A TRADIÇÃO GNÓSTICA NA INGLATERRA

Autor: ETIENNE COUVERT
LEITURA E TRADIÇÃO, N° 373-374, MARÇO-ABRIL 2008, P. 6-31

A Inglaterra Gnóstica – Estudo de Étienne Couvert

Étienne Couvert acaba de realizar um estudo sobre a tradição gnóstica na Inglaterra e convida à sua ampla divulgação, o que fazemos aqui.

De fato, ele traz uma contribuição útil aos trabalhos que estamos realizando para atualizar as raízes da conspiração histórica anglicano-rosacruz que conseguiu repudiar totalmente a forma sacramental essencial antiga, venerável e imutável há mais de 1700 anos, do rito latino, da consagração episcopal católica, em vigor na Igreja católica até 18 de junho de 1968, para lhe substituir então (Pontificalis Romani) por um novo rito « ecumênico » totalmente fabricado em 1968 para – ao privá-lo voluntariamente (de forma a melhor agradar os observadores-colaboradores Anglicanos e Luteranos dos reformadores do Consilium litúrgico) da expressão unívoca da sua Potestas Ordinis episcopal – ser assim voluntariamente tornado inválido segundo as normas imutáveis da teologia sacramental dos Santos Ordens sacrificiais católicas.

Assim privado há mais de quarenta anos de sua transmissão sacramental válida, o verdadeiro Sacerdócio sacrificial católico praticamente desapareceu da Igreja Católica de rito Latino, transformando agora na sua quase totalidade o clero sacrificial católico desse rito latino em um pseudo-« clero » não-sacrificial do tipo « neo-anglicano » totalmente desprovido de sua Potestas Ordinis católica, ou seja, de seus poderes sacrificial e sacramentais católicos.

Na hora em que os estudos sobre a infiltração precoce da FSSPX por um ex-anglicano britânico, Dom Williamson, progridem e são agora mundialmente conhecidos, o trabalho de Étienne Couvert contribui para revelar um cenário que foi pouco explorado até hoje.

Essa curiosa falta de curiosidade eclesiástica sobre o anglicanismo no século XIX, e sobre suas conexões com a gnose, seria realmente um acaso?

Comitê Internacional Rore Sanctifica

Introdução

A gnose entrou tardiamente na Inglaterra. Ela foi introduzida pelos Humanistas do Renascimento apenas no século XVI. Já expusemos as grandes teses desse humanismo renascentista e suas relações com a Gnose em nosso estudo "Gnose e Humanismo" (Étienne Couvert, A Gnose contra a Fé, cap. II, Ed. de Chiré, 1989).

É necessário recordar as orientações principais dessa gnose e seu impacto na Inglaterra.

Ela se caracteriza por uma exaltação do homem, uma busca apaixonada de seu desenvolvimento na multiplicidade de prazeres "que temperam a vida", segundo Thomas More. O absoluto desprezo por toda ascese, toda privação e todo sacrifício. Aceita-se imitar Jesus em suas virtudes naturais, mas rejeita-se toda uma parte do Evangelho que pede uma superação de si. A religião dos Humanistas se reduz à sabedoria antiga, com uma noção inteiramente pagã de perfeição e nobreza.

Conhecem-se as imprecações de Erasmo contra os monges:

"esta raça de homens do mais baixo escalão, mal formados pela malícia, tão negros, tão infectos, tão abjetos quanto o escaravelho. Sua escuridão assusta, seu zumbido ensurdece, seu odor é repugnante."

Mas na Inglaterra, esse desprezo pela vida religiosa se combina bem com o respeito pelos costumes, tradições, ritos e hábitos na vida familiar e mundana, com uma preocupação pela respeitabilidade nas maneiras de se comportar. Conservam-se os quadros sociais e religiosos, mas a inteligência já está distorcida e sonha com um mundo onde todas essas barreiras sociais e limitações serão desfeitas, um mundo de prazeres sem restrições, o mundo da Utopia. Thomas More foi condenado ao martírio por fidelidade ao caráter sagrado do matrimônio, mas toda sua vida ele sonhou com um mundo onde o matrimônio não existiria mais.

Uma atitude bem britânica é a de humor, que consiste em encarar as coisas da vida com um sorriso, uma espécie de ironia sarcástica que, aplicada aos princípios religiosos, à doutrina moral, se torna corrosiva. Isso faz perder o gosto pela verdade, a firmeza do pensamento, as exigências e necessidades da ordem. Dissolve a energia do caráter e deixa o espírito desarmado diante dos propagadores de heresia e da revolta social ou religiosa.

A essa ironia se soma uma simpatia benevolente por aqueles que pregam heresias. O bispo Gardiner, amigo de Thomas More, escreve:

"Quando Robert Barnes foi acusado, eu o conhecia bem e não era considerado seu inimigo, e mesmo assim, graças a Deus, nunca estive bem disposto para opiniões tão estranhas quanto aquelas que ele e outros logo começaram a proclamar loucamente. Mas, como não havia malícia neles e eles tinham conosco conversas nas quais se encontrava um certo sabor de ciência, eu estava familiarizado com esse tipo de gente e estava então triste pelo destino de Barnes." Gardiner acrescenta à parte: "Quase todos os que se tornaram famosos (como protestantes) foram minhas relações pessoais. Eu amei esses homens e sempre odiei suas opiniões malignas desde o início."

Isso é o que chamamos de "um estado de espírito humanista". Esses pregadores de heresia são verdadeiramente simpáticos, mas por que sustentam opiniões tão estranhas? opiniões monstruosas? Eles são cultos, cheios de bondade; têm uma conversa tão agradável! Gardiner escreve a seu amigo Somerset:

"Fui tão bem disposto quanto qualquer um em relação ao nome de Erasmo, mas nunca estudei seu livro até agora e agora estou de acordo com aqueles que disseram: Erasmo pôs os ovos e Lutero os chocou."

Os malignos foram maravilhosamente encorajados por este livro em todas as opiniões monstruosas que se manifestaram recentemente.

A amizade aos poucos irá quebrar a resistência de Gardiner, que acabará por concordar com as opiniões "monstruosas e tão estranhas".

Assim se fazem as Revoluções. Toda a elite intelectual e religiosa da Inglaterra havia gradualmente assimilado os projetos reformistas e estava totalmente preparada para assegurar seu sucesso bem antes do Cisma. Os historiadores costumam nos contar a disputa de Henrique VIII com Roma a respeito de seu divórcio, apresentado como a causa do Cisma. Se essa disputa foi a ocasião que favoreceu a ruptura, ela já estava na mente das pessoas antes e não encontrou uma resistência enérgica por parte do país.

Pode-se comparar o caso da Inglaterra com o da França na mesma época. Todo o país se levantou contra a Reforma, com uma energia feroz, após ter assassinado dois reis, incapazes de restabelecer a ordem no reino.

