A PROPÓSITO DA CONTRA-IGREJA
SOBRE AS DIFICULDADES DOUTRINÁRIAS COLOCADAS PELO ESTUDO DA "CONTRA-IGREJA".
- Introdução
- A doutrina das inimizades
- Pluralismo, Sincretismo e Ecumenismo
- Os dois corpos místicos
- A verdadeira e a falsa mística
- A natureza do paganismo antigo e moderno
- A natureza da iniciação
- O problema do esoterismo
- As dificuldades da Cabala
- Conclusão
Introdução
Para avançar os conhecimentos relativos à "Contra-Igreja", estamos enfrentando problemas que, quanto ao fundo, não são novos, mas que hoje assumem formas novas.
A geração anterior - a de Monsenhor Jouin e Léon de Poncins - já os encontrou. Mas estava preocupada com as modalidades atuais desses problemas. Ela lidava com o que era mais urgente e visava principalmente o que então se chamava de "ações antinacionais". Por necessidade, ela negligenciou a infraestrutura religiosa dessas ações. Nós teríamos feito o mesmo.
No entanto, como o inimigo avançou, hoje temos que enfrentar principalmente "ações antirreligiosas". É necessário, portanto, aprofundar nosso campo de investigação (diríamos, nosso campo operacional) e utilizar, consequentemente, métodos mais penetrantes.
Façamos um rápido inventário das áreas de penetração que desejamos explorar e dos critérios que pensamos aplicar.
A doutrina das inimizades
Os historiadores da maçonaria ensinam comumente que suas congregações remontam às origens da humanidade. Não se pode deixar de concordar, em princípio, com tal declaração de antiguidade, que é de fato confirmada pelos arquivos da Igreja.
A Sagrada Escritura revela a existência, desde o início, de uma anti-religião. Entre essas duas tradições primordiais, a Escritura declara que sempre existirá uma INCOMPATIBILIDADE irremediável.
Essa incompatibilidade das duas religiões é objeto de uma revelação sem ambiguidade. É um verdadeiro decreto que está contido na sentença de condenação da serpente:
"INIMICITIAS ponam inter te et mulierem, et semen tuum et semen illius". "Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a descendência dela". Gênesis 3:15.
Esta é a doutrina das duas POSTERIDADES e de suas INIMIZADES. A palavra posteridade é repetida duas vezes no texto porque se trata de duas "sementes" que não têm nada em comum.
Os filósofos da maçonaria não admitem essa noção de INCOMPATIBILIDADE irreversível porque afirmam que seus colégios de sábios estão na origem de todas as religiões, sem exceção. E, se podemos concordar com o princípio da antiguidade da "contra-igreja", somos obrigados a contestar a escola maçônica todas as vezes que ela mistura as fontes das duas tradições e mantém (e isso é constante nela) a confusão entre as duas "sementes".
Além disso, submetidos apesar de si mesmos ao decreto divino, os historiadores maçons praticam de fato a velha inimizade e fazem uma guerra implacável à verdadeira Igreja, de modo que as duas religiões são, de fato e de direito, inimigas desde a origem.
A posteridade da mulher é a posteridade de nossa Mãe Eva, é a Nova Eva, a Virgem Maria e Nosso Senhor Jesus Cristo, sinal de contradição:
"Signum cui contradicetur" Lucas 2, 34. É também a Santa Igreja.
A posteridade da serpente são as falsas religiões, a "contra-igreja", corpo polimorfo cujo chefe será o Anticristo, chegando por último, no fim dos tempos.
Encontramos as duas posteridades e suas inimizades sob diversas formas em todo o patrimônio doutrinal eclesiástico. Aqui está um texto muito interessante de São Paulo sobre a incompatibilidade dos dois cálices:
"Non potestis calice Domini bibere et calice dæmoniorum." "Não podeis beber ao mesmo tempo do Cálice do Senhor e do cálice dos demônios." 1 Coríntios 10, 21.
Aqui está outro onde ele proíbe o comércio entre a luz e as trevas:
"Nolite jugum ducere cum infidelibus ; quæ enin participatio justiciæ cum iniquitate ? Aut quæ societas luci ad tenebras ? Quæ autem conventio Christi ad Belial ? Aut quæ pars fideli cum infideli ?" "Não vos prendais a um mesmo jugo com os infiéis. Pois que união pode haver entre a justiça e a iniquidade? Que comunhão pode existir entre a luz e as trevas? Que acordo há entre Cristo e Belial? Que sociedade tem o fiel com o infiel?" 1 Coríntios 6, 14-15.
São Luís Maria Grignion de Montfort invoca essas inimizades entre os membros das duas cidades como base de sua espiritualidade. Mas também podemos invocá-las como critério de discernimento; por exemplo, ao analisar o ecumenismo, seus fundamentos doutrinários e os motivos de seus partidários.
Se a Igreja da Terra é MILITANTE, é precisamente por causa das inimizades e incompatibilidades que se opõem às duas posteridades anunciadas no Gênesis. É uma doutrina antiga, universal e segura que Jesus e Belial não estão destinados a se abraçar, mas sim a se combater.
É precisamente esse espírito de INCOMPATIBILIDADE que traremos para o estudo da "contra-Igreja". Nisso, estaremos apenas correspondendo à hostilidade irreconciliável dos maçons "contra todos os que dogmatizam"; isto é, contra todos os que têm fé.
Pluralismo, Sincretismo e Ecumenismo
As congregações maçônicas afirmam constituir uma SUPER-RELIGIÃO ESOTÉRICA cujo papel é inspirar clandestinamente todas as religiões exotéricas. E elas trabalham efetivamente nesse sentido há várias décadas.
