As Heresias da Gnose do Professor Jean Borella

Abade Basilio MERAMO
Prefácio de S.E. Mons. Bernard Tissier de Mallerais
Edições
Os Amigos de São Francisco de Sales

Prefácio

Monsieur l'Abbé Basilio Meramo, prior do priorado San Ezequiel Moreno Diaz de Bogotá, Colômbia, nos propõe uma crítica simples, mas radical, da gnose do professor Jean Borella, professor na Universidade de Nancy, conforme ele expõe em sua obra "La charité profanée", publicada em 1979 em Paris pela Editora du Cèdre.

O abade Meramo não tenta fazer um resumo ou uma síntese do pensamento difícil e obscuro do professor, mas analisa certos temas e os ilumina à luz do magistério da Igreja: uma iluminação reveladora de sua heterodoxia, pois vários pensamentos centrais da gnose de Monsieur Borella caem sob o golpe de condenações passadas de erros análogos a eles.

O leitor terá uma primeira ideia desta gnose ao percorrer o índice desta brochura. Para apresentar mais precisamente esta gnose, basta ler o que o professor escreveu em 1994 em seu artigo comprimido e condensado, publicado por Eric Vatré na obra coletiva intitulada "La droite du Père, enquête sur la Tradition catholique aujourd'hui" (Guy Trédaniel Editeur). Depois de expor que foi um leitor assíduo, até mesmo discípulo, de três gnósticos: René Guénon, Frithjof Schuon e o abade Stéphane, M. Borella expõe suas principais ideias sobre a revelação divina, o pecado original, a fé e a ordem sobrenatural.

Aqui está:

O pecado original é "a vontade do ser condicionado de se conhecer como tal" (p.27); e para ressurgir do pecado de Adão, trata-se de "devolver ao conhecimento sua virtude operadora e sua eficácia salvífica" (p.27): não é essa a mais bela profissão do intelectualismo gnóstico para o qual o pecado é um erro intelectual e a salvação uma questão de conhecimento e não de virtude?

O autor não é mais católico no que diz respeito à religião revelada, pois ele admite "a origem divina das revelações (note esse plural) a partir da condição insuperável da revelação de Cristo" (p.51), assim como "a presença de um elemento central propriamente divino nas religiões não cristãs" (p.24), devido à bondade salvífica divina, à existência dos Sábios e à estética humanamente ininventável das religiões (p.24-25)...

Além disso, o Sr. Borella professa que "a inteligência, em sua essência pura, ultrapassa a ordem da natureza... (e) é em si mesma ordenada ao transcendente" (p.58); ele nega, assim, a essência propriamente sobrenatural e totalmente gratuita da vida divina infundida sobrenaturalmente na alma pelo batismo. Da mesma forma, ele afirma que "o conhecimento na fé, no que consiste a verdadeira gnose, não deve ser concebido como infusão de uma graça particular, como um evento místico extraordinário", mas que ela "é capaz de atualizar (ou seja, de colocar em atividade) a capacidade sobrenatural (da inteligência) ou, pelo menos, de levar a inteligência a produzir um ato cognitivo que começa a revelar à própria inteligência sua própria natureza deiforme" (p.58). Isso equivale ainda a negar a distinção entre a ordem natural e a ordem sobrenatural, a eclipsar a gratuidade da graça e a ocultar a sobrenaturalidade essencial da graça santificante e da virtude da fé... que existem no recém-nascido desde seu batismo!

O abade Meramo administra o contra-veneno para esses erros: o magistério da Igreja e a doutrina do Doutor Comum, São Tomás de Aquino; ao fazer isso, ele consegue destacar os elementos fundamentalmente inadmissíveis da gnose em questão, expondo-os como devem ser.

O professor Borella teve péssimas leituras na juventude; não o imitemos, leiamos o abade Meramo.

Menzingen, 21 de janeiro de 1996

+ Bernard Tissier de Mallerais

Introdução

Aquele que se der ao trabalho de fazer uma leitura aprofundada do livro do professor Borella: "A Caridade Profanada" (edições du Cèdre, Paris 1979), ainda que admire sua erudição e acuidade intelectual, deve, no entanto, reprovar os erros de sua gnose, que são verdadeiras heresias, embora muito sutis, pois estão entrelaçadas no belo quadro dos Padres da Igreja e de outros santos Doutores.

A gnose leva o professor Borella a formular heresias relativas ao pecado original, à divindade do espírito do homem, às exigências do sobrenatural, à visão beatífica, à ordem sobrenatural e à graça.

Para Borella, como para todos os gnósticos, tudo o que no homem está acima da natureza psíquica, ou seja, o espírito, pertence ao divino e ao sobrenatural; esse é o erro fundamental da gnose e a origem de todas as suas heresias.

Borella afirma:

"O homem é então, por natureza, alma vivente, e é essa natureza atual que ele transmite aos seus descendentes, tudo o que ultrapassa essa natureza psíquica pertencendo à sobrenatureza" (p. 118).

Segundo a antropologia de Aristóteles, assimilada pela Igreja Católica graças a São Tomás de Aquino, o homem é composto por dois princípios substanciais: a alma e o corpo. A alma exerce uma função animal de animar o corpo e uma função espiritual pela qual ela pertence ao mundo dos espíritos, como fazem os anjos.

A antropologia tripartite do platonismo de São Paulo, dos Padres gregos, etc., considera que há três elementos no homem: o corpo, a alma (psique) e o espírito (pneuma). Ela é conciliável com a doutrina tomista se unirmos a psique e o pneuma em uma só realidade, a alma.

A Igreja, como veremos, condenou em 1312 o tripartismo quando ele rompe a unidade da alma humana em dois princípios distintos, a psique e o pneuma. A Igreja considera que é a alma toda, e não apenas a "psique", que é a "forma" do corpo; essa verdade filosófica deve ser afirmada se quisermos justificar a unidade do ser humano e a conveniência da ressurreição dos corpos, reunidos novamente ao seu espírito, e se quisermos evitar os erros gnósticos.

Ora, o professor Borella professa o tripartismo:

"o homem é composto de três substâncias: o corpo, a alma e o espírito" (p. 167).

De tal forma que o corpo corresponde ao sôma, a alma à psique e o espírito ao pneuma. Esse espírito (ou pneuma), que se encontra na essência da alma, é divino; eis o erro gnóstico.