A Gnose dos Humanistas

Esse "estado de espírito humanista" se manifesta em Thomas More, cuja formação foi profundamente distorcida pela ideologia reformista, tal como se encontra em seu verdadeiro testamento: A Utopia. Ele já demonstra isso em sua atitude em relação aos Protestantes. Por conta de sua função de Chanceler, ele deve persegui-los, mas o faz com muita cautela e suavidade. Ele favorece sua fuga, declarando compreender seu desejo de encontrar um abrigo mais adequado. Chega a acolher em sua casa certos hereges, como Simon Grynoeus, e a ajudá-los financeiramente e com conselhos para afastá-los da polícia real.

A formação inicial de Thomas provém de sua admiração pelos humanistas italianos. Em 1505, ele publica uma biografia de Pico da Mirandola. Apresenta-o como seu modelo e pede que ele expresse os próprios movimentos de seu espírito. O mundo é revestido de uma nova beleza ao amanhecer do Renascimento. Em sua obra subsequente, em A Utopia, em sua controvérsia com Lutero, no seu Diálogo do conforto na provação, encontramos essa exaltação de um mundo que recuperou sua harmonia e uma redução final do mal no bem, que é a forma apenas levemente modificada do retorno à Unidade Primordial celebrada por todos os gnósticos.

Pico da Mirandola introduziu entre os humanistas italianos os temas da Cabala judaica, e estes surgiram a partir de então na literatura (Étienne Couvert, A Gnose contra a Fé, p. 52).

More leu Petrarca e reteve seu desprezo pela escolástica e sua admiração por Platão. Ele também leu Marsilio Ficino de Pádua. Foi nesse contexto que encontrou essa identificação da Sabedoria cristã com a Sabedoria antiga, destinada a se reunir em uma manifestação única da alma, centelha divina, já religiosa por sua natureza, referindo-se à Epístola aos Romanos (cap. 1 a 8) e ao Neoplatonismo.

More comungou intensamente com essas novas ideias. Ele foi iniciado por seus amigos Th. Linaere e, sobretudo, John Colet.

Este último, que More escolheu como amigo e conselheiro, tinha todo o potencial de um Lutero. Ele se ligou ao rei Henrique VII Tudor, que o nomeou deão de São Paulo em Londres, aos 36 anos. Para Erasmo, ele era "uma das grandes luzes do clero". Ele havia lido Platão e Plotino. Visitou todos os altos lugares do Humanismo na Itália. Pouco conformista e convencido de que era preciso sacudir a poeira da velha religião, ele se instalou em 1496 em Oxford, onde explicou as epístolas de São Paulo segundo uma exegese intuitiva que provocou violentas controvérsias. Ele criticou violentamente os monges. Em 1521, ele quase se aliou a Lutero, mas Erasmo o dissuadiu.

Foi ele quem arrastou More contra a escolástica. Fazendo falar seu herói com quem se identificava:

"Ele não deixou passar nenhuma dessas armadilhas capciosas da escolástica. Não havia nada que ele odiasse mais do que isso. Essas sutilezas, dizia ele, não têm outro objetivo senão humilhar pessoas muito instruídas, mas ignorantes dessas banalidades."

Os Humanistas se empenharam em multiplicar as traduções da Bíblia em línguas vernáculas, com variantes e diversas interpretações. Antes disso, a Igreja só reconhecia a Vulgata de São Jerônimo como seu texto oficial.

No século anterior, Wiclef e seus discípulos haviam disseminado no povo traduções que questionavam as tradições teológicas, provocando múltiplas discussões e polêmicas. Um concílio de Oxford, em 1402, proibiu sob penas severas a disseminação de qualquer tradução que não tivesse sido previamente aprovada por um sínodo diocesano ou por um concílio provincial.

Tyndale publicou em Worms em 1526 uma tradução do Novo Testamento em 6.000 exemplares que rapidamente chegaram à Inglaterra. As notas dessa tradução eram violentamente anti-romanas e veiculavam o pensamento de Lutero.

Erasmo havia publicado em Londres seu Elogio da Loucura. Um jovem professor da Universidade de Louvain, Martin Van Dorp, desde 1514, escreveu a Erasmo uma protestação indignada:

"Há veneno nas tiradas da Loucura e seus sarcasmos lançam descrédito sobre a religião. Quanto ao Novo Testamento, o que temos já é suficiente há quinze séculos. Para que mudá-lo? Cuidemos dessas fontes gregas seguramente envenenadas pelos ortodoxos... Se é verdade que se pode melhorar o texto da Vulgata, o que restará da autoridade da Escritura? Isso se entende como a autoridade de todos os raciocínios que se apoiam em uma ou outra proposição da Escritura. Portanto, todos aqueles que discutiram sobre o texto da Vulgata estão errados? Os concílios gerais e suas definições estão ameaçados? É todo o edificado doutrinal da Igreja que está abalado desde a base por aqueles que preveem o retorno aos textos originais da Escritura."

 A acusação era grave.

Van Dorp havia compreendido bem que essa paixão súbita pela Escritura Sagrada e essa aparente veneração pelo livro da Bíblia escondiam uma vontade perversa de demolir a Tradição teológica e os dogmas da Igreja Romana.

Thomas More empreendeu ajudar seu amigo Erasmo. Ele se opôs severamente à Constituição de Oxford, a qual ele designou como o instrumento do infortúnio e um meio de opressão contra a liberdade. Os bispos, disse ele, "temem que espíritos insubordinados retirem mais mal dessas traduções". Essa preocupação, More não a sente. Em seu Diálogo sobre Tyndale, ele acrescenta: "Independentemente da malícia ou da loucura de aqueles que fazem surgir o mal de uma coisa boa e destinada ao bem de todos, nunca se deveria, por essa única razão, abolir o que pode ser tão proveitoso". More se indigna com a pusilanimidade de certos líderes religiosos: "Pois, se o abuso de uma boa coisa deve ser a causa para que ela seja abolida e retirada daqueles que poderiam usá-la, Cristo teria feito melhor em nunca nascer nem trazer a fé ao mundo". Que importa se as heresias sempre irromperam a respeito dos textos sagrados interpretados por espíritos orgulhosos, demasiado confiantes em seu próprio saber: "Se as coisas boas são feitas para avançar, não devemos, de toda necessidade, ousar abandoná-las aos riscos da aventura?"

Eis um texto que soa estranhamente aos ouvidos modernos, acostumados a ouvir hoje os refrões da Igreja conciliar: Avançar – Não ter medo – Aceitar os riscos do mundo moderno – Saber se adaptar às necessidades de hoje – Enfrentar os desafios – Ousar se engajar em novos caminhos, etc.