Imediatamente se percebe que essa manobra pode resultar, dependendo do temperamento dos executores, em duas tendências:
- O PLURALISMO, que enfatiza o particularismo das religiões periféricas;
- O SINCRETISMO, que busca enriquecer cada vez mais o fundo comum das noções universais.
Na verdade, as duas tendências se alternam como uma pulsação, e a manobra avança.
Desde que, por ocasião do último Concílio, os progressistas assumiram o poder no Vaticano, a Igreja tem sido arrastada para essa manobra "pluralo-sincrética". As duas tendências já alcançaram conquistas significativas.
O pluralismo deu origem às igrejas nacionais (graças ao uso das línguas nacionais na liturgia e às conferências episcopais nacionais), que agora evoluem em velocidades diferentes e, portanto, se diferenciam cada vez mais.
O sincretismo teve que mudar de nome para não assustar os fiéis: adotou-se o termo "ecumenismo", cujo significado precisou ser desviado; etimologicamente, "católico" e "ecumênico" são equivalentes e significam universal; no novo vocabulário, ecumenismo denota um universalismo ainda mais amplo do que o do catolicismo; é o "todo" do qual o pequeno catolicismo de antigamente era apenas uma "parte", e esse "ecumenismo sincretista" leva a Igreja por dois caminhos:
- Concessões,
- e empréstimos,
primeiro às confissões cristãs imediatamente ao seu redor e depois às religiões não-cristãs. As negociações estão em curso.
Gostaríamos de observar esquematicamente, por falta de espaço, que essa manobra pluralo-sincrética não é de forma alguma, absolutamente não é conforme à estratégia divina, que opera em sentido diametralmente oposto. Vamos nos contentar em lembrar as duas características que revelaram esse plano:
- a confusão de Babel
- e a vocação de Abraão.
A confusão de Babel
A unidade da raça humana estava estabelecida; em particular, havia apenas uma língua. Mas com o rápido crescimento demográfico, sentia-se a iminência de uma desintegração; daí a ideia de uma cidade capital, de uma torre e de um monumento para materializar no futuro a unidade da espécie humana. A princípio, tudo parecia muito louvável nesse empreendimento, já que visava manter para sempre uma unidade já alcançada.
Foi então que Deus mesmo interveio. Ele não queria essa unidade e a destruiu. O texto do Gênesis é absolutamente claro e formal. E por que Deus não queria essa unidade? Porque era puramente humana:
- construamos NÓS uma cidade,
- façamos NÓS um monumento.
Quanto à Torre, eles a fazem subir até o céu, é claro, mas é com esse mesmo zelo que São Paulo um dia reprovará os fariseus:
"Eu lhes dou este testemunho: eles têm zelo por Deus, mas não conforme ao conhecimento."
E é Deus mesmo quem opera a distinção e a confusão das línguas por uma espécie de decreto solene:
"Venite igitur, descendamus, et confundamus ibi linguam eorum, ut non audiat unusquisque vocem proximi sui." "Vamos, pois, desçamos e confundamos ali a sua língua, para que não entendam mais a linguagem um do outro." Gênesis 11, 7
A vocação de Abraão
Este episódio extremamente importante está contido em três versículos: Gênesis 12, 1-3. Deus escolhe para Si um povo e o SEPARA dos outros povos, e essa separação (que é o complemento e a contrapartida da confusão de Babel) é definitiva.
A "Vocação dos Gentios", mais tarde, não alterará essa estratégia de separação; ao contrário, a fortalecerá. Pois Israel do Antigo Testamento era um povo carnal cuja separação era "defensiva" (para manter uma raça pura para formar o Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo), enquanto Israel do Novo Testamento é um "povo espiritual" destinado a formar o "Corpo Místico de Cristo". E com o auxílio da Graça concedida, Israel espiritual tem uma missão "ofensiva" de conquista.
Mas a separação permanece. Haverá "um só rebanho e um só pastor" quando a conquista estiver completa. Só há unidade na Verdade. É fácil entender que tal estratégia exclui qualquer "pluralo-sincretismo", qualquer manobra de concessão e empréstimo. Católico, ecumênico e universal têm o mesmo significado. A religião de Nosso Senhor é católica porque é feita para todas as nações, as quais, por sua vez, estão em harmonia pré-estabelecida com ela.
Os dois corpos místicos
Ao prosseguirmos com nossa análise profunda, inevitavelmente encontraremos as áreas de fricção entre os dois "Corpos Místicos":
- o Corpo Místico de Cristo, que é a Igreja,
- e o corpo místico do Anticristo.
Trata-se aqui de saber se podemos aplicar o termo "corpo místico" ao extraordinariamente polimorfo conjunto das falsas religiões, seitas e todas as congregações heterodoxas.
Esta aplicação levanta de fato uma questão. Pois, enquanto a realidade do Corpo Místico de Nosso Senhor Jesus Cristo é amplamente ensinada (veja a encíclica de Pio XII "Mystici Corporis Christi" de 29 de junho de 1943), a do corpo místico do anticristo não o é.
E isso ocorre por duas razões:
1) A Escola não se pronunciou sobre a personalidade do Anticristo, que muitos teólogos apresentam como um ser coletivo; eles o veem como o tipo de um gênero cujos exemplares aparecem de tempos em tempos ao longo da história (como Antíoco, Nero, Átila, Hitler...). É evidente que, nessa hipótese, hesita-se em qualificar como "corpo" um conjunto que não tem uma única cabeça.