Capítulo 1: Heresia referente à divindade do espírito do homem

A gnose e o professor Borella afirmam justificar, por meio dessa antropologia tripartida, a divindade do espírito humano. A realidade divina do espírito é sutilmente afirmada neste texto: "se o espírito é o que há de divino no homem, não podemos admitir que em Jesus Cristo ele seja Deus em si mesmo?" (p. 186), ou formulada de forma clara aqui: "Em outras palavras, e para falar claramente, no fundo do ser criado, em seu coração mais íntimo, há algo não criado e divino" (La Pensée Catholique, No 180, p. 55). Além disso, para completar o infortúnio, segundo a gnose, a pessoa humana é divina, pois "a essência da pessoa humana é espiritual e não psíquica" (p. 149), e como o professor Borella considera sobrenatural tudo o que está acima do psique, a pessoa humana, que é espiritual, também é sobrenatural e divina, o que lhe permite concluir que o homem tem "um Eu divino, polo da peregrinação espiritual, que nos dá um novo Eu humano sobrenatural" (p. 138).

Para a gnose, a pessoa (o Eu pessoal) é o ser espiritual, o rosto de Deus, como o senhor Borella manifesta em sua linguagem confusa: "esse rosto de Deus que só eu vejo, esse rosto de Deus desconhecido por todas as outras criaturas, visível apenas para meu ser espiritual, ou melhor, que é esse ser em si mesmo, que é a pessoa verdadeira, esse segredo que constitui o ser pessoal como tal, que institui a pessoa no ser" (p. 138).

O fundamento da pessoa, o constituinte essencial, é o Eu divino: "o Eu divino, fundamento único de nossa pessoa" (p. 142)....

Para a gnose, o intelecto é uma faculdade naturalmente sobrenatural, como afirma o professor Borella: "O intelecto designa uma faculdade de conhecimento 'naturalmente sobrenatural'" (p. 161), também ao explicar o sentido que as realidades sobrenaturais podem ter para o homem: "é pelo intelecto naturalmente sobrenatural que as realidades sobrenaturais têm significado para um ser natural, caso contrário, elas permanecem como se não fossem" (p. 161). Isso significa que se não houvesse algo sobrenatural ou divino no homem (espírito-intelecto), o sobrenatural perderia todo o seu significado; portanto, é do intelecto naturalmente sobrenatural que as realidades sobrenaturais derivam seu significado. Essas são as conclusões da antropologia (gnóstica) do senhor Borella:

"Fiel às conclusões de nossa antropologia, propomos considerar as coisas da seguinte maneira - uma vez admitidas as variações marginais de vocabulário. O espírito designa a vida divina na criatura, conforme sua dimensão mais interior..." (p. 161).

Dessa forma, o professor Borella reafirma a concepção herética da gnose que faz do homem um Deus:

"O homem não é apenas Deus para o mundo, mas também em si mesmo" (p. 144).

Além disso, o intelecto, segundo a gnose, tem como essência o conhecimento divino:

"Neste texto famoso (Rom. 7, 22-25), o intelecto aparece claramente em sua natureza verdadeira: ele é, por essência, conhecimento divino" (p. 162). 

O professor Borella, com sua antropologia gnóstica tripartida, cai no grande erro do apolinarismo, embora pretenda evitá-lo, pois nega que a alma intelectual seja humana, considerando que a natureza humana de Cristo é constituída pelo corpo e pela alma animal (ou sensitiva), enquanto a alma intelectual (o espírito) é divina, sendo ela que constitui a pessoa. O erro de Borella reside no fato de ele confundir a noção metafísica de 'esse' (o ser) com a da alma intelectual ou espiritual (o espírito), o que, aplicado a Jesus Cristo, o leva a renovar a heresia de Apolinário.

Monsieur Borella explica seu ponto de vista através da seguinte reflexão:

"O princípio inteligente e livre é o noûs ou pneuma, identificado com a pessoa. Daí resulta que Cristo não possui um noûs humano; ele possui, como homem, apenas um corpo e uma alma animal. Quanto ao noûs em Cristo - é assim que o tricotomismo [1] de Apolinário resolve essa dificuldade cristológica - é o Verbo ele mesmo: 'A humanidade de Jesus Cristo é composta por um corpo (sôma) e uma alma animal (psyché), sendo o Verbo ele mesmo seu noûs e pneuma'... Vemos toda a complexidade da questão, e se alguém seguiu nossa exposição de antropologia, entenderá que talvez haja uma maneira de considerar a doutrina apolinariana que não seja claramente herética: se o espírito é o que há de divino no homem, não podemos admitir que em Jesus Cristo ele é Deus ele mesmo?" (p. 186).

Para o professor Borella, a forma de evitar a heresia de Apolinário é seguir a antropologia gnóstica tripartida que distingue no homem o corpo (sôma), a alma (psyché - alma animal ou sensitiva) e o espírito (pneuma, noûs - alma intelectiva ou espiritual), de modo que o espírito é sempre divino e não criado, embora reduzido a uma centelha devido ao pecado original. Assim, a humanidade de Jesus Cristo é constituída pelo corpo e pela alma animal, enquanto a divindade é constituída pelo espírito (alma intelectual), que por sua vez se identifica com a pessoa divina do Verbo. O erro metafísico do professor Borella poderia ser mais grave teologicamente, sendo uma heresia comparável apenas à de Apolinário, bispo de Laodiceia.

Para lembrar qual foi o erro da heresia apolinarista, citamos o artigo do Dicionário de Teologia Dogmática de P. Parente:

"Apolinário começou combatendo o arianismo, sustentando que Cristo era verdadeiramente Deus encarnado, ou seja, o Verbo, Filho de Deus unido à natureza humana. E para melhor defender a união entre o elemento divino e o elemento humano, ele segue o conceito de uma natureza humana apenas composta de carne e alma sensível: nessa natureza, o Verbo assume a função da alma intelectiva (= noûs)."


É exatamente isso que Monsieur Borella propõe, nem mais, nem menos.

No Dicionário de Teologia Católica, encontramos exatamente a mesma coisa:

"Apolinário o Jovem começou por ser um dos campeões do Concílio de Niceia, um dos companheiros de armas de Santo Atanásio. Mas seu ardor em combater o arianismo o levou ao erro oposto... e apoiando-se, como era um helenista refinado, na tricotomia platônica, ele negou ao Redentor, se não um corpo humano com a alma sensível que o anima, pelo menos uma alma racional, noûs ou pneuma, pois assim, segundo Apolinário, a própria divindade o substitui" (T.I, col. 1506).