A Humanidade está em marcha rumo à sua Deificação. Temos que "pegar o trem em movimento", não olhar para trás nem contar os estragos e se o ensinamento de Jesus Cristo não se inscreve nesse processo, será rejeitado. Tal é a religião dos Humanistas e nomeadamente a de Thomas More, como ele acabou de nos dizer. Tal é hoje a religião da Igreja conciliar que aceita ainda o culto de Jesus Cristo somente a serviço do culto do Mundo. Porém, infelizmente! Para todos eles, Cristo afirmou: "Não vim para salvar o mundo" e "Meu reino não é deste mundo".

Nesse mesmo Diálogo sobre Tyndale, More continua a desenvolver seu pensamento sobre a tradição viva que abraça com flexibilidade os aspectos concretos da vida. Ele apresenta com facilidade as questões de desenvolvimento e evolução das verdades reveladas e dos rituais: "Deus não revela seus segredos de uma só vez, escreve ele. Segundo as épocas, segundo os tempos, a verdade aparece mais ou menos desvelada pela Sabedoria e pela Bondade divina. Se se trata dos rituais a serem observados, essa mesma prudência providencial permite também a variedade, a mutação e a mudança... Segundo aprouver à sua Majestade ver que tal coisa é conhecida ou forte na sua Igreja, Deus tempera suas revelações e as insinua nos corações dos fiéis para fazê-los concordar sobre os mesmos pontos".

André Prévost, em sua biografia de Thomas More, aproximou esses textos do discurso proferido por João XXIII, em 11 de outubro de 1962, na abertura do Concílio Vaticano II: "Outro é o depósito da Fé, ou seja, as verdades que contém nossos veneráveis dogmas, outro é o modo segundo o qual essas verdades recebem a formulação que permite expressar o mesmo sentido e a mesma ideia. É a esse modo de expressão que se deverá prestar uma atenção extrema e trabalhar com perseverança". Ou seja, esforçar-se para modificar os textos da Fé, pretendendo conservar o mesmo sentido. ESTA PRETENSÃO É UMA MENTIRA E UMA IMPOSTURA.

André Prévost apresenta Thomas More como um modernista avant la lettre e um precursor do Concílio Vaticano II. Ele o glorifica, aliás...

O "caso" Shakespeare

Em 1598, foi preso em Angoulême um mago chamado Beaumont. Ele foi julgado em Paris e encarcerado no castelo de Chinon. O historiador J.A. de Thou relata em suas "Memórias", no livro VI, que ele pôde assistir, sem ser visto, a um interrogatório do mago:

«A magia da qual ele se dizia praticante era a arte de conversar com esses gênios que são uma parte da divindade... Os sábios que se dedicam a fazer o bem, comandam os gênios, conhecem por seu comércio os segredos da natureza mais ocultos, ignorados pelo resto da humanidade e dos quais ninguém jamais escreveu, ensinam os homens a conhecer o futuro, os meios de evitar os perigos, de recuperar o que perderam, de passar de um lugar a outro em um instante... Ele acrescentou que conversava com os espíritos celestiais, habitantes do ar, que, benevolentes por natureza, são capazes apenas de fazer o bem... Que o mundo estava cheio de sábios que se dedicavam a essa sublime filosofia, que havia na Espanha, em Toledo, em Córdoba, em Granada e em muitos outros lugares, que outrora era célebre na Alemanha, que na França e na Inglaterra ela se conservava em certas famílias ilustres, e que não se admitia ao conhecimento desses mistérios senão pessoas escolhidas por temor de que, pelo comércio com os profanos, a inteligência desses grandes segredos não passasse à plebe e a pessoas indignas».

Pode-se relacionar esse testemunho a um relato de uma reunião secreta que preparou o movimento jansenista, cerca de vinte anos depois, que publicamos (Etienne Couvert: Da Gnose ao Ecumenismo, 2ª ed., p. 64 e seg.). Encontramos as mesmas expressões: as verdades, a obra, os eleitos, os profanos. Trata-se exatamente de redes ocultistas, ou seja, gnósticas, que funcionavam regularmente por toda a Europa.

Em 1584, foi publicado em Londres uma obra de Reginald Scot intitulada: The Discovery of Witchcraft. O autor enumera, na página 451, as obras que eram lidas entre os magos:

«Os encantadores ainda têm hoje livros com os nomes de Adão, Abel, Tobias, Enoque, o qual Enoque é considerado por eles como o mais divino dos confrades nessas matérias. Eles também têm livros que dizem ter sido feitos por Abraão, Arão, Salomão. Eles têm livros de Zacarias, de Paulo, de Honório, de Cipriano, de Jerônimo, de Jeremias, de Alberto e de Tomás e também dos Anjos Riziel, Hazael e Rafael».

Retenhamos a passagem de alguns livros gnósticos bem conhecidos hoje: o livro de Adão, manual básico dos Sabianos ou Mandianos, que apresentamos com precisão (Etienne Couvert: A Gnose em Questão, p. 174: nota sobre os Sabianos), o livro de Abraão, manual básico dos Zoroastrianos (Etienne Couvert: A Gnose Universal, p. 64), o livro de Enoque, que foi encontrado nas cavernas de Qumran, o Evangelho de Tomás, bem conhecido atualmente, entre outros...

Onde se vê que as redes ocultistas mantiveram ao longo dos séculos os manuais dos primeiros gnósticos e se mantiveram fiéis à gnose primitiva, a de Simão, o Mago.

Retornemos ao testemunho de Beaumont. Na Inglaterra, ilustres famílias preservaram as tradições ocultistas, como a dos condes de Derby.

Abel Lefranc demonstrou, com um luxo de provas notáveis, que o nome de Shakespeare era o pseudônimo literário do conde William Stanley, que utilizou o sobrenome de um ator da companhia teatral que ele financiava. Este conde havia percorrido a Europa em busca das redes de magos e ocultistas, cujas atividades ele conhecia perfeitamente, e suas peças de teatro tinham como objetivo disseminar essa moda na Inglaterra.

O mestre dos magos, em Londres, chamava-se John Dee. Ele se apresentava como astrônomo, ou seja, astrólogo e alquimista. Viveu de 1527 a 1608. Ele foi o conselheiro íntimo da rainha Elizabeth, que o considerava muito e lhe deu, em 1595, o título de "Wardenship" do colégio de Manchester, muito querido pela família Derby.

Encontrou-se a agenda de John Dee. Ela continha numerosas referências ao conde de Derby. O pai de William, Henrique Stanley, já havia estabelecido relações íntimas com o famoso mago. Seu filho, William, o encontrava regularmente entre 1595 e 1597. Por exemplo, em 13 de setembro de 1595, John Dee janta na Russel House com o conde de Derby e dois outros convidados, incluindo um alemão, Staltfeld. Em 20 de janeiro de 1596, ocorreu um encontro na casa de Dee, com William Stanley, Lady Gérard, sir Richard Molynox e sua esposa, Mr Haughten e outros.