Mas responderemos que esses exemplares de um mesmo gênero são mais figuras, ou melhor, prefigurações, precursores do verdadeiro e pessoal Anticristo, aquele de quem as Escrituras anunciam que presidirá às tribulações finais da Igreja. Nesse caso, o corpo das seitas teria de fato uma cabeça única, embora aparecendo no final. Vamos justificar nossa posição com esta citação de São João:
"Como vocês ouviram que o anticristo está para vir, assim agora já surgiram muitos anticristos." 1 João 2, 18.
As prefigurações não anulam o personagem final.
2) A segunda razão que faz hesitar em falar do corpo místico do anticristo é o estado de guerra incessante que existe entre os membros desse corpo. Onde está a sua unidade, argumenta-se, se ele está se dilacerando.
Respondemos observando que se trata de fato deste "reino dividido contra si mesmo" do qual nos fala o Divino Mestre. É de fato um "reino", mas sua unidade é negativa; é feita de ódio contra o inimigo comum que é Jesus; os membros só se reconciliam à custa do "Justo". E ele está "dividido contra si mesmo" porque o demônio governa pela rivalidade dos membros; é até um dos seus grandes princípios de governo.
Portanto, teremos argumentos a favor da existência de um verdadeiro "corpo místico do anticristo", certamente monstruoso, mas antagonista ao do Cristo. Aproveitaremos o fato de que o assunto é teologicamente livre.
Uma resposta afirmativa a esta questão é ainda mais necessária porque somos convidados pelos próprios maçons. Eles apresentam a iniciação como tendo, entre outros efeitos, o de introduzir o adepto em um corpo espiritual, em uma instituição espiritual imemorial; e eles até fazem dessa incorporação uma das condições para a validade da iniciação. Portanto, eles realmente sentem a existência de um corpo espiritual. A questão que abordamos aqui não é, portanto, ociosa.
A verdadeira e a falsa mística
A avaliação do limite entre a verdadeira e a falsa mística é muito difícil. No entanto, constantemente precisamos dela ao estudar as seitas.
O comércio da alma humana com o mundo dos espíritos através das vias particulares da mística (vias que variam em intensidade e natureza, desde a simples elevação da alma... pela oração), desempenha um papel significativo tanto na verdadeira quanto na falsa religião. Encontramos até mesmo a falsa mística na origem das doutrinas filosóficas ("iluminação" de muitos filósofos). Ela é encontrada até mesmo na origem de certas descobertas científicas. Há toda uma zona que não podemos deixar de explorar, pois é por ela que as doutrinas demoníacas penetram na sociedade.
O mundo dos espíritos, de fato, está dividido em dois campos: o dos espíritos fiéis e o dos espíritos reprovados.
Cada vez que um indivíduo (um orador, um cientista, um filósofo, um monge ou um simples membro do vulgum pecus) recebe uma inspiração mística, em qualquer grau, surge a questão de qual é a sua origem.
Esse assunto foi colocado em comunicação com seu próprio metapsiquismo (nesse caso, ele é tanto inspirado quanto inspirador), ou com um bom espírito, ou com um espírito ruim? Ou ainda, esse fenômeno é complexo?
Essa questão se coloca para nós a cada passo. É a do DISCERNIMENTO DOS ESPÍRITOS. Ora, a faculdade de discernimento é um carisma. E a Providência não distribui esse dom de maneira muito ampla. Mesmo na ausência de um dom pessoal, o Bispo desfruta ipso facto da faculdade de discernimento quando, no exercício de suas funções e mediante o respeito das formas canônicas, ele examina uma causa sobrenatural. Nesse caso, Deus lhe deve Sua assistência e Ele obviamente a lhe dá.
Infelizmente, o Bispo moderno, por toda sorte de razões, abstém-se de examinar canonicamente as causas sobrenaturais que lhe são submetidas. Elas evoluem, portanto, de uma maneira anárquica e exuberante, e, por falta de proteção, a maioria delas se polui irremediavelmente.
Ora, a história das seitas está impregnada de falsa mística. Ela é um tecido de êxtases que, por serem falsos, não deixam de imprimir orientações muito precisas. Portanto, é impossível expor inteligivelmente essa história se nos proibimos toda apreciação, toda estimativa, todo julgamento de valor sobre o sentido dessas orientações e, portanto, sobre a natureza da mística que está na sua origem. Ela é autêntica e vem, portanto, do Céu. Ou então, é falsa e vem do "buraco do abismo"?
Para responder a esta pergunta, que continua a surgir, sempre houve dois recursos: uma atitude a priori e um exame a posteriori.
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A atitude a priori é o que se chama de "a finura do anjo". É essa posição de desconfiança que detecta o mal onde quer que esteja, mas sem experimentá-lo; permanece-se como observador externo. Portanto, exclui a curiosidade experimental, que sempre leva ao atolamento. Aquele que, por exemplo, deseja se misturar com os ocultistas para conhecê-los melhor, abandona por consequência sua independência de espírito como observador verdadeiramente objetivo.
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O exame a posteriori é o dos frutos: "Pelos seus frutos os conhecereis". Dessa forma, por exemplo, poderemos examinar os frutos do pentecostalismo de hoje:
"Nolite omni spiritui credere sed probate spiri us si ex Deo sint". "Não creiais em todo espírito, mas provai se os espíritos são de Deus." (I São João IV:I)
A natureza do paganismo antigo e moderno
Outra série de problemas nos aguarda: em que medida o paganismo antigo é o culto dos maus espíritos e em que medida contém vestígios da Religião Primordial revelada a Adão e aos patriarcas que se sucederam até Abraão? Tentemos responder a essas duas questões.
Façamos uma primeira constatação: os deuses do politeísmo antigo são indubitavelmente demônios. Citemos alguns dos numerosos textos da Escritura que podem ser invocados nesse sentido.
