corpo. A alma não é uma forma diferente daquela pela qual podem ser designadas três dimensões na coisa; portanto, quando se diz que o corpo é o que possui tal forma, da qual podem ser designadas três dimensões, entende-se que seja qualquer forma, seja a animalidade, a mineralidade ou qualquer outra. Assim, a forma do animal está implicitamente contida na forma do corpo, na medida em que o corpo é seu gênero.
E a relação do animal com o homem é semelhante. Se o termo "animal" designasse apenas uma coisa que possui tal perfeição que pode sentir e mover-se por um princípio existente nela, sem considerar outra perfeição, então qualquer outra perfeição subsequente seria em relação ao animal como uma parte e não como implicitamente contida na noção de animal, e assim o animal não seria gênero; mas é gênero na medida em que significa uma coisa cuja forma pode resultar em sensibilidade e movimento, seja qual for essa forma, seja apenas sensitiva ou tanto sensitiva quanto racional.
Assim, o gênero significa indeterminadamente tudo o que está na espécie, não se referindo apenas à matéria; da mesma forma, a diferença significa tudo e não se refere apenas à forma; e também a definição significa tudo, assim como a espécie. Contudo, cada um o faz de maneira diferente, pois o gênero significa tudo como uma denominação que determina o que é material na coisa sem a determinação da forma própria. Portanto, o gênero é extraído da matéria, embora não seja matéria, como se evidencia que o corpo é chamado assim por ter tal perfeição que permite que três dimensões sejam designadas nele; tal perfeição tem uma relação material com uma perfeição adicional.
A diferença, por outro lado, é como uma denominação tomada da forma de maneira determinada, além do que, do primeiro entendimento dela, seja matéria determinada, como se observa quando se diz "animado", ou seja, aquele que possui alma; não se determina o que é, se é corpo ou outra coisa. Portanto, Avicena diz que o gênero não é compreendido na diferença como parte de sua essência, mas apenas como um ser fora da essência, assim como o sujeito é do entendimento das paixões. E por isso o gênero não é predicado da diferença de maneira absoluta, como diz o filósofo na III Metafísica e na IV dos Tópicos, a menos que, de alguma forma, como um sujeito, se predique sobre a paixão.
Porém, a definição ou espécie abrange ambos, ou seja, a matéria determinada, que o nome do gênero designa, e a forma determinada, que o nome da diferença designa.
Daqui se evidencia a razão pela qual gênero, espécie e diferença se relacionam de forma proporcional com matéria, forma e composto na natureza, embora não sejam idênticos a estas.
Pois o gênero não é a matéria, mas é tomado da matéria para significar o todo; a diferença também não é a forma, mas é tomada da forma para significar o todo.
Assim, dizemos que o homem é um animal racional e não a partir de "animal" e "racional", como dizemos que ele é a partir de "alma" e "corpo". O homem é dito existir a partir da alma e do corpo, como uma terceira coisa constituída por duas outras, das quais não é nenhuma delas. O homem não é nem alma nem corpo. Mas, se de alguma forma se disser que o homem é a partir de "animal" e "racional", não será como uma terceira coisa proveniente de duas, mas como um entendimento terceiro proveniente de dois entendimentos. O entendimento do animal é sem a determinação de uma forma especial, expressando a natureza da coisa em relação ao que é material em relação à sua perfeição última. O entendimento dessa diferença racional, por sua vez, consiste na determinação de uma forma especial. A partir desses dois entendimentos se constitui o entendimento da espécie ou da definição. E, portanto, assim como uma coisa constituída a partir de algumas não recebe a predicação das coisas a partir das quais é constituída, assim o entendimento não recebe a predicação daqueles entendimentos a partir dos quais é constituído. Não se diz que a definição seja gênero ou diferença.
Embora o gênero signifique toda a essência da espécie, não é necessário que diversas espécies, das quais provém o mesmo gênero, tenham uma única essência,
pois a unidade do gênero provém da própria indeterminação ou indiferença, e não de modo que aquilo que é significante pelo gênero seja uma única natureza em número em diferentes espécies, à qual sobrevenha uma outra coisa que seja a diferença que a determina, como a forma determina a matéria, que é uma em número. Mas, como o gênero significa alguma forma, não significa de modo determinado esta ou aquela, que a diferença determina de forma específica, que não é diferente daquela que foi indeterminadamente significada pelo gênero.
Por isso, o Comentador diz na XI Metafísica que a matéria primeira é chamada uma pela remoção de todas as formas, mas o gênero é chamado um pela comunidade da forma significada.
Assim, fica claro que, pela adição da diferença, ao remover aquela indeterminação, que era a causa da unidade do gênero, as espécies permanecem diversas por essência.
E como já foi dito, a natureza da espécie é indeterminada em relação ao indivíduo, assim como a natureza do gênero é indeterminada em relação à espécie.
Daí resulta que, assim como o que é gênero, quando é predicado da espécie, implica em sua significação, ainda que indistintamente, tudo o que é determinado na espécie, assim também o que é espécie, quando é predicado do indivíduo, deve significar tudo o que é essencial no indivíduo, ainda que indistintamente.