Uma parte considerável da aristocracia inglesa se dedicava ao ocultismo e à magia. Além da família Stanley, contavam-se o conde de Oxford, sogro de William, Lord Sidney, sir Walter Raleigh, o conde de Essex, de Leicester, Lord Burgley, Lord Pembroke, o marquês de Northampton. O castelo de Russel House funcionava como um hub para as redes ocultistas em conexão com aquelas do continente.

Com a morte de Elizabeth, o rei Jaime I Stuart lhe sucedeu. Durante uma viagem que fez para se casar com uma princesa dinamarquesa, ele enfrentou várias violentas tempestades no caminho de ida e volta. Ele acreditou ser vítima de um enfeitiçamento e, ao chegar a Londres, renovou e agravou as leis contra magos e bruxas. Sem indulgência ou fraqueza, ele os perseguiu energicamente desde o início de seu reinado. Ele fez queimar a obra de Reginald Scot, da qual falamos, mas ficou estupefato e indignado por ter que se confrontar com a nobreza inglesa, toda influenciada pelo ocultismo. Ele considerou necessário se justificar, escrevendo uma obra de Demonologia (Daemonologia, in form of a dialogo divided into three books, written by the high and mighty Prince James by the grave of Good King of England, Scotland... Londres, 1603).

«A terrível abundância, nessa época e nesse país, desses detestáveis escravos do diabo, os bruxos e encantadores, escreve ele em no prefácio, me fez, bem-amado leitor, a terminar às pressas o tratado que apresento».

O conde William Stanley Shakespeare decidiu responder ao rei Jaime I e esforçou-se para justificar os magos em sua última peça de teatro: A Tempestade, que nunca foi apresentada em público durante seu reinado. Ela constitui seu Testamento. O herói da peça, Próspero, utiliza a magia para o triunfo do bem e da justiça, visando legitimar o uso dessa magia e apresentar sua apologia. Ele protesta contra o ódio que a magia provoca.

Aqui está um comentário sobre esta obra por F. V. Hugo, que resume bem todo o pensamento de Shakespeare:

«Shakespeare não rejeitou a tradição da Bíblia e da Lenda, ele as ostentou. Ele não contestou o mundo invisível, ele o reabilitou. Ele não negou o Poder sobrenatural do homem, ele o santificou. Jaime I havia dito: Anátema aos espíritos; Shakespeare diz: Glória aos espíritos. Shakespeare acreditava profundamente no mistério. Convencido de que há um mundo intermediário entre o homem e Deus, Shakespeare foi convidado, pela própria lógica, a reconhecer a existência de todas as criaturas que o Panteísmo da Renascença preenchia com sua presença. Há espaço no infinito para todas as criaturas de todas as Teogonias!

«Shakespeare vinga as fadas das calúnias do fanatismo papal ou puritano. Ele restitui a essas criaturas tutelares o esplendor que a velha fé celta lhes atribuía na ordem dos seres. No teatro de Shakespeare, as fadas, por tanto tempo desconhecidas, tornam-se novamente as guardiãs encantadoras da Natureza. "A Tempestade" é a resolução suprema sonhada por Shakespeare para o drama sangrento do Gênesis. É a expiação do crime primordial. O país para onde nos transporta é um terreno mágico onde a condenação é anulada pela clemência e onde a reconciliação definitiva ocorre pelo esquecimento fratricida. E, ao final da peça, quando o poeta emocionado joga Antônio nos braços de Próspero, ele fez com que Caim fosse perdoado por Abel».

Durante este texto, ressaltamos todas as fórmulas mais clássicas da gnose.

Todo o teatro de Shakespeare está impregnado de ocultismo e magia: há dados sobre astrologia em Rei Lear, sobre os movimentos dos astros, a música das esferas; em O Mercador de Veneza, sobre o papel preponderante atribuído ao sol, que se alinha bem com as teorias copernicanas da época; sobre a influência de cometas e estrelas em relação ao destino humano; sobre o papel da feitiçaria em Macbeth; sobre as múltiplas menções a fadas, demônios, gênios e espectros, presságios e predições que encontramos em diversas obras como O Sonho de Uma Noite de Verão, Rei Lear, Hamlet, Júlio César, Romeu e Julieta, etc.

«Pode-se dizer, de certa forma, que Shakespeare era pagão», explica Chesterton, «no sentido de que ele nunca é tão grandioso quanto quando descreve os grandes espíritos acorrentados. Suas peças mais sérias são um Inferno».

Não, Sr. Chesterton! William Stanley-Shakespeare não era um pagão, mas um satânico, e é por isso que seus personagens evoluem em um mundo infernal. «O que não é um acaso», continua Chesterton, «é que, em Shakespeare, o número de loucos é tão grande. Dizem que ele os colocava lá para clarear um pouco o fundo sombrio de seus dramas. Eu penso que era para torná-lo ainda mais escuro». Evidentemente, quando se vive em um Inferno, acaba-se por enlouquecer, e isso é um retorno justo das coisas...

«Para Hamlet, a Dinamarca é uma prisão, e para Shakespeare, o mundo é uma prisão», observa Chesterton. De fato, todo o monólogo de Hamlet é um apelo ao suicídio: Ser ou não ser, eis a questão!... Que não. Não escolhemos nossa existência, recebemo-la; e se decidimos não ser, nos resta apenas o suicídio:

«Nossa alma não pode suportar os golpes agudos da fortuna cruel ou se armar contra um dilúvio de dores e, ao combatê-las, pôr fim a elas, prossegue Hamlet. Morrer é dormir, nada mais, e por esse sono terminamos com os sofrimentos do coração e com as mil dores legadas pela natureza à nossa carne mortal. Dormir... dormir, dormir!...»

Esse é o fundo último do pensamento de William Stanley-Shakespeare!

Finalmente, Paul Arnold publicou um estudo completo sobre as fórmulas e expressões gnósticas e esotéricas disseminadas por todo o teatro de Shakespeare. Nessa obra, o remetemos à nossa bibliografia.

A gnose dos Utopistas

Bacon e a "Nova Atlântida"

O jovem Francis Bacon veio estudar em Paris, aos dezesseis anos. Ele seguiu no Collège de France os ensinamentos de Ramus. De fato, por volta de 1540, Pierre de la Ramée, conhecido como Ramus, havia defendido em Poitiers uma tese contra a onipresença de Aristóteles e foi admitido como mestre em artes. Em 1543, ele publicou sua tese sob o título "Aristotelæ animadversiones". Ele foi perseguido pelos doutores da Sorbonne. Ele havia formado discípulos no Collège de Presle, mas em 1551, o cardeal de Lorena lhe conseguiu uma cadeira de filosofia no Collège de France. Sob o pretexto de combater a escolástica, Bacon afirmou que todas as nossas ideias eram falsas e que era necessário refazer o entendimento. Assim, ele minou a filosofia cristã. Ele preparou um modelo de Enciclopédia que, sob a aparência de um repertório científico, não é mais que um instrumento para moldar mentes. Ele subordinou a inteligência aos sentidos. Ele distinguiu duas almas no homem, uma divina, o pneuma dos gnósticos, e outra material que é suficiente para as necessidades da natureza. Dessa forma, ele deu origem às escolas modernas do sensualismo, do materialismo e do positivismo. François Bacon, em seus escritos, apenas reproduziu o ensinamento de Ramus.