A condenação da doutrina de Apolinário foi formulada pela Igreja nos seguintes termos:

"Também Apolinário, que, entendendo que se negar que a alma, que anima o corpo em Cristo, não teria existido lá na verdadeira humanidade, colocou apenas a alma sensitiva, mas o Verbo de Deus detinha o lugar da alma racional." (DS 1343)

A tripartição antropológica da gnose do professor Borella não é apenas um erro filosófico, mas também uma heresia:

"Que qualquer um que se atreva doravante afirmar, defender ou sustentar obstinadamente que a alma racional ou intelectiva não é por si mesma e essencialmente a forma do corpo humano, seja considerado herege." (DS 902), declarado no 15º Concílio Ecumênico em 1312.

E que não se diga que ele não fala do espírito, que é precisamente o assunto aqui, já que o 12º Concílio Ecumênico de 1215 considera o espírito igual à alma intelectual ao afirmar:

"O criador de todas as coisas visíveis e invisíveis, espirituais e corporais, que pela sua virtude onipotente criou simultaneamente desde o início do tempo, do nada, ambas as criaturas, espiritual e corporal, comum de espírito e corpo constituído." (DS 800)

Além disso, se a alma intelectual não fosse espiritual ou não fosse espírito, sua imortalidade seria negada, o que também é condenado:

"Damos sentença de condenação e rejeição contra todos os que afirmam que a alma intelectual é mortal..." (DS 1440)

A alma intelectual ou racional é imortal por ser espiritual (ou espírito).

E se separarmos a alma intelectual da alma psíquica, como faz a gnose, afirmamos que a alma intelectual (espírito) não é a forma do corpo, e então caímos na condenação anterior que reprova como herética a afirmação de que a alma intelectiva não anima o corpo humano essencialmente por si mesma.

A condenação atinge como um raio fulminante a tripartição gnóstica do professor Borella, que separa no homem a alma intelectual (espírito) da alma psíquica do corpo humano (alma sensível ou animal) e nega que a alma intelectual (espírito) seja a forma do corpo, caindo assim sob a condenação de herético (Ds. 902). Não há escapatória para a gnose de Borella.

A gnose não admite que a alma intelectual (espírito) seja o princípio de vida do corpo humano, o que não pode ser negado sem que haja erro contra a fé (cf. Ds. 2833), e por essa razão a condenação do XV Concílio Ecumênico de Viena é definitiva (Ds. 902).


[1] Significa que o homem é composto por três substâncias: o corpo, a alma e o espírito, conforme o próprio Borella (cf. p. 167).

Capítulo II. Heresia relativa à ordem sobrenatural e ao pecado original

A ordem sobrenatural é desnaturada pelo professor Borella. Eis o que ele afirma:

"E no entanto, esse espírito que nos é dado pela graça também faz parte da nossa natureza, mas de uma natureza de alguma forma sobrenatural" (p. 160).

Dizer que o espírito dado pela graça faz parte da natureza do homem e que essa natureza é, de certa forma, sobrenatural, é negar a distinção fundamental e absoluta entre a natureza e a graça. É divinizar o homem, como pretende a gnose, quando ela considera o espírito como algo divino, e que confirmamos com a seguinte afirmação que Borella tira de Filão de Alexandria:

"...cada um de nós participa diretamente da vida divina pela comunicação que recebeu do pneuma divino no nascimento" (p. 160).

Quando o professor Borella fala da graça, ele a considera em função da engrenagem gnóstica. A graça não seria um dom sobrenatural gratuito que nos comunica a natureza de Deus, mas ela viria atualizar o que há de divino no homem, ou seja, seu espírito:

"O espírito designa a vida divina na criatura, segundo sua dimensão mais interior, cuja atualização depende rigorosamente da graça de Cristo" (p. 161) [2].

Eis uma das heresias da gnose do professor Borella.

Não só ele não distingue a ordem natural da ordem sobrenatural, erro da gnose que evidencia seu radicalismo monista, mas também a graça está em função da divindade do espírito do homem.

A fé é então falsificada pela gnose: quando Borella fala de fé, não se trata da fé católica, mas da fé considerada como consciência religiosa - como diria algum modernista ecumênico - nem mais nem menos:

"Disso resulta que somente a consciência religiosa (isto é, a fé) pode deter a entropia natural da alma humana" (p. 58).

A fé considerada como consciência religiosa - segundo o próprio Borella - é a fé que se identifica com a consciência espiritual: "A consciência espiritual ou religiosa" (p. 58), isso não é apenas um erro, mas uma heresia (ver Ds. 2075-2082).

A oração também será desnaturada pela gnose.

Segundo o Sr. Borella, a oração é um meio pelo qual o homem recupera a extensão de sua divindade que é reduzida à sua expressão mais simples:

"A oração é o ato pelo qual o intelecto realiza sua natureza deiforme..." (p. 397). "Toda oração é, portanto, uma gnose, toda gnose é uma oração" (p. 398).

A graça e os sacramentos, segundo a gnose, servem para alimentar, sustentar e reativar - conforme o caso - o que há de divino no homem. De acordo com a gnose de Borella, a graça necessariamente pressupõe um mínimo de divindade no homem: o espírito. Para o professor Borella, uma natureza puramente humana é inconcebível, a natureza humana deve ter algo de divino que lhe permita captar e atingir a Deus; caso contrário, toda a realidade do mundo divino e sobrenatural não teria nenhum significado para o homem. O núcleo do raciocínio do Sr. Borella é refletido pela seguinte frase, na qual ele pretende evitar dois erros: o sobrenatural e o naturalismo.

"Além disso, haveria sobrenatural ao querer acrescentar ao homem uma dimensão espiritual sem raiz em seu próprio ser. Ou então, inversamente, cairemos na naturalização do sobrenatural, que virá apenas responder aos desejos ou necessidades do ser humano" (p. 102).

Aqui temos o núcleo e a razão pela qual o professor Borella e a gnose se veem obrigados a introduzir "algo de divino" no homem, pois não se pode atribuir nenhuma dimensão espiritual (mesmo sobrenatural e divina) ao homem sem que ela tenha sua raiz em seu próprio ser. Por isso, o Sr. Borella afirma:

"É preciso apreender o sobrenatural na própria natureza, como o destino que ela carrega em si e que deve realizar" (p. 102).

A consideração tripartite do homem é, portanto, essencial para a gnose, para a qual o espírito é divino; caso contrário, o homem não pode ser nem imagem de Deus (imago Dei) nem capaz de Deus (capax Dei) para poder alcançar a visão beatífica.