E dessa maneira, a essência da espécie é significada pelo nome "homem", do qual se predica o homem de Sócrates. No entanto, se a natureza da espécie for significada com a precisão da matéria designada, que é o princípio da individuação, assim se terá de modo parcial. E dessa maneira é significada pelo nome "humanidade"; a humanidade significa aquilo pelo qual o homem é homem. Contudo, a matéria designada não é aquilo pelo qual o homem é homem; e assim não se encontra de modo algum entre aquelas coisas a partir das quais o homem tem o que é ser homem. Portanto, quando a humanidade em seu entendimento inclui apenas aquilo a partir do qual o homem tem o que é ser homem, fica claro que a matéria designada é excluída ou removida de sua significação. E como parte não é predicada do todo, daí se conclui que a humanidade não é predicada nem do homem nem de Sócrates.
Por isso, Avicena diz que a quiddidade do composto não é o próprio composto, do qual é a quiddidade, embora essa quiddidade também seja composta; assim, a humanidade, embora composta, não é o homem, mas deve ser recebida em algo que é a matéria designada.
Mas, como foi dito, a designação da espécie em relação ao gênero é pela forma, enquanto a designação do indivíduo em relação à espécie é pela matéria. Portanto, é necessário que o nome que significa aquilo de onde se toma a natureza do gênero, com a precisão da forma determinada que realiza a espécie, signifique a parte material do todo, como o corpo é a parte material do homem. Por outro lado, o nome que significa aquilo de onde se toma a natureza da espécie com a precisão da matéria designada significa a parte formal.
E, portanto, a humanidade é significada como uma forma, e diz-se que é a forma do todo, não como algo que se adiciona às partes essenciais, ou seja, à forma e à matéria, como a forma de uma casa se adiciona às suas partes integrais, mas é, na verdade, a forma que é o todo, compreendendo tanto a forma quanto a matéria, embora com a exclusão daquelas coisas pelas quais a matéria foi gerada.
Assim, fica claro que a essência do homem é significada pelo nome "homem" e pelo nome "humanidade", mas de maneira diversa, como foi dito. O nome "homem" a significa como um todo, na medida em que não separa a designação da matéria, mas implicitamente a contém de forma indistinta, como foi dito que o gênero contém a diferença; e, portanto, o nome "homem" é predicado dos indivíduos. Já o nome "humanidade" a significa como uma parte, porque não contém em sua significação senão aquilo que pertence ao homem na medida em que é homem, e exclui toda designação. Por isso, não é predicado dos indivíduos do homem.
E por isso, o nome "essência" às vezes é encontrado predicado em uma coisa; dizemos, de fato, que Sócrates é uma certa essência; e às vezes é negado, como quando dizemos que a essência de Sócrates não é Sócrates.
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Capítulo 2
Tendo em vista, então, o que se entende pelo nome de essência nas substâncias compostas, é necessário considerar como ela se relaciona com o conceito de gênero, espécie e diferença.
Uma vez que o conceito de gênero, espécie ou diferença é algo que se predica deste ou daquele indivíduo particular, é impossível que o conceito de universal, seja ele gênero ou espécie, possa se aplicar à essência enquanto significada como uma parte, como ocorre com os termos "humanidade" ou "animalidade". É por isso que Avicena afirma que a racionalidade não é uma diferença em si, mas um princípio de diferença; e, da mesma forma, a humanidade não é uma espécie, nem a animalidade é um gênero.
Também não se pode dizer que o conceito de gênero ou espécie se aplica à essência como uma entidade existente fora dos indivíduos, como postulavam os platônicos, pois, desse modo, o gênero e a espécie não seriam predicados do indivíduo em questão; afinal, não se pode dizer que Sócrates seja algo separado dele mesmo, e aquilo que está separado não contribuiria para o conhecimento deste indivíduo particular.
Resta, portanto, que o conceito de gênero ou espécie se aplica à essência, enquanto esta é significada como um todo, como pelo nome "homem" ou "animal", e assim contém, de maneira implícita e indistinta, tudo aquilo que se encontra no indivíduo.
A natureza ou essência assim concebida pode ser considerada de duas maneiras: de um modo, segundo o conceito próprio, que é a consideração absoluta da essência. E assim, nada é verdadeiro sobre ela, a não ser aquilo que lhe convém enquanto tal. Portanto, qualquer outra coisa que lhe seja atribuída, será uma atribuição falsa. Por exemplo, ao homem, enquanto homem, convém ser racional e animal, e todos os demais aspectos incluídos em sua definição. Já o ser branco ou negro, ou qualquer outra coisa do tipo, que não faz parte da natureza da humanidade, não se aplica ao homem enquanto homem. Se perguntarmos se essa natureza, assim considerada, pode ser dita uma ou muitas, nenhuma das opções é aceitável, pois ambas estão fora do entendimento da humanidade e ambas podem ocorrer. Se a pluralidade fizesse parte do entendimento da humanidade, ela nunca poderia ser uma, embora o seja quando se encontra em Sócrates. Da mesma forma, se a unidade fizesse parte de sua definição, então haveria uma única humanidade de Sócrates e Platão, e não poderia haver pluralidade entre eles.