De volta à Inglaterra, Bacon tornou-se Guardião do Grande Selo sob a rainha Elizabeth, depois Solicitor Geral e Attorney Geral ou Chanceler sob o rei Jaime I, que o nobiliou sob o nome de Lord Verulam, Visconde de St-Alban.

Sua obra-prima é "A Nova Atlântida", concebida na sequência de "A Utopia" de Thomas More. Ela teve várias edições, em 1627 e 1638. Seu prefaciador, W. Rawley, a apresenta da seguinte forma:

«Sua Senhoria pensava em compor nesta fábula um corpo de leis destinadas a dar a forma ideal do melhor estado, a ser como o melhor modelo de uma República (Commonwealth). Esta fábula foi inventada para permitir a Bacon traçar o modelo, a descrição de um Colégio Acadêmico, instituído para a interpretação da Natureza, para a produção de grandes e maravilhosas obras com o objetivo de fazer o bem aos homens. A referida instituição leva o nome de "Casa de Salomão" ou "Colégio do trabalho dos seis dias". O fim que propõe nossa instituição (Casa ou Templo de Salomão) é o conhecimento das causas, a noção secreta das coisas, a ampliação dos limites do império humano, de modo a tocar em todas as coisas possíveis.

O governador da Ilha, sentado em sua cadeira presidencial, começa assim sua introdução:

«Nós outros, insulanos de Ben-Salem, temos isso de particular, graças à nossa situação solitária, graças ao segredo que impomos aos nossos "viajantes", graças à rara admissão "de estrangeiros" (profanos) entre nós, conhecemos a maior parte do mundo habitado e permanecemos nós mesmos desconhecidos... Eu vou revelar-lhe, por amor de Deus e dos homens, o verdadeiro fundamento da Casa de Salomão. Eu lhe exporei o objetivo, os procedimentos, vou descrever os instrumentos que utilizamos. Vou lhe dizer os empregos atribuídos aos Fellows, as ordenações e os rituais que observamos».

Assim como seu predecessor na Chancelaria, Thomas More, Francis Bacon continua suas pesquisas com o intuito de institucionalizar as redes ocultistas, já em funcionamento como vimos. Um século depois, será a criação finalmente da Sociedade Maçônica, como veremos em breve.

Mas aqui está um texto fundamental da "Nova Atlântida" que nos dará a chave de toda a subversão atual.

«Fiz a conhecer um comerciante da cidade. Ele se chamava Joabin. Era um judeu circuncidado. Em Ben-Salem, que os deixa livres para praticar sua religião, o que fazem ainda melhor porque são animados por todas as outras disposições que os de outros países. Estes últimos odeiam o nome de Cristo e alimentam um sentimento secreto de vingança contra os povos cristãos. Os judeus de Ben-Salem, ao contrário, reconhecem no Salvador vários atributos. Eles amam extremamente a nação de Ben-Salem. O judeu de quem lhe falo estava disposto a reconhecer que Cristo nasceu de uma virgem, que era mais que um homem. Ele contava como Deus o fez o príncipe dos Serafins, guardião de seu trono. Os judeus de Ben-Salem também chamam Cristo de "Via Láctea" e "Elí do Messias". Eles lhe dão outros grandes nomes. Embora essas qualificações o façam um ser inferior à Majestade divina, elas diferem completamente da linguagem dos judeus estrangeiros a Ben-Salem. Quanto a esta ilha, Joabin não poupava elogios. Ele gostava, conforme as tradições dos judeus da ilha, de acreditar que o povo de Ben-Salem era da geração de Abraão e descendia de outro de seus filhos chamado Nachuram. Eles acreditam que, em virtude de uma secreta cabala ("by a secret cabala"), Moisés é o verdadeiro autor das leis em vigor na ilha. Eles acreditam que, quando o Messias subir ao seu trono em Jerusalém, o rei de Ben-Salem se sentará aos pés do Messias da Cabala, enquanto os outros reis se manterão a uma grande distância».

Os judeus cabalistas entenderam muito bem que não era possível derrubar o Cristianismo destruindo todas as igrejas e massacrando todos os cristãos. Era necessário, portanto, absorver o Cristianismo no Judaísmo, preparar os cristãos para viver e pensar judaicamente, apresentar-lhes o Cristo como um Anjo, enviado por Deus para anunciar a vinda do Verdadeiro Messias de Israel. Em suma, trazê-los a uma exegese judaico-cristã, aquela que desenvolvemos em um estudo anterior (Etienne Couvert: A Verdade sobre os Manuscritos do Mar Morto, 2ª ed., p. 82 e ss). e à prática dos Judeus-cristãos, considerados como "Temerosos de Deus", prosélitos, "Gerim".

Essa é a razão de ser das Amizades judaico-cristãs. Essa é a explicação de toda a atitude atual do Vaticano em relação ao Judaísmo. Os cristãos devem se preparar para reconhecer o futuro Messias de Israel, quando ele aparecer em breve em Jerusalém e adorá-lo. Mas sabemos que se tratará do Anticristo.

Milton e "O Paraíso Perdido"

Milton era calvinista em 1640, mas, já em 1655, ele havia se libertado completamente de todos os sistemas religiosos. Sabemos que ele dominava o hebraico e o yiddish, que havia lido o Talmude e os rabinos da Idade Média. Ele os citou longamente em seus panfletos, já em 1642, em sua "Apologia para Smectymnus".

Para Milton, Deus é o Todo. A aparição dos seres separados corresponde a um desapego, a uma libertação de Deus. Isso é o que ele chama de livre-arbítrio, mas inscrito em um sistema panteísta, que constitui o ponto central de "O Paraíso Perdido" e de seu tratado sobre "Doutrina Cristã". Essa libertação de Deus só pode se realizar por meio de um "recuo de Deus sobre si mesmo". Tese cabalista bem conhecida. É Deus quem nos diz:

«O abismo é sem limite, porque eu sou aquele que preenche o infinito e o espaço não está vazio. - Embora eu me retire, eu que nada limita - e não exerço minha força que é livre - de agir ou não agir, a necessidade e o acaso - não me tocam e minha vontade é meu destino» (Paradise Lost, VII, 170).

Deus é o infinito imutável, inconhecível e não manifestado. É o En Sof, o "sem fim" do Zoar, é também "Ayn", o "Nada", que nos é, portanto, inconhecível. O filho de Deus é o finito, o ser expresso e manifestado pela emanação. Estamos sempre na lógica da Cabala. Todas as almas formam uma unidade com a alma por excelência. Todos os seres são "Uma primeira matéria". Nosso corpo é feito da substância divina; a matéria dos seres é de origem divina. A matéria é "de Deus e em Deus", ela contém em si todas as possibilidades de vida e inteligência. É dela que surgem todos os seres, de tal forma que não há diferença entre as coisas inanimadas e os animais, entre os animais e os homens, entre o homem e os espíritos, já que tudo é feito da substância de Deus. Tudo surge da matéria. Esta doutrina é ao mesmo tempo panteísta e materialista.