"Quoniam omnes dii gentium dæmonia". "Pois todos os deuses das nações são demônios". Salmo XCV, 5.
"Et commisti sunt inter gentes, et didicerunt opera eorum ; et servierunt sculptilibus eorum et factum est illis in scandalum. Et immolaverunt filios suos et silias suas dæmoniis". "Misturaram-se com as nações e aprenderam suas obras. Serviram seus ÍDOLOS, que se tornaram uma armadilha para eles. Sacrificaram seus filhos e suas filhas aos DEMÔNIOS." Salmo CV, 35-37.
"Provocaverunt eum in diis alienis, et in abominationibus ad iracundian concitaverunt. Immolaverunt dæmoniis, ut non Deo, diis quos ignorabant". "Provocaram o ciúme de Deus com deuses estrangeiros; irritaram-no com abominações; sacrificaram a DEMÔNIOS que não são Deus, a deuses que não conheciam". Deuteronômio XXXII, 16-17.
"Sed quæ immolant gentes, dæmoniis immolant, et non Deo. Nolo autem vos socios fieri dæmoniorum". "Mas o que os pagãos imolam, é aos DEMÔNIOS que o imolam, e não a Deus. Ora, não quero que vos torneis associados dos DEMÔNIOS". I Coríntios X, XX.
Uma primeira constatação, portanto: o culto aos ídolos é fundamentalmente um culto prestado a demônios. As adivinhaçães dos adivinhos são impregnadas de falsa mística. São falsas revelações que elaboraram as religiões antigas.
Eis, então, o homem pagão adorando poderes espirituais decaídos. Esses poderes espirituais, ele vai encontrá-los dentro de si mesmo: são os VÍCIOS. A mesma idolatria, portanto, vai representar um demônio exterior e um vício interior. Cada homem reconhecerá em si uma divindade interior, um Apolo ou um Mercúrio; cada homem possuirá sua Cibele interior ou sua Astarté. As virtudes também foram divinizadas. Elas se transformaram em vícios devido à sua divinização, que lhes fez perder sua "discrição", ou seja, seu equilíbrio recíproco. Em suma, os pagãos divinizaram os vícios e os adoraram.
O culto politeísta da Antiguidade é, portanto, simultaneamente, o culto dos espíritos malignos e o culto dos homens que se tornaram espíritos malignos. Encontramos hoje essa dualidade de natureza, não apenas nos cultos pagãos que são sobrevivências da Antiguidade (como é o caso, por exemplo, do culto Vodu), mas também nas elaborações religiosas modernas que buscam aliar a adoração das forças interiores do homem com as das forças cósmicas.
Em que medida, agora, uma vez que essa é a segunda subquestão de nosso problema, o paganismo contém vestígios da Religião Primordial revelada a Adão e aos Patriarcas que se sucederam até Noé e depois Abraão? Contentemo-nos aqui em colocar a questão, sem respondê-la por enquanto, pois ela é complexa. Tanto mais complexa quanto o paganismo continha, não apenas traços do monoteísmo original (ainda é preciso saber quais), mas também influências judaicas.
Por esses vestígios muito antigos e por essas influências mais recentes, Deus preparava os Gentios para receber a Religião do Verbo Encarnado, quando chegasse o dia. E se o paganismo, enquanto religião dos demônios, se insurgiu contra Jesus, em compensação, ele havia conservado elementos suficientemente bons para compreender uma nova pregação que se ligava a sua própria antiguidade. Ele havia, em particular, conservado a inteligência do sacrifício propiciatório, ou seja, do mecanismo pelo qual se carrega a vítima com os males dos quais se quer se livrar (o bode expiatório). Essa inteligência permitiu aos pagãos compreender um processo idêntico, o da Redenção.
São Paulo encontrou, entre os atenienses, esses vestígios e essa nostalgia:
"Viri Atheniensis, per omnia quasi superstitiosores vos video. Praeterieus enim, et videns simulacra vestra, inveni et aram in qua scriptum erat: Ignoto Deo. Quod ergo ignorantes colitis, hoc ego annuntio vobis". "Atenienses, vejo que em tudo sois muito religiosos. Passeando e observando os vossos monumentos, encontrei um altar com esta inscrição: 'Ao Deus Desconhecido'. Aquele a quem, sem o conhecer, prestais culto, é esse que eu vos anuncio." Atos, XVII, 22-23.
Não é sem interesse analisar o mais profundamente possível a natureza complexa do paganismo antigo no momento em que vamos ter que analisar também toda sorte de sincretismos e gnosticismos na composição dos quais o velho paganismo certamente não está ausente.
A natureza da iniciação
Um problema muito delicado vai se apresentar novamente: o da natureza da Iniciação.
Não há dúvida de que sempre que há MISTÉRIO, há realmente INICIAÇÃO. O que é ruim ou bom não é a iniciação propriamente dita, mas o mistério ao qual se adere por meio da iniciação.
Ora, existem os “Mistérios do Alto” e os “Mistérios de Baixo”.
O iniciado maçônico, que é “iluminado” pela falsa luz, é introduzido no mundo das trevas do espírito, ele vai de ilusões em ilusões; ele entrou nos “Mistérios de Baixo”.
Mas não há dúvida de que o cristão recebe no Batismo uma incontestável iniciação. Os outros dois Sacramentos que imprimem na alma um caráter indelével, ou seja, a Confirmação e a Ordem, são os graus ascendentes dessa iniciação cristã? É uma questão interessante que apenas mencionaremos aqui.