De outro modo, a natureza é considerada segundo o ser que ela possui neste ou naquele, e assim algo é predicado dela de maneira acidental, em razão daquele em que ela se encontra, como se diz que o homem é branco, porque Sócrates é branco, embora isso não se aplique ao homem enquanto homem.
Esta natureza possui dois modos de ser: um nos indivíduos e outro na alma, e em ambos os casos ela possui acidentes que a acompanham. Mesmo nos indivíduos, ela possui modos de ser variados de acordo com a diversidade dos indivíduos; ainda assim, não se pode atribuir a nenhum desses modos de ser à essência em sua consideração primeira, ou seja, em sua consideração absoluta. É falso dizer que a essência do homem, enquanto tal, possui ser em um indivíduo específico, pois se o ser em tal indivíduo fosse atribuído ao homem enquanto homem, ele nunca poderia estar fora daquele indivíduo específico. Do mesmo modo, se não ser em um determinado indivíduo fosse atribuído ao homem enquanto homem, ele nunca estaria presente naquele indivíduo. Logo, é verdade que o homem, enquanto homem, não possui ser em um determinado indivíduo, nem na alma. Portanto, fica claro que a natureza do homem, considerada de modo absoluto, abstrai de qualquer ser, mas sem excluir nenhum desses modos de ser.
Esta natureza assim considerada é aquela que é predicada de todos os indivíduos. Contudo, não se pode dizer que o conceito de universal se aplica a essa natureza tomada dessa forma, pois do conceito de universal decorrem a unidade e a comunidade. Nenhum desses atributos pertence à natureza humana, enquanto ela é considerada de modo absoluto. Se a comunidade fizesse parte do entendimento do homem, então onde quer que houvesse humanidade, haveria também comunidade. E isso é falso, pois em Sócrates não se encontra comunidade alguma; tudo o que está nele é individuado.
Tampouco se pode dizer que o conceito de gênero ou espécie seja um acidente da natureza humana em função do ser que ela possui nos indivíduos, pois a natureza humana não é encontrada nos indivíduos como uma unidade que é compartilhada por todos, algo que o conceito de universal exige.
Portanto, resta que o conceito de espécie é um acidente da natureza humana em razão do ser que ela possui no intelecto.
A própria natureza humana, no intelecto, possui um ser abstraído de todas as características individuantes, e por isso ela tem uma relação uniforme com todos os indivíduos que estão fora da alma, uma vez que é a imagem de todos e conduz ao conhecimento de todos, na medida em que são homens. E é em razão de tal relação com todos os indivíduos que o intelecto descobre o conceito de espécie e lhe atribui essa característica. É por isso que o Comentador, no início do "De Anima", diz que o intelecto é quem dá universalidade às coisas. Avicena também afirma isso em sua metafísica.
Embora esta natureza, enquanto concebida pelo intelecto, possua o conceito de universal, enquanto relacionada às coisas fora da alma, uma vez que é uma única imagem de todos, ela é, segundo o ser que possui em um determinado intelecto, uma espécie particular concebida. Por isso, fica evidente a falha do Comentador no "De Anima" III, que, ao derivar a universalidade da forma concebida, conclui que há uma unidade do intelecto em todos os homens, pois a universalidade dessa forma não decorre do ser que ela possui no intelecto, mas da relação que possui com as coisas como imagem das coisas.
Se houvesse uma estátua que representasse vários homens, seria claro que aquela imagem ou espécie da estátua teria um ser singular e próprio segundo o material em que fosse composta, mas teria o conceito de comunidade na medida em que representasse várias pessoas.
Como a natureza humana, enquanto considerada em sua forma absoluta, é predicada de Sócrates, e o conceito de espécie não se aplica a ela em sua forma absoluta, mas é um acidente que ocorre a ela segundo o ser que ela possui no intelecto, o nome de espécie não se predica de Sócrates, de modo a dizer: "Sócrates é uma espécie", o que necessariamente aconteceria se o conceito de espécie fosse atribuído ao homem segundo o ser que ele possui em Sócrates ou segundo sua consideração absoluta, ou seja, enquanto é homem. Tudo o que se aplica ao homem enquanto homem é predicado de Sócrates.
Ainda assim, a predicação é um atributo do gênero em si, uma vez que é incluída na definição de gênero. A predicação é algo que se completa pela ação do intelecto ao combinar e separar, e tem seu fundamento na própria realidade como uma unidade daquilo que se diz de algo. Portanto, o conceito de predicabilidade pode ser entendido dentro do conceito de gênero, que também se completa pela ação do intelecto. No entanto, aquilo a que o intelecto atribui a intenção de predicabilidade, ao combiná-la com outra coisa, não é a própria intenção de gênero, mas sim aquilo a que o intelecto atribui o conceito de gênero, como o que se significa pelo nome "animal".