Segundo a doutrina católica, a graça divina confere o divino sem pressupor nada de divino no homem, pois a graça é por si mesma o princípio e o germe da vida divina em nós; a graça, dom gratuito e sobrenatural, nos comunica uma participação na natureza divina, elevando diretamente a natureza humana, e mais precisamente a essência da alma e suas faculdades espirituais a um estado sobrenatural. A ação da graça no homem não tem outra raiz senão a natureza humana e sua "potência obediencial", ou seja, sua capacidade de obedecer a Deus para ser assim elevada como Deus quer. Por outro lado, para o professor Borella, a graça atualiza o que há de divino no homem. A heresia dessa concepção gnóstica da graça é evidente. Os sacramentos são simples instrumentos para ativar a divindade do espírito que foi reduzida a uma realidade pontual, em germe:

"Sem dúvida, nossa pessoa imortal está virtualmente em nós, mas só poderemos atualizá-la a partir de uma realidade sobrenatural em ato. Ora, para um cristão, não há outra realidade sobrenatural em ato senão a dos sacramentos que a Igreja nos comunica" (p. 148).

Para a gnose do Sr. Borella, a graça é um reativador da divindade do homem (reduzida a uma dimensão ínfima e pontual) que é a do espírito.

A queda do pecado original é inteiramente falsificada pela concepção gnóstica do homem que quer possuir o que ele era, ou seja, que quer possuir a divindade, sabendo que ele já era divino. Para explicar o pecado original, o professor Borella diz:

"A serpente afirma que, ao comer o fruto, Adão e Eva serão 'como deuses'. No entanto, eles já são 'como Deus'. Mas, sob a figura do fruto, o teomorfismo interior do sujeito aberto a Deus é apresentado como um objeto exterior e fechado que é preciso abrir e comer para possuir o seu segredo. Desejar o que já se é, é perder essa natureza ipso facto, é introduzir em si a dualidade e a divisão" (p. 144).

O pecado original não é a perda da graça e do estado de justiça original: 

"a queda original que é essencialmente perda do ser no ter: 'O que se era, quis-se possuir', disse um velho mestre" (p. 92). "A queda original é a origem de toda queda: é a queda do eu no psíquico em que consiste o eu. É a passagem de uma consciência unitiva de ser para uma consciência distintiva de ter" (p. 147).

Mais uma heresia do professor Borella. É uma reinterpretação intelectualista da falta original que foi uma falta moral, não um erro intelectual. Querer ser ou ter o que já se é, é um erro, mas não uma falta. Ao contrário, desobedecer ao preceito divino e desejar "ser como Deus, conhecendo o bem e o mal" (cf. Gên 3, 5), é uma falta moral de desobediência e de orgulho, como ensina o catecismo de São Pio X. Tocamos aqui a nota característica de toda gnose, que é eliminar o pecado, substituindo-o por um erro do homem sobre sua própria estrutura metafísica. Rejeitemos essa heresia!


[2] Texto parcialmente citado na página 8.

Capítulo III. Heresia sobre a visão beatífica

Encontramos outra heresia no professor Borella quando ele equipara a visão beatífica à contemplação de si mesmo; uma vez que nosso intelecto é deificado pela gnose:

"Para o intelecto deificado, contemplar a Santíssima Trindade é contemplar a si mesmo. A ousadia desta formulação parecerá sem dúvida excessiva" (p. 404).

Não é apenas ousado até a heresia afirmar tal coisa. É o cúmulo do narcisismo e é diabolicamente rebuscado. Assim, para o bem-aventurado, contemplar a Santíssima Trindade é contemplar a si mesmo! Para afirmar tal barbaridade, é preciso ser iluminado por Lúcifer.

Na gnose, a visão beatífica é sutilmente deformada; a visão beatífica consiste em ver a essência de Deus e não em nos contemplarmos a nós mesmos em Deus, como afirma o professor Borella. Podemos nos perguntar como tal erro é possível. Obteremos a resposta na explicação do próprio Borella:

"A gnose, de fato, é o conhecimento perfeito onde o sujeito conhecedor está totalmente unido ao objeto conhecido, porque, conhecendo como é conhecido, o conhecimento que ele tem de Deus e o conhecimento que Deus tem dele são um único e mesmo conhecimento" (p. 394).

Realmente, é preciso ser obstinado na fantasia do erro, incapaz de receber a luz, para não perceber tal barbaridade, comparável apenas ao orgulho satânico querendo ser igual a Deus.

O autor atinge o cúmulo da heresia e da aberração ao identificar a visão da Santíssima Trindade com a visão da essência do homem. Isso não pode ter outra origem senão a inspiração diabólica que, disfarçando-se de anjo de luz, espalha o reino do erro e das trevas, dizendo:

"Nós o vimos, e São Evágrio o repete incansavelmente, apenas o intelecto, e o intelecto perfeitamente despojado, é capaz de ver a Trindade. Mas é ainda preferível dizer que tal intelecto é 'vidente da Santíssima Trindade', ou seja, que esta visão é sua própria essência" (p. 405).

Pobre São Evágrio! citado para creditar, por sua santidade, a gnose demoníaca; pois segundo a gnose do professor Borella, é isso a visão beatífica! Em sua obra, ele se permite recapitular esta teoria da seguinte maneira:

"Retomando os termos de nosso estudo, diremos que a obra própria da caridade é pneumatizar o intelecto, e que a pneumatização do intelecto o torna capaz de receber o dom da sabedoria ou da gnose. Ora, o dom da sabedoria, na medida em que é perfeitamente atualizado pela criatura, corresponde nela ao estado de deificação" (p. 410).

São Paulo também não escapa à reinterpretação! Coitado dele! O professor Borella o agarra para reafirmar sua heresia sobre a deificação do homem segundo a gnose:

"A palavra de São Paulo significa apenas isto: nossa deificação é uma consequência do conhecimento que Deus tem de nosso ser; ou ainda: ser deificados, tornar-se conformes à imagem do Filho - conformes fieri imaginis Filii - é identificar-se ao conhecimento que Deus tem de nós desde toda a eternidade: a gnose eterna que Deus tem de nós é nossa deificação" (p. 411). 

Em sua linguagem gnóstica, Borella identifica deificação com visão da essência do homem.

E para concluir, o professor Borella não se contém no desdobramento de sua erudição gnóstica, que se alimenta, entre outras coisas, além da cabala, do hinduísmo, ao qual ele se refere para reafirmar:

"o intelecto nu é aquele que é consumido na visão de si mesmo e que mereceu comungar com a contemplação da Santíssima Trindade" (p. 405).

A explicação aberrante de um erro e heresia semelhantes se encontra na recusa, pela gnose, da analogia entre o intelecto criado (humano) e o intelecto incriado (de Deus). A gnose substitui o que é apenas uma analogia por uma univocidade, uma identidade de natureza; o intelecto humano se identifica com seu protótipo divino:

"O intelecto, dizemos, se identifica com sua natureza sobrenatural, seu protótipo 'in divinis'" (p. 405).