Milton é um apaixonado, violentamente revoltado contra a teologia, contra Deus, contra tudo que é clérigo e obra do clérigo, pelo que manifesta um desprezo insultante, uma animosidade pessoal e orgulhosa que permeia todos os seus panfletos.

Uma vez que Deus é tudo, ele também é o Mal. Satanás confirma: «O filho de Deus, eu também sou» («The son of Good I also am» (IV, 518). É Deus quem eleva à Glória os Bons e afasta de si os maus, que são uma parte dele mesmo. Daí se vê que o livre-arbítrio pregado por Milton não se exerce em relação aos bens da natureza, mas em relação a Deus. Estamos, por nossa emanação, liberados de toda lei externa a nós mesmos, pois possuímos em nós a verdade. É preciso abolir o Decálogo: «A lei mosaica, escreve ele, toda ela é abolida, estamos desvinculados de toda obrigação ao Decálogo, assim como do resto da lei».

Assim se obtém a justificativa de todos os instintos. Essa liberdade de toda religião ("A Liberdade Religiosa") demonstra a inanidade das igrejas e dos sacerdotes. «Cada crente tem o direito de interpretar as Escrituras por si mesmo, pois ele tem o espírito como guia e o Espírito de Cristo está nele». Portanto, é necessário expulsar os sacerdotes das Universidades: «A dizer verdade, seria muito melhor que não houvesse um único teólogo nas Universidades e que não houvesse mais teologia de Escola vinda deles, esse câncer da religião».

Daí a Democracia: «As assembleias livres do povo são de Deus. Todos os reis devem sua soberania ao povo apenas e são responsáveis diante dele». Consequência última do Panteísmo já que Deus é Tudo. Essa é a verdadeira lógica de todos os sistemas democráticos...

"O Paraíso Perdido" de Milton foi incluído no Index pelo papa Bento XIV. Milton também escreveu uma "Lógica" de acordo com Ramus e uma biografia desse filósofo. Ataque dirigido contra as Universidades de Oxford e Cambridge. Mas é interessante notar a influência considerável de Ramus sobre os escritores ingleses. Já vimos isso em relação a Francis Bacon (Etienne Couvert, A Gnose contra a Fé, p. 89).

Podemos resumir assim o pensamento de Milton:

1°) A teoria da criação por retraimento, emprestada do Zohar,

2°) A concepção de um demiurgo, distinto do Deus absoluto, emprestada de todas as Gnoses,

3°) O livre-arbítrio que nos liberta da sujeição a Deus,

4°) O caráter divino da matéria, que é a natureza do grande Todo e que produz as formas de todos os seres,

5°) A ideia de que, portanto, não há diferença entre o corpo e a alma.

As fontes inglesas da maçonaria

A Gnose, como dissemos, apareceu tardiamente na Inglaterra com os Humanistas da Renascença. Eles se inspiraram em escritores italianos e franceses, como Pico de la Mirandole, Marsílio Fícoli, Ramus e outros. Assim, eles estabeleceram contato com as redes ocultistas do continente, como vimos.

Todos sonharam com um mundo ideal, desde a ilha da Utopia até a ilha de Ben-Salem e o Paraíso recuperado. Um mundo ideal, do qual eles, os Humanistas, permaneceriam os mestres, reunidos em uma Sociedade acadêmica e secreta que lhes concederia o poder universal que almejavam. Eles levaram dois séculos de projetos elaborados com dificuldade até chegarem à solução da Franc-Maçonaria.

Robert Fludd (1574-1637), médico em Londres, tornou-se célebre na Inglaterra ao defender os Rosacruzes. Em suas obras intituladas: A história do Macrocosmo, publicada em 1617, e Filosofia Mosaica, publicada em 1638, e depois em Londres em 1659, ele ensina a doutrina da Cabala. Suas referências são Hermes Trismegistus, frequentemente citado, Porfírio e Jâmblico, Santo Agostinho...

Fludd não entende bem o que é a Cabala. Às vezes, confunde o "Zoar" ou o "Bahia" com rabinos.

Mas ele assimilou a doutrina muito bem. Em Filosofia Mosaica, ele escreve: «Os rabinos mais célebres e os cabalistas mais profundos demonstram que as naturezas opostas provêm de uma única causa eterna, que Deus é essa Unidade pura e católica que inclui e compreende em si toda multiplicidade». Mais adiante: «Deus está inteiro em tudo. É Ele quem age, e sem intermediários, em cada criatura... Tudo se faz de uma matéria-prima que é a substância de Deus... Deus enviou seu sopro sobre o "Nada" e o "Vazio"; por "Nada" e "Vazio", entende-se uma sombra sem vida que até Moisés chamava de "Terra vazia"... O Espírito de Deus está no Sol, porque o Sol é a conservação particular do Espírito divino e da Substância divina em seu modo ativo». Mais adiante: «Que a Terra é a Mãe de todos os corpos e que as influências das estrelas são como os espermas do céu projetados na matéria da Terra».

Pedimos desculpas por repetirmos incansavelmente tais elucubrações, repetidas dos gnosticismo dos primeiros séculos; mas é preciso lembrar aqui o culto do Sol divinizado, o culto da Terra Mãe, a matéria divina do nosso ser... Os temas reiterados de todas as Gnoses...

Um discípulo de Fludd, Elias Ashmole (1617-1692), foi admitido pela primeira vez, em 1646, como "maçon acepto" e se afiliou, em 16 de outubro de 1648, à pequena loja de Warrington, no Lancashire. Primeira tentativa de Maçonaria.

Após a revogação do Édito de Nantes, os protestantes franceses refugiaram-se principalmente na Inglaterra. Foram mal recebidos pelo rei Carlos II Stuart, mas, a partir da Revolução de 1688 e a ascensão de Guilherme de Orange, eles chegaram em grande número. Receberam pensões e cargos no novo governo e se dedicaram completamente ao novo regime. Formaram um conjunto coeso e solidário. Reuniam-se regularmente na "Taberna do Arco-Íris" e criaram lá uma agência internacional de informação. Em suas publicações, exaltam a Inglaterra em sua literatura, suas ciências, sua filosofia.

«Que se algum dia, dizia César de Missy em um sermão, nos viram em grupos sentados triste ao lado do fluxo de uma impura Babilônia, essa Babilônia foi a França, nossa pátria madrasta, e não a Inglaterra, que é para nós uma segunda pátria, digna desse belo nome, uma Judéia, uma Jerusalém, uma Sião. Feliz litoral que o Tamisa rega!» Sempre o mesmo sonho de um reino messiânico. Londres é a Jerusalém provisória esperando o retorno do Povo eleito à Terra Prometida, liberada pela Inglaterra.