Assim, fica claro como a essência ou natureza se relaciona com o conceito de espécie, uma vez que o conceito de espécie não pertence à essência em sua consideração absoluta, nem é um acidente que ocorre a ela segundo o ser que possui fora da alma, como a brancura ou a negritude, mas é um acidente que ocorre a ela segundo o ser que possui no intelecto, e é por esse mesmo modo que o conceito de gênero ou diferença também se aplica a ela.
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Capítulo 3
Agora resta ver de que maneira existe a essência nas substâncias separadas, ou seja, na alma, na inteligência e na causa primeira.
Embora todos admitam a simplicidade da causa primeira, alguns se esforçam por induzir a composição de forma e matéria nas inteligências e na alma, cuja posição parece ter sido defendida por Avicebron, autor do livro "Fonte da Vida".
No entanto, isso é comumente contrário ao que dizem os filósofos, que nomeiam essas substâncias como separadas da matéria e provam que existem sem qualquer matéria. A demonstração mais poderosa disso é a partir da virtude de entender, que existe nelas. Vemos que as formas não são inteligíveis em ato, exceto na medida em que são separadas da matéria e das suas condições; nem se tornam inteligíveis em ato, exceto pela virtude da substância inteligente, na medida em que são recebidas nela e na medida em que são agidas por ela.
Assim, deve ser que em cada substância inteligente exista uma imunidade total da matéria, de modo que não tenha nenhuma parte materiana e também não seja como a forma impressa na matéria, como ocorre com as formas materiais.
Nem pode alguém dizer que a inteligibilidade não é impedida por qualquer matéria, mas apenas pela matéria corporal. Pois, se isso se desse apenas por causa da matéria corporal, tendo em vista que a matéria não é chamada corporal a não ser na medida em que está sob a forma corporal, então seria necessário que essa matéria, que impede a inteligibilidade, viesse da forma corporal. E isso não pode ser, porque a própria forma corporal é inteligível em ato, assim como as outras formas, na medida em que se abstraem da matéria. Assim, na alma ou na inteligência, de modo algum existe composição de matéria e forma, como esta compreensão da essência nelas se daria como nas substâncias corporais,
mas existe ali uma composição de forma e de ser. Assim, no comentário da nona proposição do livro das causas, diz-se que a inteligência é aquilo que tem forma e ser, e ali a forma é entendida como a própria quiddidade ou natureza simples.
E como isso seja claro pode ser visto. Pois tudo o que tem a relação entre si, de modo que um é a causa de ser do outro, aquele que tem a razão de causa pode ter ser sem o outro, mas não se inverte. Tal é a relação entre matéria e forma, pois a forma dá ser à matéria. Portanto, é impossível existir matéria sem alguma forma. No entanto, não é impossível existir alguma forma sem matéria. A forma, de fato, não tem em sua própria essência uma dependência da matéria, mas se algumas formas forem encontradas, que não podem existir senão na matéria, isso ocorre a elas na medida em que estão distantes do primeiro princípio, que é o ato primeiro e puro. Portanto, aquelas formas que são as mais próximas do primeiro princípio são formas que existem por si mesmas, sem matéria (pois uma forma, segundo todo o seu gênero, não necessita de matéria, como foi dito), e essas formas são as inteligências. Portanto, não é necessário que as essências ou quiddidades dessas substâncias sejam diferentes da própria forma.
Dessa maneira, portanto, difere a essência da substância composta da substância simples, pois a essência da substância composta não é apenas forma, mas inclui forma e matéria; já a essência da substância simples é somente forma.
E disso derivam duas outras diferenças: uma é que a essência da substância composta pode ser significada como um todo ou como parte, o que ocorre devido à designação da matéria, como foi dito. E por isso, a essência da coisa composta não pode ser predicada da coisa composta de qualquer maneira; não se pode dizer que o homem é a sua quiddidade. Mas a essência da coisa simples, que é a sua forma, não pode ser significada senão como um todo, uma vez que não há nada ali além da forma como forma que recebe; e, portanto, de qualquer maneira que se tome a essência da substância simples, ela é predicada dela. Daí Avicebron diz que a quiddidade do simples é o simples em si, porque não é outra coisa que recebe a si mesma.
A segunda diferença é que as essências das coisas compostas, por serem recebidas na matéria designada, se multiplicam segundo a divisão desta, de modo que é possível que algumas sejam idênticas em espécie e diversas em número. Mas como a essência do simples não é recebida na matéria, não pode haver tal multiplicação; e, portanto, deve ser que não se encontrem nessas substâncias vários indivíduos da mesma espécie, mas quantos forem os indivíduos, tantas serão as espécies, como Avicebron diz expressamente.
Assim, essas substâncias, embora sejam apenas formas sem matéria, não têm em si uma simplicidade absoluta, nem são atos puros, mas possuem uma mistura de potência. E isso é assim evidente.