A consequência dessa univocidade é uma concepção errônea da visão beatífica de Deus pelos bem-aventurados do céu, que é um dos mistérios mais elevados da ciência espiritual e é pervertido pela gnose. O salmo 35, versículo 10, diz "In lumine tuo videbimus Lumen", "em tua luz veremos a Luz"; o que os Pais interpretam como uma luz criada por Deus que eleva a inteligência dos bem-aventurados e lhes permite aplicar sua inteligência à essência divina que é Luz incriada, sem serem cegados por ela.

O professor Borella, por sua vez, afirma erroneamente que "Deus só pode ser visto por Ele mesmo, vendo-se em Sua própria luz" (p. 406). Com isso, fica claro que, segundo a gnose, o intelecto do homem que vê Deus face a face é o intelecto divino; o próprio intelecto de Deus, pois, se não fosse assim, ele não poderia ver Deus.

A explicação desta concepção enraíza-se principalmente na seguinte alegação:

"Todo conhecimento é conhecimento do que é. Portanto, é ao mesmo tempo discernimento do ser e do nada, do real e do ilusório. Ora, em última instância, o ser é Deus" (p. 406).

Aqui se revela plenamente o monismo metafísico de Borella. Dizer que o ser, em última instância, é Deus, é apagar de um traço de pena a distinção metafísica entre o Ser de Deus e o ser das criaturas que constituem o universo. Uma coisa é o Ser em plenitude ou Plenitude do Ser (o ipsum esse subsistens, o ser subsistente por si mesmo) que é Deus, o "Ens per essentiam", e outra coisa são os seres criados que são seres por participação, "ens per participationem" [3]. Portanto, o conhecimento não se reduz a Deus, pois em primeiro lugar, naturalmente, conhecemos as coisas. Mais precisamente, conhecemos os seres sensíveis, todas as coisas que vemos, e a partir delas, chegamos naturalmente a um certo conhecimento de Deus. Estas são as "cinco vias" de São Tomás de Aquino para provar a existência de Deus e descobrir suas principais perfeições a partir da realidade criada: "ad invisibilia per visibilia". Deus não é evidente; é por essa razão que Ele é objeto de demonstração, como ensina a Igreja (Ds. 2812, 3538, 3892). O conhecimento de Deus não é intuitivo, nem a priori (como pretendem a gnose e o ontologismo), mas demonstrativo e a posteriori (Ds 3622).


[3] Participação segundo São Tomás e não como falsamente entendido pela gnose.

Capítulo IV. Origem filosófica dessas heresias

Identificamos duas fontes filosóficas envenenadas das ideias do professor Borella: seu nomismo metafísico e seu ontologismo.

O monismo metafísico do Sr. Borella é entitativo; ele se situa na ordem do esse (ser), como o monismo de Mestre Eckhart; não é um monismo grosseiro no nível da natureza ou da essência, mas no nível do ato de ser. Mestre Eckhart caiu nesse erro, pois para ele há apenas um único esse, o de Deus (o esse divino). Cada coisa recebe sua própria natureza e essência, mas o ser lhe vem de Deus como por emanação. A esse respeito, pode-se consultar "Participação e Causalidade" (Paris, 1961), do Padre Fabro, que explica o erro de Eckhart e de seu panteísmo. Limitaremo-nos apenas a algumas citações.

"O esse na criatura é outro em relação à essência, mas não em relação ao esse divino" (op. cit. p. 586), afirma Eckhart. "Na concepção de Eckhart (Avicena), o esse é a formalidade suprema, possuída totalmente por Deus, e que abarca as coisas como um fluxo, uma luz, o éter" (Ibid., p. 587). "Para ser exato, é preciso dizer que o esse e a essentia em Eckhart não são de forma alguma o esse e a essentia tomistas, pois Eckhart só reconhece um único ato verdadeiro, Deus, enquanto para São Tomás cada criatura possui seu próprio ato formal (a essentia) e seu próprio ato real (o esse - actus essendi)" (Ibid., p. 587). "Assim, o esse, que é Deus, está igualmente em todas as coisas" (Ibid., p. 587), diz Eckhart. "Na exata medida em que o ser humano adquire uma consciência ontológica do dom do ser, ele deixa o Ser divino fluir nele" (p. 419).

Borella se deleita em Eckhart: ele considera que realizou a síntese entre o tomismo e o agostinianismo (cf. p. 131), o que é falso. Como observa o Padre Meinvielle:

"São Tomás produziu uma síntese inédita onde culmina todo o pensamento anterior e a realização mais grandiosa do pensamento cristão." ("Da Cabala ao Progressismo", ed. Calchaqui, Salta, 1970, p. 201).

São Tomás sintetiza assim toda a filosofia de seu tempo, tanto o pensamento grego (Platão e Aristóteles) quanto o dos Padres da Igreja, e por essa razão é chamado de Doutor Comum da Igreja Católica (Doctor communis).

Mestre Eckhart, a quem Borella admira e cuja doutrina segue, foi condenado por seus erros; seu ensino contém 17 proposições heréticas e 11 proposições suspeitas de heresia (Ds. 979), que são a consequência direta de sua gnose.

O entendimento ou intelecto do qual o professor Borella tanto fala não é nada mais do que o de seu mestre Eckhart, que foi condenado como uma heresia:

"Algo existe na alma que é incriado e incriável; se toda a alma fosse tal, seria incriada e incriável, e isso é o intelecto" (Erro de Mestre Eckhart: Ds. 977).

É por isso que Borella diz que:

"O intelecto é, segundo a expressão de F. Schuon, naturalmente sobrenatural. Ele testemunha, no próprio homem, algo que ultrapassa tudo o que encontramos até agora, e particularmente os limites de nossa natureza individual" (p. 130).

Segundo a gnose, nosso ser espiritual (espírito ou pneuma) é de origem divina, é como um raio da divindade recebido individualmente em cada natureza (corpo e alma), daí a tripartição antropológica da gnose: espírito, alma e corpo. O espírito, afirma Borella, não pode ser conhecido de maneira natural:

"Na realidade, não temos, na ordem da natureza, uma verdadeira consciência de nosso ser espiritual" (p. 130).