A partir desse momento, de 1690 a 1710, os publicistas ingleses inundam o continente com livros socinianos, arminianos, deístas, ateus, materialistas, blasfemos, mágicos, místicos, druídicos, egípcios e babilônicos. Tyndale escreve um «Cristianismo tão antigo quanto a Criação», Toland um «Cristianismo sem mistérios». John Toland afirma querer vincular o Cristianismo a uma religião mais essencial e primitiva. Ele chega a apresentar um ritual e compõe orações que parecem imitar as da missa com invocações à filosofia. Ele prepara os ritos da futura sociedade maçônica.

Então, em 1717, é criada a Franc-Maçonaria, ponto culminante de todos os ensaios anteriores. Ela reunirá em uma sociedade universal as redes gnósticas e ocultistas espalhadas por toda a Europa. A partir de agora, a história da subversão religiosa se confunde com a das lojas, bem conhecida dos historiadores. Nós paramos aqui nossa exposição.

A gnose dos Românticos

Mostramos, em um estudo anterior (Etienne Couvert, A Gnose contra a fé, cap. IV), que o movimento romântico do século XIX foi uma explosão formidável da Gnose em toda a Europa. A Inglaterra também conheceu tal literatura satânica e blasfema. Eram apenas punhos levantados e estendidos em direção ao céu, vociferações ímpias, exageros verbais, imprecações furiosas, zombarias atrozes e furibundas...

Comecemos por William Blake (1757-1827). Já em 1793, em seu Casamento do Céu e do Inferno, ele restabelece o instinto da carne como expressão da energia vital. Ele vê no suposto pecado original o valor fundamental da vida. Ele afirma: «O homem não tem um corpo distinto de sua alma; a energia emana do corpo e não tem limites que não sejam nossos tabus cristãos, que decoramos com o nome de razão». A castidade é um crime contra a natureza.

Em seu poema intitulado "Jerusalém":

«Quando Satanás tensionou seu arco pela primeira vez, Ele libertou os homens do mito do pecado original Inventado por hipócritas moralizadores, pelos fracos que buscam dominar os fortes pela astúcia.»

É toda a filosofia de Nietzsche.

Em seu poema: "O Evangelho Eterno", ele escreve:

«Tu és Homem, Deus não é mais. Aprende a adorar tua própria humanidade.»

Blake frequentemente faz referência a Swedenborg. Para ele, os demônios são uma categoria de anjos que presidiam à energia e à imaginação. Jesus Cristo é seu inimigo declarado:

«A visão de Cristo que tu realmente vês é o maior inimigo da minha visão.»

Ele continua a denunciar os sacerdotes como inimigos de todos os homens. A criação é uma sombra, uma ilusão, uma piada do Todo-Poderoso.

Lord Byron (1788-1824) compôs uma épica satanista. Satanás é um herói épico digno de admiração e um estado de alma a imitar. Com Manfred (1817), Don Juan (1818) e Caim (1818), Byron exerceu uma influência considerável sobre todo o movimento romântico.

Manfred é o desesperado que se deleita em sua própria maldição. Ele desafia Deus, ele desafia o Inferno, ele é seu próprio algoz. Ele não se acalma mesmo no momento supremo: «Não é a um ser como Tu que vou vender minha alma. Venha! Eu morrerei sozinho, como vivi. Eu vos desafio todos. Não sairei daqui enquanto me restar um sopro para expressar o meu desprezo por vocês.»

Em Caim, Lúcifer é o personagem central do poema. Ele se ergue contra Deus: «Deus venceu, que ele reine! Nós somos almas que ousam olhar o Todo-Poderoso de frente em sua eternidade e dizer-lhe que o Mal, sua obra, não é um Bem», e mais adiante: «Eu não tenho nada, não quero nada ter em comum com ele».

Caim era um personagem cético e desiludido, sofrendo pela estranha disparidade entre suas aspirações e sua condição humilhante, sempre em oposição ao Criador, responsável pela injustiça que reina no mundo.

«A serpente dizia a verdade. Ela era a árvore do Conhecimento. Ela era a Árvore da Vida. O conhecimento é bom, a vida também. Onde está então o Mal?»

E para alinhar seus atos com suas palavras e pensamentos, Byron se tornou, na Itália, cúmplice dos revolucionários. Ele se afiliou aos Carbonari, onde ocupou cargos importantes. Ele apoiou seus afiliados em suas tentativas de revolta: «Nós vamos lutar um pouco no próximo mês, escreve ele. Se os Hunos (ou seja, os austríacos) não cruzarem o Pó e mesmo que cruzem, não posso dizer mais nada...» Em outra ocasião, ele triunfa:

«Estamos aqui à beira de um belo alvoroço. Eles cobriram os muros da cidade, esta noite, com inscrições deste tipo: Viva a República! Morte ao Papa!... A polícia passou a tarde toda à procura dos culpados, mas ainda não conseguiu colocá-los nas mãos dela. Eles devem ter trabalhado a noite toda, pois os "Viva a República" e os "Morte ao Papa e aos padres" são inúmeros e estão pregados em todos os palácios...»

Tudo isso se passava em Ravena, mas o que ele não sabia é que a polícia austríaca o vigiava diariamente e seguia passo a passo seus gestos. À sua chegada a Pisa, se nota: "O célebre poeta, lord Byron, que, se não tivesse a reputação de ser um louco, mereceria que toda a polícia da Europa tivesse seus rastros, alugou o palácio...". A respeito de uma obra sobre Dante: "A obra não é certamente concebida em um espírito favorável ao nosso governo nem a qualquer governo italiano. Ela parece destinada a despertar os sentimentos hostis da população, que já são demasiadamente hostis. Byron faz de Dante seu porta-voz e o profeta das liberdades democráticas (Etienne Couvert, 'A verdade sobre Dante. Dante e a Gnose', na Leitura e Tradição, n°358, dezembro de 2006), como se essas liberdades devessem ser a salvação da Itália".

A influência de Lord Byron no romantismo francês foi considerável. Toda uma gestação satânica francesa é tirada dos poetas ingleses: Eloa, de Vigny, inicialmente intitulado Satan, a Queda de um anjo de Lamartine, e a Fim de Satan de Victor Hugo.

"A ti, Byron, cantor do inferno e do nada", exclama Jules Vavre. "Seu gênio condenava ao inferno sua lira divina", diz Vigny.

Lamartine, em sua Meditação ao Homem, dedicada a Byron, escreve:

"Tu, cujo verdadeiro nome o mundo ainda ignora Espírito misterioso, mortal, anjo ou demônio, quem quer que sejas, Byron, bom ou fatal gênio, Eu amo em teus concertos, a selvagem harmonia.