Pois tudo o que não está no intelecto da essência ou da quiddidade é algo que advém externamente e faz composição com a essência, porque nenhuma essência pode ser compreendida sem aquelas que são partes da essência. No entanto, toda essência ou quiddidade pode ser entendida sem que algo seja entendido sobre seu ser; posso entender o que é um homem ou um fênix, e, no entanto, ignorar se ele tem ser na realidade das coisas. Portanto, é claro que o ser é diferente da essência ou quiddidade, a não ser que exista algum ser cuja quiddidade seja o seu próprio ser;
e esse ser não pode ser senão um e único, porque é impossível que algo se multiplique exceto pela adição de alguma diferença, assim como a natureza de um gênero se multiplica em espécies, ou pela forma sendo recebida em diferentes matérias, assim como a natureza de uma espécie se multiplica em diferentes indivíduos, ou porque um é absoluto e outro é recebido em algo, como se houvesse um calor separado, seriam diferentes do calor não separado pela própria separação. Se, porém, se considerar algum ser que seja apenas ser, de modo que o próprio ser seja subsistente, esse ser não receberá adição de diferença, porque já não seria apenas ser, mas ser e, além disso, alguma forma; e muito menos receberia adição de matéria, porque já seria um ser não subsistente, mas material.
Portanto, resta que tal ser, que é seu próprio ser, não pode ser senão um único. Assim, é necessário que em qualquer outro ser, além desse, haja um ser distinto e outra quiddidade ou natureza ou forma sua. Assim, deve haver um ser no âmbito das inteligências além da forma; e portanto é dito que a inteligência é forma e ser.
Tudo o que convém a alguém ou é causado por seus princípios naturais, como a risibilidade no homem, ou advém de algum princípio externo, como a luz no ar proveniente da influência do sol. Porém, não pode ser que o próprio ser seja causado pela própria forma ou quiddidade da coisa (digo como por uma causa eficiente), porque assim alguma coisa seria causa de si mesma, e alguma coisa se produziria a si mesma no ser, o que é impossível. Portanto, é necessário que toda tal coisa, cujo ser seja distinto da sua natureza, tenha seu ser de outro. E como tudo o que é por outro se reduz àquilo que é por si mesmo como à causa primeira, deve haver alguma coisa que seja causa do ser de todas as coisas, porque ela mesma é apenas ser. Caso contrário, estaria se indo ao infinito nas causas, já que toda coisa que não é apenas ser tem a causa do seu ser, como foi dito. Portanto, é evidente que a inteligência é forma e ser e que o ser provém do primeiro ente, que é apenas ser. E essa é a causa primeira, que é Deus.
Além disso, tudo o que recebe algo de outro está em potência em relação a esse algo, e o que é recebido nele é seu ato. Portanto, a própria quiddidade ou forma, que é a inteligência, deve estar em potência em relação ao ser, que é recebido de Deus; e esse ser recebido é por modo de ato. Assim, encontra-se potência e ato nas inteligências, não obstante a forma e matéria apenas em sentido análogo.
Portanto, também sofrer, receber, ser sujeito e todas essas coisas, que parecem convenir às coisas em razão da matéria, convenhem analogicamente às substâncias intelectuais e corporais, como diz o Comentador em "Sobre a Alma", III.
E porque, como foi mencionado, a quiddidade da inteligência é a própria inteligência, a essência ou quiddidade dela é o que é ela mesma, e seu ser é recebido de Deus e é aquilo que subsiste na realidade das coisas. Por esta razão, tais substâncias são ditas compostas do que é e do que é, ou do que é e do ser, como Boécio diz.
E porque nas inteligências se pressupõe potência e ato, não será difícil encontrar uma multiplicidade de inteligências; o que seria impossível se não houvesse potência nelas. Daí o Comentador diz em "Sobre a Alma", III, que, se a natureza do intelecto possível fosse desconhecida, não poderíamos encontrar multiplicidade entre as substâncias separadas. Portanto, há uma distinção entre elas de acordo com o grau de potência e ato, de modo que uma inteligência superior, que é mais próxima do primeiro, tem mais ato e menos potência, e assim por diante.
E isso se concretiza na alma humana, que ocupa o grau final entre as substâncias intelectuais. Assim, o intelecto possível dela se relaciona às formas inteligíveis como a matéria prima, que ocupa a última posição no ser sensível, em relação às formas sensíveis, como diz o Comentador em "Sobre a Alma", III. E por isso o filósofo a compara a uma tábua na qual nada está escrito.
E por esta razão, como entre as outras substâncias intelectuais tem mais potência, se torna tão próxima das coisas materiais, que a coisa material é atraída a participar de seu ser, de modo que da alma e do corpo resulta um único ser em um composto, embora esse ser, na medida em que pertence à alma, não dependa do corpo.
E por isso, após essa forma, que é a alma, encontram-se outras formas que têm mais potência e estão mais próximas da matéria, de modo que seu ser não existe sem matéria. Entre elas também se encontra uma ordem e graus até as formas primordiais dos elementos, que são as mais próximas da matéria. Portanto, não têm nenhuma operação, exceto segundo a exigência das qualidades ativas e passivas e outras, pelas quais a matéria é disposta à forma.