A noção de iniciação cristã é muito antiga e muito segura. Compreende-se muito bem que a aquisição de um caráter indelével como o do Batismo não seja a simples adesão mental a uma doutrina. É uma operação que tem algo de divino e misterioso: uma mancha é lavada, uma marca de pertencimento é impressa. E também se entende que o termo iniciação lhe convém, pois a filiação adotiva na família de Deus que se realizou, inicialmente é apenas de direito; é um simples começo (initium); ela só se tornará efetiva quando tiver dado frutos, isto é, provado seu valor. Até aí, tudo está claro.
Só que! Os heresiarcas da contra-Igreja (e especialmente seu grande mestre invisível) trouxeram a confusão entre a iniciação aos mistérios do Alto e a iniciação aos mistérios de Baixo. Ora, eles reclamam a equivalência entre as duas iniciações. Ora, e isso é o mais frequente, eles subordinam a iniciação cristã à deles, que declaram anterior no tempo e superior em hierarquia. Eles lançaram assim sobre a palavra e sobre a coisa um tal descrédito que os cristãos, por prudência, abandonaram a palavra.
"Pratique a iniciação! Você está do lado errado. Rejeite tudo o que é rotulado como iniciação! Então você estará a salvo do perigo."
Essa prudência, é preciso reconhecer, prestou grandes serviços ao manter os fiéis afastados da confusão que era precisamente buscada pelas seitas. Mas é desejável hoje ir ao fundo das coisas e estabelecer como princípio que o que é ruim não é a iniciação em si, mas o mistério tenebroso ao qual, de fato, se adere nas "congregações iniciáticas".
O problema do esoterismo
As diversas congregações iniciáticas, cujo conjunto forma o que se chama de "contra-Igreja", dispensam aos seus adeptos um ensinamento ESOTÉRICO, ou seja, oculto. De acordo com a etimologia, essa palavra, de origem grega, significa "interior" (em oposição a "exotérico", que quer dizer "exterior", ou seja, público e oficial).
Uma doutrina merece o nome de esoterismo, no sentido etimológico, desde que não seja destinada ao grande público e, portanto, seja reservada a um círculo restrito, independentemente de seu conteúdo substancial. Pode-se imaginar, teoricamente ao menos, um esoterismo católico reservado aos fiéis e oculto aos profanos, assim como um esoterismo luciferiano reservado aos adeptos e oculto aos cristãos. Em ambos os casos, a palavra esoterismo é utilizável no sentido etimológico, pois trata-se de um mesmo modo de difusão restrita.
O problema do esoterismo se desdobra em duas subquestões:
- A palavra "esoterismo" manteve seu sentido etimológico na linguagem moderna corrente?
- Pode-se qualificar a doutrina cristã como esotérica:
- no sentido etimológico
- no sentido corrente
Veremos, por fim, que esse problema não pode ser negligenciado, pois há numerosos inimigos da Igreja que o complicaram gravemente para tirar proveito da confusão.
Comecemos, então, procurando o sentido corrente da palavra em questão em um dicionário moderno:
ESOTERISMO: (do grego esoterikos - interior) "que é ensinado apenas aos iniciados"
- Os discípulos de Pitágoras teriam sido divididos em exotéricos e esotéricos; os primeiros, simples postulantes, os segundos, iniciados completamente na doutrina do mestre.
- Em Platão e Aristóteles, os termos esotérico e exotérico não se aplicam mais às pessoas, mas apenas às doutrinas. Em Platão, haveria uma dupla filosofia: uma acessível a todos e exposta na forma dos "Diálogos" que conhecemos; a outra, mais técnica, reservada apenas aos iniciados. Aristóteles, por sua vez, divide suas obras em esotéricas ou "acroamáticas" e em exotéricas. Os comentaristas admitem que essa distinção não se refere nem às questões nem às suas soluções, mas à forma e aos métodos de exposição. Nos trabalhos exotéricos, são apresentados apenas os argumentos mais claros; nos trabalhos esotéricos, são reservados os mais obscuros, que às vezes são os mais decisivos. Essa ideia de uma doutrina misteriosa reservada aos iniciados seduziu muitas mentes e, atualmente, formaram-se numerosas sociedades esotéricas.
CIÊNCIAS OCULTAS: Chama-se "ciência esotérica" a parte misteriosa da ciência cabalística, da qual os magos eram os depositários e que eles só revelavam aos iniciados depois que estes tivessem passado pelos rituais de iniciação. Os manuscritos que contêm os elementos dessa ciência são conhecidos pelo nome de chaves ou clavículas. Esse ensinamento era transmitido de forma oral ou escrita, incluindo a chave do tarô, a explicação dos arcanos e das tradições da cabala e da magia, o rito dos mistérios sagrados, etc. Os segredos ou alegados segredos da alquimia, pelo conhecimento dos quais o iniciado adquire poderes mágicos, também fazem parte do ensino esotérico.
Essa definição, retirada do dicionário Larousse, certamente não ignora o sentido etimológico, utilizado outrora pelos filósofos gregos. Mas ela mostra que, hoje em dia, a palavra "esoterismo" adquiriu um conteúdo substancial de caráter ocultista, do qual é impossível livrá-la.
Portanto, respondemos à primeira subquestão que nos colocamos.
Antes de respondermos à segunda subquestão, vamos nos perguntar por que o termo em questão se degradou e se sobrecarregou com um conteúdo negativo.
A "contra-Igreja" inicia seus adeptos (é uma noção básica) nos Mistérios de Baixo. Ela se esforça para arrastá-los para o coro dos demônios; esse é seu verdadeiro objetivo; mas esse objetivo é contrário não apenas à ordem da NATUREZA, mas também à ordem da GRAÇA.