Entra em cena curiosamente o pecado original, intelectualizado, como vimos, pelo professor Borella. O espírito só pode ser entrevisto pela atividade intelectual, mas só pode ser verdadeiramente conhecido através da gnose, devido à queda original que mergulhou o espírito na materialidade individual:

"A esfera pneumática não mais envolve as esferas anímica e corporal... o pecado original é a causa de uma segunda descida cósmica, ao nível do corporal" (p. 117); "A ingestão pecaminosa do fruto proibido opera a inversão da estrutura antropológica" (p. 145), "Desde então, a vida, ou seja, a comunicação com o espírito, está perdida. Resta apenas o conhecimento teórico" (p. 146). Segundo a gnose, antes do pecado original, o homem (o Adão primitivo) é tal que podemos figurá-lo sob a forma de uma esfera, a do espírito, que compreende em si uma outra esfera menor, a do psiquismo, encerrada em um ponto, centro das duas esferas anteriores, e correspondente ao corpo" (p. 117).

Após o pecado original, a condição do homem se inverteu:

"...a ordem das esferas antropológicas está, portanto, invertida; a esfera corporal envolve a esfera anímica, que por sua vez envolve a esfera pneumática" (p. 118).

O espírito minimizado é assim reduzido à sua mais simples expressão, mas não destruído, de tal forma que o homem não perde sua forma divina: o espírito.

"A dimensão espiritual do homem, que o envolvia como uma aura de glória, isto é, que irradiava a deiformidade de sua natureza, esta dimensão não desapareceu; ela está reduzida a uma marca pontual, portanto a um germe ou ainda ao estado virtual: o homem não possui mais a atualidade disso (será necessária a vinda de Cristo para abrir a porta do nosso céu interior)" (p. 118).

As heresias do professor Borella atingem aqui seu ápice, na deformação da obra redentora de Nosso Senhor Jesus Cristo. Este não faz nada além de revelar a divindade interior do homem, assim como diria João Paulo II:

"O Cristo... manifesta plenamente o homem ao homem" (Veritatis splendor, Nº 2).

Esta é a trajetória do Vaticano II, seguida por João Paulo II:

"O Concílio Vaticano II, em sua análise penetrante 'do mundo contemporâneo', atinge o ponto mais importante do mundo visível: o homem, ao descer, como Cristo, às profundezas das consciências humanas, chegando até o mistério interior do homem" (Redemptor hominis, Nº 8).

O ontologismo é a segunda fonte filosófica envenenada da qual o professor Borella se nutre. O ontologismo de sua gnose é evidente; seu erro consiste na ideia inata do ser infinito ou absoluto (Deus), ou seja, a ideia de que o homem tem a intuição radical e primeira da ideia de Deus. O ontologismo é um erro metafísico grave, assim como um erro teológico que destrói o caráter sobrenatural da visão beatífica ou intuição de Deus.

O ontologismo é um erro que foi explicitamente condenado pela Igreja:

"immediata Dei cognitio, habitualis saltem, intellectui humano essentialis est, ita ut sine ea nihil cognoscere possit: siquidem est ipsum lumen intellectuale" (Erros dos Ontologistas: "1. Um conhecimento imediato de Deus, pelo menos habitual, é essencial à inteligência humana, de tal forma que ela não pode conhecer nada sem ele: esse conhecimento é a própria luz do intelecto." Ds. 2841).

"Esse illus, quod in omnibus et sine quo nihil intelligimus, est esse divinum" ("2. Esse ser que conhecemos em todas as coisas e sem o qual não conhecemos nada é o ser divino." Ds. 2842).

"Universalia a parte rei considerata a Deo realiter non distinguuntur" ("3. Os universais, na sua realidade objetiva, não se distinguem realmente de Deus." Ds. 2843).

"Res creatæ sunt in Deo tamquam pars in toto, non quidem in toto formali, sed in toto infinito, simplicissimo, quod suas quasi partes absque ulla sui divisione et diminutione extra se ponit" ("4. As coisas criadas estão em Deus como a parte no todo, não certamente no todo formal, mas no todo infinito, perfeitíssimo, que coloca fora de si suas quase-partes, sem nenhuma divisão ou diminuição de si mesmo." Ds. 2846).

Que não nos digam que o senhor Borella não professa esses erros; para nos convencermos disso, basta lembrar algumas de suas afirmações:

"Dissemos que o conhecimento, ato do intelecto, era percepção direta e unitiva do ser" (p. 124). "Ora, em última instância, o ser é Deus. Sob esse aspecto, todo conhecimento é conhecimento de Deus" (p. 406).

O ontologismo de Borella é manifesto; não há como escapar disso.  Convém, portanto, lembrar que Rosmini foi condenado em 1887 pelo mesmo erro:

"In ordine rerum creatarum immediate manifestatur humano intellectui aliquid divini in se ipso, huiusmodi nempe, quod ad divinam naturam pertineat" (Erros de Rosmini: "1. Na ordem das coisas criadas, manifesta-se imediatamente à inteligência humana algo de divino em si, tal que pertence à natureza divina." Ds. 3201).

"Esse, quod homo intuetur, necesse est, ut sit aliquid entis necessarii et œterni, causœ creantis, determinantis ac finientis omnium entium contingentium: atque hoc est Deus" ("5. O ser, objeto da intuição do homem, é necessariamente algo do ser necessário e eterno, da causa criadora, determinante e final de todos os seres contingentes: e isso é Deus." Ds. 3205).

Há outros erros pelos quais Rosmini foi condenado; eles têm uma semelhança com os erros do professor Borella e do Mestre Eckhart, que faz pensar em uma mesma causa, a gnose:

"In natura igitur universi, id est in intelligentiis, quæ in ipso sunt, aliquid est, cui convenit denominatio divini non sensu figurato, sed proprio; est actualitas non distincta a reliquo actualitatis divinæ" ("Portanto, na natureza do universo, isto é, dos seres inteligentes que nele estão, há algo ao qual convém a denominação de 'divino', não no sentido figurado, mas próprio; uma atualidade não distinta do restante da atividade divina." Ds. 3203).

"Entia finita, quibus componitur mundus, resultant ex duobus elementis, id est, ex termino reali finito et ex esse initiali, quod eidem termino tribuit formam entis" ("Os seres finitos dos quais se compõe o mundo resultam de dois elementos, a saber, de um termo real e finito e do ser inicial que dá a forma de ser a esse mesmo termo." Ds. 3208).

"A distinção entre o ser absoluto e o ser relativo não é aquela que intervém entre substância e substância, mas é muito maior. Com efeito, o primeiro é absolutamente ser, o segundo é absolutamente não ser; mas este último é relativamente ser. Ora, quando se considera um ser relativo, não se multiplica o ser absolutamente; portanto, falando absolutamente, o absoluto e o relativo não são uma única substância, mas um único ser; e, nesse sentido, não há nenhuma diversidade de ser, ao contrário, há uma unidade de ser." (Ds. 3213).