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Capítulo 4
Assim, é evidente a partir das visões dele que a essência se encontra de maneiras diversas. Pois há um modo triplo de possuir essência nas substâncias.
Alguma coisa é, como Deus, cuja essência é o próprio seu ser; e, portanto, alguns filósofos afirmam que Deus não tem quididade ou essência, porque sua essência não é outra coisa senão seu ser. E disso segue que Ele não está em gênero, porque tudo que está em gênero deve ter quididade além de seu ser, uma vez que a quididade ou natureza do gênero ou da espécie não se distingue segundo a razão da natureza naquelas coisas, cujo é o gênero ou a espécie, mas o ser é diverso nas diversas.
E não deve ser, se dizemos que Deus é apenas ser, que incorramos no erro daqueles que afirmam que Deus é aquele ser universal, pelo qual qualquer coisa é formalmente. Pois esse ser que Deus é, possui tal condição, que nada pode ser adicionado a ele; assim, por sua própria pureza, é um ser distinto de todo ser. Por isso, se diz no comentário da nona proposição do livro das causas que a individuação da primeira causa, que é apenas ser, é pela pura bondade dEle. O ser, portanto, comum como em seu intelecto, não inclui alguma adição, assim como não inclui em seu intelecto a predição da adição; porque se assim fosse, nada poderia ser entendido como sendo, no qual algo fosse adicionado ao ser.
De maneira semelhante, embora seja apenas ser, não se deve pensar que faltem a ele as demais perfeições e nobreza, antes, ele possui todas as perfeições que estão em todos os gêneros. Por isso, é dito perfeito simpliciter, como o filósofo e o Comentador dizem na V Metafísica. Mas ele possui-as de maneira mais excelente que todas as coisas, pois, nele, são uma, enquanto nas outras têm diversidade. E isso acontece, porque todas aquelas perfeições lhe convêm segundo seu ser simples; assim como se alguém pudesse, por uma qualidade, realizar operações de todas as qualidades, nessa única qualidade teria todas as qualidades, da mesma forma, Deus possui em seu ser todas as perfeições.
O segundo modo em que a essência é encontrada é nas substâncias criadas intelectuais, nas quais existe um ser diferente da essência delas, embora a essência seja sem matéria. Assim, seu ser não é absoluto, mas recebido e, portanto, limitado e finito à capacidade da natureza que as recebe, mas a natureza ou quididade delas é absoluta, não recebida em alguma matéria. E por isso diz-se no livro das causas que as inteligências são infinitas por baixo e finitas por cima. Pois são finitas quanto ao seu ser, que recebem do superior, não obstante, não são limitadas por baixo, porque suas formas não se limitam à capacidade de alguma matéria que as recebe.
Portanto, em tais substâncias não se encontra a multidão de indivíduos em uma única espécie, como foi dito, exceto na alma humana devido ao corpo, ao qual se une. E, embora a individuação dela dependa do corpo ocasionalmente quanto ao seu início, porque não se adquire ser individuado a menos que seja em um corpo, do qual é ato, não é necessário que, com a remoção do corpo, a individuação cesse, porque, tendo um ser absoluto, do qual foi adquirido o ser individuado pelo fato de se tornar a forma deste corpo, esse ser sempre permanece individuado. E por isso Avicena diz que a individuação das almas ou multiplicação depende do corpo quanto ao seu princípio, mas não quanto ao seu fim.
E porque nessas substâncias a quididade não é a mesma que o ser, por isso são ordenáveis no predicamento, e devido a isso existe nelas gênero, espécie e diferença, embora suas diferenças próprias sejam ocultas para nós. Nas coisas sensíveis, até mesmo as diferenças essenciais são desconhecidas, assim são significadas por diferenças acidentais, que surgem das essenciais, assim como a causa é significada por seu efeito, como bípedes é colocada como a diferença do homem. No entanto, os acidentes próprios das substâncias imateriais são desconhecidos para nós; portanto, suas diferenças não podem ser significadas nem por si mesmas nem por diferenças acidentais.
No entanto, é necessário saber que gênero e diferença não são tomados da mesma maneira nessas substâncias e nas substâncias sensíveis, porque, nas sensíveis, o gênero é tomado a partir do que é material na coisa, enquanto a diferença é tomada a partir do que é formal na mesma. Por isso, Avicena diz no princípio de seu livro sobre a alma que a forma, nas coisas compostas de matéria e forma, é a diferença simples dela, que é constituída a partir dela, não de modo que a própria forma seja a diferença, mas porque ela é o princípio da diferença, como ele também afirma em sua metafísica. E é dito que tal diferença é uma diferença simples, porque é tomada a partir daquilo que é parte da quididade da coisa, ou seja, da forma.
Contudo, como as substâncias imateriais são quididades simples, a diferença nelas não pode ser tomada a partir do que é parte da quididade, mas a partir da totalidade da quididade; por isso, no princípio de "Sobre a Alma", Avicena diz que a diferença simples não é encontrada exceto nas espécies cujas essências são compostas de matéria e forma.