Ele é contrário à natureza. Não se pode revelá-lo a nenhum homem, mesmo não cristão; os verdadeiros deuses do paganismo são demônios que "foram homicidas desde o princípio"; portanto, eles são repugnantes para todo homem e até mesmo aterrorizantes quando mostram seu verdadeiro rosto; por isso, os deuses do paganismo eram disfarçados de homens; os verdadeiros mestres se escondiam; daí o esoterismo dos "mistérios pagãos".
O verdadeiro objetivo da contra-Igreja está em contradição com a ordem da Graça inaugurada pelo advento do cristianismo; a dissimulação do verdadeiro objetivo é, portanto, ainda mais necessária do que no regime pagão; pois não se trata mais de esconder o verdadeiro mestre; é necessário que o adepto, que é cristão de início, mude de mestre; é preciso até mesmo fazê-lo adotar um mau mestre depois de ter conhecido um bom. Se lhe revelassem de imediato o verdadeiro objetivo, ele se recusaria a ir; vai-se apresentar-lhe uma doutrina travestida, complicada, escondida, em uma palavra, esotérica, que deve operar nele uma inversão completa.
Essa é, desde a fundação da Igreja, a razão psicológica profunda da "codificação" das doutrinas anticristãs; elas não podem se mostrar como realmente são, porque provêm do "poço do abismo".
É assim que o esoterismo, que de fato pode ter servido outrora como método didático para os antigos filósofos, carregou-se prodigiosamente, já no final da antiguidade, mas especialmente desde o início da era cristã, de um conteúdo substancial verdadeiramente luciferiano.
Agora podemos responder à nossa segunda sub-questão: pode-se qualificar a doutrina cristã como esotérica, seja no sentido etimológico, seja no sentido corrente atual?
Podemos eliminar imediatamente o sentido corrente atual. A Religião de Nosso Senhor obviamente não é esotérica no sentido definido pelo dicionário, que está carregado de ocultismo, magia e todas as falsas aparências do pensamento infernal.
Vejamos agora se ela não conteria um certo esoterismo no sentido etimológico da palavra, ou seja, uma progressividade didática. Se existe um ensinamento reservado, ele pode se esconder em duas ordens de relações:
- as relações exteriores da Religião com os profanos,
- as relações interiores dos fiéis com a hierarquia.
Nas relações da Religião com os profanos do exterior, Nosso Senhor afirmou Ele mesmo várias vezes que Sua doutrina era pública e não oculta. Contentemo-nos em citar aqui os três principais textos nesse sentido:
- "E Ele lhes dizia: Acaso se traz a lâmpada para colocá-la debaixo do alqueire ou debaixo da cama? Não é para colocá-la no velador? Pois não há nada oculto que não deva ser revelado, nem nada escondido que não deva vir à luz". Marcos IV:21-22
- "O que vos digo nas trevas, dizei-o à luz do dia; e o que ouvis ao ouvido, pregai-o sobre os telhados". Mateus X:27
- "O sumo sacerdote, então, interrogou Jesus acerca de Seus discípulos e de Seu ensino. Jesus lhe respondeu: Eu tenho falado abertamente ao mundo; Eu sempre ensinei nas sinagogas e no templo, onde todos os judeus se reúnem, e nada falei em segredo". João XVIII:19-20
Não há, portanto, em nossa religião, nenhum segredo institucional, nenhum esoterismo colegial. O Credo dos Doze Apóstolos não contém cláusulas confidenciais e todas as "verdades de preceito" que dele saíram posteriormente se impõem a todos, abertamente. Elas são as mesmas para os sábios e para os humildes. Os humildes parecem até não ser os mais mal-aquinhoados, pois está escrito:
"Eu vos dou graças, Senhor, porque escondestes estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelastes aos pequeninos." Mateus XI:25
A Religião de Nosso Senhor, portanto, não teme a publicidade, a divulgação. O proselitismo, aliás, lhe é recomendado:
"Ide, ensinai a todas as nações..."; "...Pregai a tempo e fora de tempo..."
Mas uma recomendação de sentido contrário lhe é igualmente feita, tão universalmente conhecida quanto as anteriores:
"Nolite dare sanctum canibus..." Math VII, 6. "Não deis o que é santo aos cães, nem lanceis vossas pérolas aos porcos, para que não as pisem com os pés e, voltando-se contra vós, vos despedacem."
O que se deve entender por "sanctus" (o que é santo)?
Todos os comentaristas concordam em dizer que são os sacramentos, mas também as verdades Evangélicas.
E o que se deve entender por "cães" e "porcos"?
São os homens gravemente indignos e, sobretudo, endurecidos, aqueles que diríamos hoje que ultrapassaram o limite da reversibilidade, que são irrecuperáveis. Os cristãos prestarão contas dos tesouros temíveis que guardam. Se a Igreja não teme as divulgações, ela teme as profanações.
Mas podemos dar a esse temor e às precauções que ele justifica o nome de esoterismo, entendido no sentido de procedimento didático?
É preciso reconhecer que esse não é o uso comum. Trata-se mais, de fato, de uma disciplina do que de um segredo.
Examinemos, depois disso, se um certo esoterismo não se infiltraria nas relações dos fiéis com a hierarquia?
Podemos responder imediatamente de forma negativa. Não existe um colégio esotérico na Igreja Católica, o que é fácil de entender após os preceitos evangélicos que acabamos de citar. "Eu não ensinei em segredo".
Resta-nos uma área a explorar, a da doutrina, pois ela apresenta capítulos extremamente difíceis de compreender e cuja inteligência parece reservada a uma elite. Expliquemo-nos sobre esse ponto.
É um velho adágio que o homem pode encontrar Deus em três livros:
- A Bíblia,
- A Criação,
- E em si mesmo (esse livro nunca estando fechado para ninguém).