"Deus faz uma única coisa ao criar, que é colocar integralmente todo o ato de ser das criaturas: portanto, esse ato não é propriamente feito, mas colocado." (Ds. 3217).

O fundamento da doutrina desses erros condenados é o mesmo que o de Borella e do Mestre Eckhart: é a gnose.

Capítulo V. Heresia sobre a graça

A última heresia da gnose, que poderia muito bem ser a primeira, encontramos na definição da exigência da visão beatífica que, segundo a gnose, é uma exigência da pessoa humana, de sua transcendência, ou seja, da dignidade que o espírito divino lhe confere. É aqui que se evidencia o caráter gnóstico do erro bastante atual que é o personalismo:

«Por um lado, a Escritura ensina que conheceremos Deus "como Ele é". Por outro lado, é a própria natureza humana que exige tal conhecimento» (p. 412).

Borella renova aqui a heresia de Bayo ou Michel de Bay (em 1567), que faz da beatificação uma exigência da natureza da pessoa humana. Exigência que está latente em todo o personalismo. É a exigência da transcendência da pessoa humana.

A realização da pessoa humana, tanto para a gnose quanto para o personalismo, é dada somente em Deus, como provam os seguintes textos do professor Borella, os quais demonstram, mais uma vez, a confusão entre a ordem natural e a ordem sobrenatural, bem como a exigência desta última para a pessoa humana:

«Não podemos nos tornar nós mesmos senão em Deus» (p. 82),

o que concorda com as seguintes ideias:

«o homem é um ser em devir» (p. 101); «a natureza atual do homem não é sua verdadeira natureza» (p. 102); «até o momento em que ela (a pessoa) se cumpre na Pessoa divina que, sendo a personalidade por excelência, a essência mesma de toda pessoa, lhe confere finalmente sua verdadeira identidade» (p. 135); «Último paradoxo e o mais fundamental de todos, nesta busca do eu, não é ele que devemos visar, mas o próprio Deus, não a pessoa humana, mas a Pessoa divina que, Sozinha, conhece nosso verdadeiro eu; porque nosso eu não é nada mais do que esse próprio conhecimento... É pela graça da Identidade suprema que cada um realiza sua própria identidade» (p. 148).

A gnose não faz distinção entre o ser criado à imagem e semelhança de Deus e o ser que é a imagem e semelhança de Deus; além disso, Borella afirma:

«O homem é a imagem de Deus» (p. 144).

Ora, isto pertence exclusivamente ao Verbo, ao Logos divino, ao Filho de Deus e não ao homem. Pois, como observa bem São Tomás:

«Para designar a imperfeição da imagem no homem, o homem não é apenas chamado imagem, mas à imagem de, por meio do qual se designa um movimento que tende à perfeição. Mas ao Filho de Deus não se pode dizer que é à imagem de, porque é a perfeita imagem do Pai», S. Th. I, q. 35, a. 2, ad 3.

Existem duas classes de imagens: a imagem perfeita, que é aquela que procede do modelo segundo a mesma natureza, e a imagem imperfeita (ou imprópria), que, sem proceder segundo a mesma natureza, é de uma natureza distinta do modelo. Por essa razão, São Tomás ensina:

«a imagem de algo se encontra de duas maneiras em alguma coisa. De um modo, em uma coisa de mesma natureza segundo a espécie: como a imagem do rei se encontra em seu filho. De outro modo, em uma coisa de outra natureza: como a imagem do rei se encontra em uma moeda. Da primeira maneira, o Filho é a imagem do Pai; da segunda maneira, diz-se que o homem é a imagem de Deus» (S. Th., Ibid.).

Além disso, o professor Borella sustenta que:

«A semelhança indica então a pessoa espiritual» (p. 144),

uma vez que a semelhança é a consequência da imagem; ela está implicada:

«Ela (a semelhança) é nomeada em segundo lugar porque é como uma consequência da imagem, ela está implicada pela imagem. É por isso que, às vezes, a imagem é mencionada sozinha» (p. 144).

 Assim, o professor Borella pode falar de imagens semelhantes, uma vez que a imagem é conforme ao seu modelo divino, o que significa:

«que, em sua natureza, o homem se assemelha a Deus» (p. 144).

Como acabamos de ver, é a mesma heresia na qual caem João Paulo II e o Vaticano II. É o erro fundamental da "nova teologia" e da salvação universal, denunciado pelo professor Dormann em seu livro:

"A Estranha Teologia de João Paulo II e o Espírito de Assis" (ed. Fideliter, 1992, p. 104).

O professor Borella afirma não apenas que o homem, imagem de Deus, em sua natureza se assemelha a Deus, mas ainda que ele é Deus em si mesmo, como vimos em um texto já citado, mas que nos parece bom recordar aqui:

«O homem é, portanto, não apenas Deus para o mundo, mas ainda em si mesmo» (p. 144).

Portanto, a visão beatífica não é nada mais do que o conhecimento que Deus tem do nosso eu:

«a Pessoa divina que Sozinha conhece nosso verdadeiro eu, porque nosso eu não é nada mais do que esse próprio conhecimento» (p. 144).

O baianismo é, portanto, o erro no qual cai a gnose do professor Borella. O baianismo busca as raízes de seu erro na confusão entre a ordem natural e a ordem sobrenatural. Bayo, em um de seus erros, considerava que

«a justiça original era própria do homem como parte integrante de sua natureza, entretanto, era um dever e não um dom gratuito» (Dict. de Théol., P. Parente, p. 46).

O professor Borella, ao falar do ‘estado primitivo’, do ‘homem primitivo’... cai no mesmo erro ao considerar o estado de justiça original como parte integrante de sua natureza.

A heresia de Bayo foi condenada pela Igreja:

«A elevação e exaltação da natureza humana à participação na natureza divina era devida à integridade do estado primitivo e deve, portanto, ser dita natural e não sobrenatural» (Erros de Bayo: «21. A exaltação e elevação da natureza humana à participação na natureza divina era devida à integridade do estado primitivo e deve, portanto, ser dita natural e não sobrenatural.» Ds. 1921).

«É absurda a opinião daqueles que dizem que o homem foi, desde o início, elevado acima da condição de sua natureza por um dom sobrenatural e gratuito, para honrar a Deus sobrenaturalmente pela fé, esperança e caridade» (Ds. 1923).