De maneira semelhante, o gênero nelas é tomado da totalidade da essência, porém de uma maneira diferenciada. Uma substância separada concorda com outra em imaterialidade e difere uma da outra em grau de perfeição, segundo o afastamento da potencialidade e o acesso ao ato puro. Portanto, o gênero nelas é tomado a partir do que as caracteriza em sua imaterialidade, como a intelectualidade ou algo semelhante. Entretanto, a diferença nelas é tirada a partir do que envolve o grau de perfeição, que, no entanto, é desconhecida para nós.
E não é necessário que essas diferenças sejam acidentais, porque são de acordo com uma maior e menor perfeição, que não diversificam a espécie. O grau de perfeição em receber a mesma forma não diversifica a espécie, assim como "mais branco" e "menos branco" na participação da mesma brancura. Mas um diverso grau de perfeição nas próprias formas ou naturezas participa da diversidade da espécie, como a natureza procede através de graus das plantas aos animais por meio de algumas que são mediadoras entre os animais e as plantas, segundo o filósofo no VII livro sobre os animais.
Além disso, não é necessário que a divisão das substâncias intelectuais seja sempre por duas verdadeiras diferenças, pois isso é impossível que ocorra em todas as coisas, como o filósofo afirma no XI livro sobre os animais.
O terceiro modo em que a essência é encontrada é nas substâncias compostas de matéria e forma, nas quais o ser é recebido e finito, por causa do fato de que possuem seu ser a partir de outro. Além disso, a natureza ou quididade delas é recebida na matéria determinada. Portanto, elas são finitas tanto por cima quanto por baixo, e nelas, já devido à divisão da matéria determinada, é possível a multiplicação de indivíduos em uma única espécie. E em relação a como a essência se relaciona com as intenções lógicas, já foi dito anteriormente.
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Capítulo 5
Agora resta ver como a essência se encontra nos acidentes.
Pois, como já foi dito, a essência é aquilo que é significado pela definição, deve ser que as coisas tenham essência da forma como têm definição. No entanto, têm uma definição incompleta, pois não podem ser definidas sem que um sujeito seja colocado em sua definição. E isso se dá porque não possuem ser por si mesmas, absolutamente separado do sujeito,
mas assim como do composto de forma e matéria resulta o ser substancial, assim também do acidente e do sujeito resulta o ser acidental, quando o acidente se acrescenta ao sujeito. Portanto, nem a forma substancial tem uma essência completa, nem a matéria, porque, mesmo na definição da forma substancial, é necessário que se coloque aquilo do qual é a forma; assim, sua definição é por adição de algo que está fora de seu gênero, como também a definição da forma acidental. Daí que, na definição da alma, o corpo é colocado por um natural, que considera a alma apenas na medida em que é a forma do corpo físico.
No entanto, entre formas substanciais e acidentais há uma simples diferença, pois assim como a forma substancial não possui ser absoluto por si mesma sem aquilo a que se acrescenta, assim também não tem o que lhe acresce, a saber, a matéria. E assim, da junção de ambos resulta aquilo no qual a coisa subsiste por si mesma, e deles surge um único ser por si; por isso, da confluência deles resulta uma certa essência. Portanto, a forma, embora considerada em si mesma não tenha a razão completa da essência, é, no entanto, parte da essência completa. Mas aquilo a que o acidente se acrescenta é um ente completo em si, subsistente em seu ser. Este ser, de fato, precede naturalmente o acidente que sobrevem. Portanto, o acidente que sobreveio, da conexão deste com aquilo a que se acrescenta, não causa aquele ser no qual a coisa subsiste, por meio do qual a coisa é um ente por si, mas causa um certo ser secundário, sem o qual a coisa subsistente pode ser entendida como sendo, assim como o primeiro pode ser entendido sem o segundo. Daí que, do acidente e do sujeito, não se faz um único ser por si, mas sim um por acidente. E, portanto, da junção deles não resulta uma certa essência, como da junção da forma com a matéria. Por isso, o acidente não possui a razão de essência completa nem é parte da essência completa, mas, assim como é um ente em certo sentido, assim também possui a essência em certo sentido.
Mas porque aquilo que é dito de forma máxima e verdadeira em qualquer gênero é a causa daquilo que está posteriormente naquele gênero, assim como o fogo que está no extremo da caloridade é causa do calor nas coisas quentes, como é dito na II Metafísica, é necessário que a substância que é primeira no gênero do ente, possuindo verdadeira e máxima essência, seja a causa dos acidentes, que participam secundariamente e de forma quase secundária da razão do ente.
Entretanto, isso ocorre de maneira diversificada. Uma vez que as partes da substância são matéria e forma, alguns acidentes, portanto, decorrem principalmente da forma e outros da matéria. Contudo, há formas encontradas, cujo ser não depende da matéria, como a alma intelectual; a matéria, por sua vez, não tem ser senão pela forma. Assim, nos acidentes que decorrem da forma, há algo que não tem comunicação com a matéria, como é o entender, que não está relacionado ao órgão corporal, como o filósofo prova na III De Anima. Por outro lado, alguns dos acidentes que decorrem da forma têm comunicação com a matéria, como sentir. Mas nenhum acidente decorre da matéria sem comunicação da forma.