No entanto, a Bíblia apresenta uma multidão de OBSCURIDADES RELIGIOSAS. Muitos de seus Livros são muito difíceis de compreender ou só podem ser compreendidos por clérigos extremamente eruditos: por exemplo, os "Profetas", o Livro de Jó, o "Cântico dos Cânticos" cuja exegese é tão espinhosa, alguns Salmos, alguns dos quais ainda são totalmente incompreensíveis... etc...
Essas obscuridades, juntamente com os Três Grandes Mistérios (Trindade, Encarnação, Redenção), constituem um esoterismo propriamente dito?
Sem dúvida, a Hierarquia reserva-se o direito de fornecer um comentário autorizado sobre as Sagradas Escrituras, porque a interpretação dos Livros Sagrados requer absolutamente a inspiração do Espírito Santo, que é dada em virtude das Promessas de Assistência. Mas esse comentário interpretativo não é mantido em segredo, muito pelo contrário, é elaborado pela Autoridade Doutrinária, mas não permanece como seu domínio reservado.
O "Livro da Criação" apresenta um problema um pouco mais sutil. A natureza material, de fato, é um manto que revela a existência de Deus, mas que, ao mesmo tempo, a oculta. Ela é constituída por uma grande quantidade de obras distintas nas quais o Criador colocou semelhanças com Ele mesmo e entre as quais Ele colocou harmonia. Ela é formada por uma sucessão de reflexos decrescentes que são chamados de símbolos.
Quando se consegue remontar a cadeia dos símbolos, pode-se adivinhar o modelo que está na origem de todos. No desenrolar do tempo, as obras de Deus se lembram e se anunciam umas às outras. O Simbolismo da Criação não é um simples procedimento de ensino utilizável por poetas imaginativos ou leitores hábeis. Ele pertence à natureza das coisas. É o resultado da harmonia que Deus coloca entre as diversas partes de suas obras.
Ora, essas correspondências, esses reflexos, esses ajustes harmoniosos são difíceis de perceber; alguns são luminosos, outros verdadeiramente obscuros; eles não são igualmente apreensíveis por todos. Mas a percepção do simbolismo não é proibida a ninguém; ela é até recomendada como sendo uma das fontes do conhecimento de Deus. Não se pode, portanto, dizer que haja aí um esoterismo no sentido comum do dicionário.
Pensamos agora ter respondido à questão que nos colocamos: "Pode-se qualificar a doutrina cristã de esotérica, seja no sentido etimológico, seja no sentido comum?"
A resposta é negativa. Certamente, nossa religião encerra as obscuridades que Deus colocou Ele mesmo no Livro da Revelação e no da Criação, mas trata-se:
- nem de um esoterismo de disfarce, como aquele que se encontra nas congregações iniciáticas da contra-Igreja,
- nem de um esoterismo deliberadamente introduzido por razões didáticas por um colégio sacerdotal.
Além disso, a meditação sobre as obscuridades das Escrituras e os símbolos da natureza introduz nos mistérios do Alto, como um exemplo vai nos mostrar:
No momento da Crucificação, houve trevas da sexta à nona hora e Nosso Senhor expirou na nona hora.
Que harmonias essas precisões numéricas querem nos fazer compreender?
- O número 6 é aquele sob o qual Adão foi retirado do limo da terra, o "Sexto Dia"; no entanto, no Calvário, Nosso Senhor lava a culpa do sexto dia com o Precioso Sangue;
- Quanto ao número 9, é o da Santíssima Trindade (3 x 3); esse número 9 preside a morte do "Filho do Homem" porque:
- "Ninguém pode ver a Deus e Viver",
- "Nursumque ait : Non poteris videre faciem mean ; non enim videbit ne homo et vivet."
- "Você não poderá ver a Minha face, pois nenhum homem pode Me ver e viver". Êxodo 33:20
Há nesses dois números, 6 e 9, as trevas da Paixão, um simbolismo de precisão, riqueza e majestade extraordinárias. Mas não somos obrigados a aderir a isso, mesmo a ser sensíveis a isso. Não se trata de uma verdade de preceito, mas de um suplemento de convicção que alguns captam e outros não.
Mas podemos falar de esoterismo?
Certamente não teria o conteúdo substancial daquele dos "mistérios de baixo".
Se expusemos por tanto tempo os dados desse problema do esoterismo, é porque os escritores da contra-Igreja multiplicam as obras sobre "o simbolismo oculto da Religião Cristã". Citamos apenas três para nos limitarmos:
- De René Guénon: "O Simbolismo da Cruz"; "O Esoterismo de Dante"
- De Julius Evola: "O Mistério do Graal"
Vamos resumir o raciocínio deles dessa forma. Ao dirigirem-se aos cristãos, eles lhes dizem essencialmente:
"Vocês racionalizaram sua religião. Perderam o sentido de seus símbolos. Mas nós, nós os conservamos. Eles estão contidos em nosso ESOTERISMO. Podemos ensiná-los novamente a vocês. Venham redescobri-los conosco."
Deve-se responder a este convite?
Certamente não. Pois, sem dúvida, encontraríamos os símbolos cristãos no esoterismo da contra-Igreja, porém revestidos de um sentido desviado, ambíguo, capaz de manter a confusão.
Temos tudo o que precisamos sem mudar de campo. O patrimônio doutrinal da Igreja já contém abundantes meditações sobre as dificuldades das Escrituras e sobre os símbolos da Criação. O Tesouro não está escondido; todos os batizados têm acesso a ele.
As dificuldades da Cabala
A sinagoga dos judeus, como agora a Igreja dos gentios, era outrora guardiã da ESCRITURA e da TRADIÇÃO.