«Integritas primæ creationis non fuit indebita humanæ naturæ exaltatio, sed naturalis eius conditio» «26. A integridade da primeira criação não foi uma elevação indevida da natureza humana, mas sua condição natural.» (Ds. 1926).

Todas as expressões tais como:

«A substância humana é capaz, por si mesma, de um comportamento quase divino» (p. 43), «o espírito designa a vida divina na criatura», «o intelecto naturalmente sobrenatural»... (p. 161)

 continuam a confusão do natural com o sobrenatural.

Como podemos nos defender da acusação de baianismo quando lemos afirmações como as que acabamos de ver:

«E, no entanto, esse espírito que nos é dado na graça também faz parte de nossa natureza, mas de uma natureza de certa forma sobrenatural» (p. 160).

Uma de duas: ou nosso espírito natural já é sobrenatural e a graça apenas o coloca em ato, e isso é o erro de Bayo, que o Sr. Borella professa; ou nosso espírito não é sobrenatural, não tem nenhuma capacidade positiva em relação ao sobrenatural, e a graça o eleva acima de sua natureza: isso é a doutrina católica.

É absolutamente necessário distinguir três diferentes espíritos ou pneuma: o Pneuma divino, que é o Espírito Santo e sua ação; o pneuma humano encontrado em São Paulo, que é o espírito humano elevado pela graça; e finalmente o pneuma humano dos filósofos, que é simplesmente o espírito, a parte espiritual da alma humana, constitutivo da natureza do homem.

O professor Borella esmaece os limites que separam esses três espíritos: essas são suas duas principais erros fundamentais ou heresias monumentais.

Esses erros de Borella foram igualmente condenados pela Igreja na pessoa de Quesnel, que faz da graça uma exigência da natureza, e na reprovação do concílio de Pistóia, onde é mencionada a condenação de Bayo e de Quesnel.

«Gratia Adami est sequela creationis et erat debita naturæ sanæ et integræ», «A graça de Adão é uma consequência da criação e era devida à natureza sã e íntegra» (Ds. 2435),

dizia Quesnel, e a Igreja o condenou:

«A doutrina do Sínodo de Pistóia sobre o estado de feliz inocência, tal como a apresenta em Adão antes do pecado, a saber, abrangendo não apenas a integridade, mas também a justiça interior com o impulso para Deus através do amor de caridade, e a santidade primitiva restaurada de outra maneira após a queda; na medida em que, considerada em seu conjunto, insinua que esse estado foi uma consequência da criação, devido em virtude de uma exigência natural e da condição da natureza humana, e não um benefício gratuito de Deus (é): falsa, já condenada em Bayo (1901 ss) e em Quesnel (2434 ss), errônea, favorecendo a heresia pelagiana» (Ds. 2616).

Conclusão

Podemos dizer que os erros da gnose do professor Borella se resumem em quatro grandes heresias, além do fato de que ele renova e cai nos erros do ontologismo e do monismo metafísico. São eles:

  1. A heresia relativa à divindade do espírito do homem.
  2. A heresia sobre a ordem sobrenatural e o pecado original.
  3. A heresia relativa à graça.
  4. A heresia relativa à visão beatífica.

Para o professor Borella, a gnose é o conhecimento que Deus tem de nós em sua essência divina. Chegar a esse conhecimento que Deus tem de nós é alcançar a visão beatífica: portanto, conhecer a essência de Deus e conhecer como Deus nos conhece em sua essência divina é uma só e mesma coisa. Em conclusão, Borella afirma:

"Finalmente, a gnose pura é, em sua essência, a obra do amor pelo qual nos abrimos à gnose que Deus tem de nós mesmos" (p. 390).

A gnose suprema (epignosis - superconhecimento), ou seja, o ápice do conhecimento esotérico (oculto ou secreto, chamado eufemisticamente de interior ou espiritual), culmina na identificação cognitiva de Deus e do homem na essência divina, a ponto de inverter a noção de visão beatífica, dizendo que não é o homem que conhece a Deus, mas Deus que se conhece no homem:

"...na superconhecimento, na gnose suprema, não sou realmente eu quem conhece a Deus, mas Deus que se conhece em mim mesmo" (p. 392).

Essa é a famosa gnose de Borella, supostamente católica. Na realidade, a síntese especulativa do professor Borella é praticamente insuperável; ele sintetiza e integra habilmente, com uma sutileza diabolicamente genial, a gnose ancestral (tradição perversa gnóstico-cabalística) com os mistérios mais sublimes da Santíssima Trindade e da Encarnação, com o objetivo de fazê-la passar por católica e tornar mais difícil a detecção do erro sutilmente destilado.

Resumindo a gnose do professor Borella, podemos afirmar que ela é incompatível com a doutrina e o dogma da Igreja Católica Apostólica Romana.

Não esqueçamos que é por meio da gnose que Satanás, pai do erro, do engano e da mentira, se manifesta sob as aparências do anjo de luz para corromper a noção metafísica de Deus e falsificar a verdade e os mistérios mais sublimes da religião católica.

A gnose do professor é falsa e herética; disso não há a menor dúvida.

Contracapa

A gnose leva o professor Borella a formular heresias relacionadas ao pecado original, à divindade do espírito humano, às exigências do sobrenatural, à visão beatífica, à ordem sobrenatural e à graça.

Dessa maneira, Borella reafirma a concepção herética da gnose que faz do homem um Deus.

A gnose não admite que a alma intelectual (espírito) seja o princípio de vida do corpo humano, o que não pode ser negado sem incorrer em erro contra a fé.

A gnose não faz distinção entre o ser criado à imagem e semelhança de Deus e o ser que é a imagem e semelhança de Deus.

O professor Borella afirma não apenas que o homem, imagem de Deus, em sua natureza se assemelha a Deus, mas também que ele é Deus próprio...

O baianismo é outro erro no qual a gnose do professor Borella cai. O baianismo tem suas raízes na confusão entre a ordem natural e a ordem sobrenatural. Bayo, em um de seus erros, considerava que "a justiça original era própria do homem como parte integrante de sua natureza, contudo era um dever e não um dom gratuito".

Esses erros de Borella também foram condenados pela Igreja na pessoa de Quesnel, que faz da graça uma exigência da criatura, e na reprovação do Concílio de Pistóia, onde é mencionada a condenação de Bayo e de Quesnel.

ISBN 3-905519-13-5

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[1]Significa que o homem é composto por três substâncias: o corpo, a alma e o espírito, conforme o próprio Borella (cf. p. 167).

[2] Texto parcialmente citado na página 8.

[3]Participação segundo São Tomás e não como falsamente entendido pela gnose.