No entanto, nesses acidentes que decorrem da matéria, encontra-se certa diversidade. Alguns acidentes decorrem da matéria segundo a ordem que esta possui em relação à forma especial, como masculino e feminino nos animais, cuja diversidade se reduz à matéria, como é dito na X Metafísica. Portanto, removida a forma do animal, os ditos acidentes não permanecem senão de forma equívoca. Outros decorrem da matéria segundo a ordem que ela possui em relação à forma geral, e por isso, removida a forma especial, ainda permanecem nela, assim como a negritude da pele é no etíope por causa da mistura de elementos e não pela razão da alma, e por isso permanece neles após a morte. E porque cada coisa se individualiza pela matéria e se coloca em gênero ou espécie por sua forma, os acidentes que decorrem da matéria são os acidentes do indivíduo, segundo os quais também os indivíduos da mesma espécie diferem entre si,
os acidentes, por sua vez, que decorrem da forma são as paixões próprias, seja do gênero, seja da espécie; portanto, encontram-se em todos que participam da natureza do gênero ou da espécie, como o risível segue na forma do homem, porque o riso resulta de certa apreensão da alma humana.
É necessário também observar que os acidentes, por vezes, são causados a partir dos princípios essenciais segundo o ato perfeito, como o calor no fogo, que é sempre, de fato, quente; outras vezes, porém, são causados apenas segundo a aptidão, mas o complemento ocorre a partir de um agente exterior, como a diacência do ar, que se completa por um corpo luminoso externo. E, em tais casos, a aptidão é um acidente inseparável, mas o complemento, que advém de algum princípio que está fora da essência da coisa ou que não entra na constituição da coisa, é separável, como mover-se e outros semelhantes.
Deve-se também notar que em acidentes o gênero, a diferença e a espécie são tomados de modo diferente do que nas substâncias.
Pois, nas substâncias, resulta por si um único ser de uma certa natureza da junção da forma substancial e da matéria, que propriamente se enquadra no predicamento da substância; por isso, na substância, os nomes concretos, que significam o composto, são propriamente ditos no gênero do ser, como espécies ou gêneros, por exemplo, homem ou animal. Não obstante, forma ou matéria não se encontra dessa forma no predicamento, exceto por redução, como os princípios são ditos no gênero do ser. Mas do acidente e do sujeito não se forma um único ser por si. Portanto, não resulta da junção deles nenhuma natureza à qual se possa atribuir a intenção de gênero ou espécie. Assim, os nomes acidentais ditos concretamente não são colocados no predicamento como espécies ou gêneros, como, por exemplo, branco ou musical, exceto por redução, mas apenas na medida em que se significam de modo abstrato, como albedo e música.
E, porque os acidentes não são compostos de matéria e forma, não se pode, portanto, tomar o gênero deles a partir da matéria e a diferença a partir da forma, como ocorre nas substâncias compostas. Mas é necessário que o gênero primeiro seja tomado a partir do próprio modo de ser, segundo o qual o ente é predicado de diversas maneiras a partir do que é anterior e posterior entre os dez gêneros, como se diz que a quantidade é aquilo que mede a substância, e a qualidade segundo o que é a disposição da substância, e assim por diante, segundo o filósofo na IX Metafísica. As diferenças, por sua vez, são tomadas da diversidade dos princípios dos quais são causadas. E porque as paixões próprias decorrem dos próprios princípios do sujeito, é por isso que o sujeito é colocado na definição deles no lugar da diferença, quando são definidos abstratamente, na medida em que são propriamente do gênero, como se diz que a simetria é a curvatura do nariz. Mas seria o contrário, se a definição deles fosse tomada segundo o que se diz concretamente. Assim, o sujeito seria colocado em sua definição como gênero, uma vez que seriam definidos conforme as substâncias compostas, nas quais a razão do gênero é tomada da matéria, como dizemos que o simo é um nariz curvo.
De modo semelhante, isso também se aplica caso um acidente seja o princípio de outro acidente, como o princípio da relação é a ação e a paixão e a quantidade; e por isso, de acordo com isso, o filósofo divide a relação na V Metafísica.
Mas, como os próprios princípios dos acidentes nem sempre são manifestos, então, às vezes, tomamos as diferenças dos acidentes a partir de seus efeitos, como as diferenças de cor são ditas ser a congregativa e a disgregativa, que são causadas pela abundância ou escassez de luz, a partir da qual se causam as diversas espécies de cores.
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Capítulo 6
Assim, portanto, fica evidente como a essência está nas substâncias e nos acidentes, e como se manifesta tanto nas substâncias compostas quanto nas simples, e de que maneira, em todas essas, se encontram as intenções universais da lógica, exceto a primeira, que está no extremo da simplicidade, à qual não convém a razão de gênero ou espécie e, consequentemente, nem a definição devido à sua simplicidade. Com isso, chega-se ao fim e à conclusão deste discurso. Amém.
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