A Escritura foi preservada com fidelidade perfeita; não se pode negar aos judeus o escrupuloso respeito pela "letra".
Mas a Tradição, ou Cabala, foi profundamente corrompida. Nosso Senhor frequentemente reprovava esse declínio aos sacerdotes; um único exemplo nos bastará aqui, embora haja muitos outros:
"E vocês, por que transgridem o mandamento de Deus por CAUSA DA SUA TRADIÇÃO." Mateus, XV, 2-3.
A Tradição originalmente continha textos veneráveis nos quais vestígios de Revelação divina foram reconhecidos, mas que não foram incorporados, por várias razões, nos cânones aceitos; eles incluíam relatos históricos, orações, escritos místicos e compilações jurisprudenciais, incluindo alguns julgamentos atribuídos a Moisés. Certamente, este tesouro documental seria valioso até hoje, se pudéssemos identificá-lo entre o restante.
No entanto, a Tradição se sobrecarregou e ampliou desmesuradamente ao longo do tempo, incorporando lendas, comentários nos quais se infiltraram noções pagãs e dados místicos sem controle.
Todo esse conjunto foi transmitido em bloco, o bom e o mau juntos, sob o nome de Cabala. Os vestígios de Revelação agora estão afogados em uma literatura humana, por vezes exuberante. Compreende-se a desconfiança inicial que isso despertou entre os líderes da Igreja e defensores da ordem.
No entanto, será correto rejeitar integralmente, sem exame, a TRADIÇÃO religiosa dos judeus contida na CABALA? Ou seria possível, ao menos em princípio, extrair elementos autênticos, se existirem?
Alguns pensadores de origem cristã, especialmente no século XVI, tentaram isolar os elementos autênticos que estão presentes desde o início nessa massa e reconstruir uma "Cabala cristã". Essas tentativas, sobre as quais precisaremos voltar, foram decepcionantes. Elas incluíram em sua reconstrução dados do paganismo, panteísmo e falsa mística. Desde então, a Cabala, junto com a Gnose, faz parte do grande reservatório que alimenta as doutrinas maçônicas.
Esses exemplos confirmam a dificuldade de fazer essa discriminação. Embora a Cabala contenha vestígios de uma tradição autêntica, a desconfiança clássica em relação a ela é totalmente justificada.
No entanto, é verdade que essa discriminação seria muito desejável na hipótese da conversão dos judeus, que São Paulo nos deixa esperar antes do fim dos tempos.
Conclusão
Este relatório preliminar apenas enumerou problemas, esboçou métodos e anunciou estudos mais aprofundados. Assim, somos agora levados a frequentar a terrível zona de contato entre os dois exércitos inimigos, entre as duas "descendências".
É aqui que, através de um trabalho de esclarecimento, queremos desmascarar as artimanhas do adversário, perseverando assim na linha traçada por São Paulo quando escreveu aos Coríntios:
"Essas pessoas são falsos apóstolos, trabalhadores fraudulentos que se disfarçam de apóstolos de Cristo. E não é de admirar, pois até Satanás se disfarça de anjo de luz." II Coríntios 13-14
Não somos os primeiros, e aqueles que nos precederam nos deixaram métodos de investigação que se mostraram eficazes. No entanto, será necessário acrescentar algumas regras adequadas à fase atual do conflito em que nos encontramos.
O exército inimigo inicialmente infiltrou a sociedade civil; foi nesse campo de operações que nossos antecessores enfrentaram principalmente. Os critérios relacionados às formas dos organismos subversivos foram suficientes para eles; identificavam-nos pelas suas aparências externas, o que já era bastante eficaz. Se encontravam vestígios de iniciação ou Cabala, o organismo examinado era imediatamente considerado comprometido. É preciso reconhecer que, com esses critérios, não cometeram graves erros de avaliação no combate predominantemente político que travaram.
Hoje, a "contra-Igreja" invadiu a esfera religiosa e trabalha para misturar suas doutrinas e estruturas com as da Igreja; formou-se uma confusão inextricável. Se nossa ambição é esclarecer o campo de batalha, evitando armadilhas e disfarces, precisamos de regras de discriminação que vão além da essência das coisas, já que as formas tendem a se fundir.
Quanto à iniciação, o que diremos?
Se recusarmos qualquer forma de iniciação, estamos negando, ao mesmo tempo, o caráter incontestavelmente iniciático dos três Sacramentos da Igreja que imprimem um caráter na alma: o Batismo, a Confirmação e a Ordem.
Então, o que diremos para distinguir as boas iniciações das más? Perguntaremos: a qual mistério a iniciação dá acesso? É aos mistérios do Alto ou aos mistérios do Baixo? Um critério não apenas formal, mas essencial.
Quanto ao esoterismo, o que diremos ainda?
O que é repreensível não é esconder algo (São José escondeu com sucesso o nascimento milagroso de Jesus, tornando assim possível nossa Redenção), mas esconder o mal: é exatamente o que faz a contra-Igreja, cujo tesouro esotérico é o demônio, ocultando-se sob um ensinamento confuso.
Pelo contrário, o Tesouro esotérico da Igreja é Jesus, oculto na Santa Eucaristia e também nas obscuridades religiosas das Escrituras; da mesma forma, a Criação é o símbolo ou, mais precisamente, o cofre onde está guardada uma jóia, o Verbo Encarnado.
Quanto à Cabala, não deve ser rejeitada inteiramente: é necessário extrair dela a boa tradição patriarcal e mosaica; este trabalho se tornará particularmente necessário no dia em que, de acordo com as previsões de São Paulo, os judeus (pelo menos em parte) se converterem; eles devem recuperar essa parte do patrimônio que por tanto tempo permaneceu oculta.