Os gritos do desespero são os concertos mais doces. O mal é teu altar e o homem é a vítima.

Teu olhar, como Satã, mediu o abismo;

E tua alma, mergulhando longe da luz e de Deus, disseram à esperança um eterno adeus!"

Byron havia encontrado seu amigo Shelley, durante uma viagem à Suíça. Eles iniciaram conversas onde compartilhavam os mesmos sentimentos. Shelley ensinava uma gnose panteísta, uma espécie de êxtase divino, de louca embriaguez ao contato com o imenso universo, no qual ele não conseguia mais distinguir a causa do efeito nem entender se Deus estava na natureza ou se a natureza não era Deus em pessoa.

Shelley (1792-1822) havia sido estudante em Oxford, mas após ter escrito uma obra intitulada Necessidade do Ateísmo, ele foi expulso, em 1812, com apenas vinte anos. Morreu dez anos depois em um naufrágio.

O romancista Paul Bourget, em sua juventude, foi bastante atraído pela Inglaterra e sua literatura. Ele passou longos períodos lá. Mas, mais tarde, após reflexão cuidadosa, compreendeu tudo que essa literatura tinha de espúrio e perverso.

Aqui está como ele resume os poemas de Shelley:

"Na primeira página dos versos de Shelley, poderia-se escrever esta frase tão frequentemente citada do sutil Amiel: Uma paisagem é um estado de alma. A mágica suprema dessa imaginação é que, de fato, todos os objetos se espiritualizam para ela e se humanizam, mas essa espiritualidade não é o resultado nem de um simbolismo, nem de uma comparação. Shelley considera que há entre nossa alma e a natureza, não uma analogia, mas uma identidade. Um pensamento difuso se agita na menor partícula deste imenso universo e esse pensamento não é diferente do nosso pensamento. Uma sensibilidade obscura palpita no que chamamos as coisas e essa sensibilidade não difere da nossa senão pelo grau. Quando comparamos uma emoção de nosso coração a um aspecto do mundo visível, apenas reconhecemos a unidade secreta que liga umas às outras as diversas manifestações da vida universal."

"Após uma leitura prolongada dessa poesia, ocorre um deslocamento singular no pensamento. Deixa-se de perceber os homens e as coisas em seu caráter individual; é uma única alma que se revela, da qual todos os seres e todas as coisas traduzem a eterna aspiração. É um vasto coração do universo que se manifesta em presa a um desejo infinito que nunca conseguirá satisfazer. É esse doloroso, esse imenso espírito que é a realidade suprema e nós não somos, nós, mais que as sombras de um sonho nesta vida onde tudo não passa de aparência" ("onde nada é, mas todas as coisas parecem - e nós, as sombras do sonho").

Nós destacamos, ao longo deste texto, todas as expressões mais clássicas da gnose panteísta.

A gnose contemporânea

A partir do século XX, os escritores gnósticos são legião na Inglaterra. Parece-nos fastidioso enumerar livros e expor doutrinas já bem conhecidas de nossos leitores.

Aqui está, por exemplo, o caso de Aldous Huxley. Sua obra se estende pela primeira parte do século. Contraponto em 1928, O anjo e a festa em 1929. Mas já em 1930, Huxley passa por sua crise de misticismo, como muitos outros, ou seja, ele passa ao Ocultismo e à Gnose. Ele lê o pseudo-Denys, Joaquim de Fiore, Meister Eckhart e toda a infinidade de autores da seita. Temos, em 1936, A paz das profundezas, A Eternidade reencontrada e, finalmente, sua obra-prima A Filosofia Eterna (The Perennial Philosophy) em 1946.

Huxley se volta para a Ásia, se apaixona pelas filosofias orientais e fica surpreso ao encontrar os temas habituais de toda Gnose: amor aos homens, não-violência, esquecimento do seu "eu", busca do aniquilamento da pessoa no "Tu" absoluto, o "Tat" dos Vedas, o oceano sem margens do divino.

"O Tu" é idêntico a "isso" e o "isso", segundo a fórmula sânscrita "Tat twam asi", idêntico ao "Tu", é idêntico ao Absoluto, o fundamento eterno, o Atman do Hinduísmo.

O "Logos eterno" é o fundamento absoluto, o abismo que absorve, engloba meu miserabilismo. Este divino, no qual o homem deve se perder, Huxley o chama de "the Ground".

A criação não é um ato livre e gratuito de Deus; é uma “queda da Unidade na sua Dualidade”: o relato da Gênesis, para ser adequado à nossa experiência, deve ser modificado. Em primeiro lugar, deveria ser posto em manifesto que a Criação, ou seja, a passagem incompreensível do Uno não manifestado à multiplicidade manifestada (em linguagem clara, de Deus ao Mundo), não é apenas o prelúdio e a condição necessária da queda (“em certo grau é a queda”), em um sentido, é a Queda! A criação é, portanto, o pecado original de Deus. Não há salvação para o homem senão na evasão do temporal, o retorno da multiplicidade ao seio da Unidade. O que os gnósticos de todos os tempos chamaram de retorno à unidade primordial. Estamos, portanto, em um domínio já bem conhecido. Huxley se contentou em renovar as fórmulas por meio de empréstimos das expressões orientais.

Encontramos, em outro filósofo inglês, Whitehead, uma definição da Trindade gnóstica totalmente original e sutil. O Pai, para os gnósticos, é a fonte do ser sem existência positiva, é, portanto, A NATUREZA PRIMORDIAL, mundo das essências e dos desejos impotentes.

O Filho, é o Demiurgo, incarnado no mundo, é A NATUREZA CONSEQUENTE. O Espírito corresponde à A NATUREZA SUBJETIVA de Deus que modifica a criatividade divina enriquecendo-a.

Mas tudo isso não passa de puro paradoxo, pois o Deus criador é ao mesmo tempo uma criatura infinita em sua virtualidade, mas fúria em sua perfeição. Ora, esta atividade é sobreabundante, em perpétua mobilidade, ela é a atualização do fluxo universal. Estamos sempre em pleno panteísmo.

Encerramos aqui nosso estudo. Sabemos, de fato, que nossos leitores que penetraram bem a essência da Gnose, são capazes por si mesmos de detectar suas manifestações em todos os escritores anglo-saxões que, hoje, inundam o mundo com suas produções satânicas, desde O Código Da Vinci até as séries de Harry Potter e o mundo de Nárnia... onde pululam os feiticeiros, os magos e os demônios...

Etienne COUVERT

Notas Bibliográficas

Não existe uma obra abrangente sobre o tema. Tivemos que nos contentar com monografias. No entanto, destacamos um excelente artigo de Marcel Signac: “A revanche de Erasmo”, publicado em Les Écrits de Paris de outubro de 1969.

Sobre os Humanistas:

Sobre Shakespeare:

Sobre os Utopistas:

Sobre as fontes da Maçonaria:

Sobre os românticos:

Sobre os contemporâneos: