3 - AS CONVERGÊNCIAS DO REVERENDO CHADWICK E DOS PADRES BARTHE, LORANS E DE CACQUERAY NO PROJETO RATZINGUERIANO

INDRODUÇÃO

O Reverendo Chadwick realiza um trabalho pedagógico de explicitação e vulgarização do projeto Ratzingueriano de criação de uma estrutura multipolar de entidades tradicionais (Patriarcados) em uma abordagem comum de "tradicionalismo esclarecido". É esse projeto que a CSI-Diffusion havia designado pelo termo AngliCampos[6], ou que desde então identificamos como uma associação de Patriarcados. Trata-se de reunir todas as forças religiosas (FSSPX, partes tradicionais ou conservadoras da Igreja conciliar, movimento TAC dos Anglicanos, Patriarcados ortodoxos, etc.) em uma espécie de super-Igreja conciliar cuja High Church Anglicana já oferece um modelo. Evidentemente, para levar a cabo tal projeto, é necessário evitar a questão do Sacerdócio e de sua validade sacramental. É isso que o padre de Cacqueray e o padre Lorans se esforçam para fazer, nunca levantando essa questão e exaltando a luta pela Missa.

Falsa elevação em uma "missão" anglicana inválida (Filadélfia 2006)Falsa elevação em uma "missão" anglicana inválida (Filadélfia 2006)

O Reverendo Chadwick expressa, em termos diferentes, o que o padre Barthe e o padre de Cacqueray já descreveram de forma ampla, ou seja, esse projeto Ratzingueriano de "retorno à Tradição". Para nosso estudo, recorremos ao discurso do padre Barthe no terceiro congresso dos Mutins em 20 de novembro de 2006 na Mutualité em Paris, a suas recentes intervenções no Forum Catholique e a alguns de seus artigos na revista Catholica. Fazemos também referência à obra do padre Barthe Quel chemin pour l’Eglise[7], publicada em setembro de 2004 na França pelas edições Hora Decima. Esta obra foi, aliás, traduzida para o inglês sob o título Beyond Vatican II e publicada pela Roman Catholic Books[8].

Quanto ao padre de Cacqueray, citamos principalmente o texto de sua conferência do dia 29 de setembro de 2006 na mesma sala da Mutualité em Paris. Alguns podem se espantar com essa justaposição entre os comentários do cronista religioso de Catholica e os do atual superior de Distrito da França da FSSPX. Para entender como essa convergência pôde se tornar possível, é necessário considerar o papel do padre Barthe e a importância do G.R.E.C., assim como a atividade persistente do padre Lorans, que frequenta bastante o padre Barthe. O padre Barthe foi capelão do Instituto Cardinal Pie, uma organização, no mínimo, estranha, fundada por Bernard Dumont, que teve seu máximo impacto na década de 1980. Para conhecê-la melhor, remetemos ao trabalho « Autorité et charisme: histoire et fonctionnement d'un petit groupe traditionaliste entre 1973 et 1986 » apresentado por Anne Perrin para o Diploma de Ciências Religiosas, em 1999.

Como revela a página da internet[9] de introdução de sua obra Beyond Vatican II, o padre Barthe possui um celebret emitido diretamente pelo Vaticano, o que lhe garante um uso exclusivo do rito de São Pio V. Isso demonstra sua importância para os dirigentes do Vaticano, uma vez que ele desfruta de uma situação privilegiada, concedida além da autoridade dos "bispos" da França, conferindo-lhe um-status único no país. Como é possível que o padre Barthe tenha sido traduzido para o inglês? Isso é um fato raro na Tradição.

Vamos perceber essa coerência entre os defensores do rito Tridentino e os Anglicanos por meio de alguns eixos principais. Estamos nos referindo à Operação Anglo-Tridentina.


[6] http://www.virgo-maria.org/Archives-CSI/2005/CSI-2005-07-05-AngliCampos.pdf

[7] http://www.hora-decima.fr/Livre.php3?id_rubrique=3

[8] http://www.booksforcatholics.com/mm5/merchant.mvc?Screen=PROD&Store_Code=B&Product_Code=1929291833&Category_Code=

[9] http://www.booksforcatholics.com/mm5/merchant.mvc?Screen=PROD&Store\Code=B&Product\Code=1929291833&Category\Code=

3.1 - A CONSERVAÇÃO BARTIANA DO VATICANO II E O ABANDONO ANGLICANO DAS « CRISPATIONS »

Procissão no início de uma "missão" anglicana inválida (Filadélfia 2006)Procissão no início de uma "missão" anglicana inválida (Filadélfia 2006)

O padre Barthe reconhece que o padre Ratzinger vai conservar o Vaticano II, desautorizando assim a Tabula rasa de Dom Tissier de Mallerais[10] e afirmando que os debates doutrinários decorrentes da reforma litúrgica de Montini-Paulo VI seriam adiados:

« Mas que não nos enganemos: nem em matéria de teologia do culto cristão, nem mais geralmente, se trata para Bento XVI de um retorno a Pio XII, como se o Vaticano II não tivesse ocorrido. Se a lacuna do Vaticano II for fechada, será antes de fato, adiando para mais tarde as questões levantadas pelos debates doutrinários em torno da reforma de Paulo VI e outras. » padre Barthe, 20 de novembro de 2006

O reverendo Chadwick se une a essa preocupação do padre Barthe, propondo o modelo anglicano tradicional que soube evitar as « crispations » diante das questões levantadas pelo Vaticano II:

« A Comunhão Anglicana Tradicional é um movimento de reação, assim como suas análogas no catolicismo romano, uma reação contra a dissolução de todo princípio doutrinário ou valor moral. Mesmo assim, não adotou uma atitude crispada em relação aos ensinamentos do Vaticano II sobre o ecumenismo, a teologia da Igreja e do Episcopado e sobre a liberdade religiosa. » Reverendo Chadwick


[10] Em branco no original

3.2 - O « SUPERAMENTO INCLUSIVO » BARTIANO DOS DEBATES DOUTRINÁRIOS LEVANTADOS PELO VATICANO II E A REJEIÇÃO ANGLICANA DA « POLÊMICA INTEGRISTA »

Para pôr fim aos debates doutrinários surgidos a partir do Vaticano II, o padre Barthe inventa a expressão « superamento inclusivo » para designar o que corresponde simplesmente à dialética hegeliana: tese progressista, antítese tradicionalista e síntese ratzigueriana:

« Estamos diante, creio eu, do que poderia ser qualificado como um "franchissement" "positivo", ou seja, uma tentativa de síntese das posições em confronto, mas, e isso é capital, com uma relativização da posição "progressista", ao mesmo tempo em que se conserva parte de seus aportes. Trata-se da mesma tentativa de superamento inclusivo que foi realizada pelos PP. Ignace la Potterie, Henri de Lubac, Hans Urs von Balthasar, e Joseph Ratzinger, contra o historicismo da crítica bíblica racionalista. O principal ângulo de ataque de Joseph Ratzinger na questão bíblica foi o de uma "reforma da reforma", ou seja, uma "crítica da crítica". O legado da crítica bíblica não foi rejeitado, mas relativizado e integrado em uma concepção mais ampla da inspiração. E assim por diante: o diálogo inter-religioso não foi evacuado, mas integrado no "diálogo das culturas". Com, em pano de fundo, um projeto teológico – e a longo prazo magisterial – muito inteligente, mas arriscado. » padre Barthe, 20 de novembro de 2006

Assim, o padre Barthe louva a « relativização » das posições doutrinárias, brincando com uma suposta flexibilidade da doutrina, em oposição a toda a Tradição da Igreja. Abra um Denzinger, você constatará que um concílio da Igreja católica frequentemente procede pela proclamação de anátemas, pois a preocupação com a verdade e a interpretação precisa, fiel e rigorosa do depósito da Fé exige que o erro seja claramente identificado. A semântica que, aliás, permeia a prosa do padre Barthe (processo, franchissement positif, relativização, superamento inclusivo, etc.) trai essa predisposição ao vagabundear doutrinal, à evasão das conclusões vinculativas da lógica, ao « relativismo » que permite todos os sofismas e do qual a maçonaria fez um de seus princípios fundadores, que lhe permite colocar todas as religiões e suas doutrinas em um mesmo plano e superá-las « por acima », ou seja, pelo indiferentismo.

image005.jpgimage006.jpg

Círio pascal e coro em uma "missão" anglicana inválida (Filadélfia 2006)

Agora, como zelador de uma tradição religiosa de origem britânica, a qual é fortemente influenciada pelo espírito da Maçonaria, em particular a Rosecruz, o reverendo Chadwick se alinha a essa preocupação do padre Barthe, ao propor o modelo anglicano tradicional que defende a « moderação » e permite evitar as « crispations », ao se reorientar à piedade litúrgica:

« Sua posição (na Comunhão Anglicana Tradicional) é caracterizada por um espírito mais conservador do que "tradicionalista" ou "integrista". É um espírito fortemente ancorado na moderação anglo-saxônica e em nosso desejo de diálogo razoável e racional. »

« O espírito de revolta e da polêmica integrista nos é estranho. Vimos, aliás, da velha Inglaterra e de suas missões históricas na Austrália, nas Américas, na Índia, na África e em alguns outros lugares. O espírito anglicano permanece firmemente enraizado em uma piedade litúrgica de acordo com os ritos da Missa e do Ofício Divino. »

Révérend Chadwick

Obedecendo à influência do padre Lorans, comparsa do padre Barthe no G.R.E.C., o padre de Cacqueray vai relatar, no dia 27 de setembro de 2006, a ilusão de um Ratzinger em posição de recuo em relação ao Vaticano II:

« É certo que o discurso programático que o papa pronunciou diante da Cúria em 22 de dezembro de 2005 é um discurso que, evidentemente, revela um constrangimento nessa defesa do concílio à qual ele se empenha. O papa, afinal, se vê obrigado a defender o concílio. »

« O enfraquecimento das posições da Roma conciliar se manifesta através dessa necessidade de defender o concílio. »

« O papa revelou a fraqueza do concílio Vaticano II. » padre de Cacqueray, 27 de setembro de 2006[11]

Procure por "moderação" ou "franchissement positif" nos anátemas dos concílios da Ásia Menor, e você não encontrará, assim como nas condenações solenes por Pio IX dos princípios da sociedade revolucionária em Quanta Cura e no Syllabus em 1864. Esse espírito de "moderação", de "superamento inclusivo" em matéria doutrinária é estranho à Tradição católica, pois é a porta por onde entram e se instalam todas as heresias. Citemos apenas como exemplo as definições insuficientemente precisas da dupla natureza humana e divina de Nosso Senhor por Cyrille de Alexandria. Essas definições, irrepreensíveis no sentido estrito, no entanto, permitiram que os monoficitas e, mais tarde, os monotelitas se reclamassem delas. As Igrejas orientais, e assim as almas, pagaram um alto preço pelo cisma de muitos fiéis no século IV e, em seguida, nos dois séculos seguintes e até 1968, consequência última, uma vez que o Padre Joseph Lécuyer, o teólogo do novo rito de consagração episcopal, ainda se baseou nessas falsas justificativas do sentido teológico de uma nova forma herética, retomadas na literatura pseudo-canônica de Alexandria[12].


[11] http://www.virgo-maria.org/articles/2006/VM-2006-10-12-E-00-DIAPO_Oeuvre_de_Mgr_Lefebvre_trahie_par_Menzingen.pdf

[12] http://www.rore-sanctifica.org/etudes/2006/RORE-2006-08-05-FR_Rore_Sanctifica_III_Notitia_4_Les_Significations_heterodoxes_de_la_Forme_de_Montini_PaulVI_A.pdf

3.3 - O « TRADITIONALISMO ESCLARECIDO » DE RATZINGER SEGUNDO BARTHE DECIFRADO PELA « SUTILEZA » ANGLICANA

Incenso de um diácono em uma « missa » anglicana inválida (Filadélfia 2006)Incenso de um diácono em uma « missa » anglicana inválida (Filadélfia 2006)

O padre Barthe inventa a expressão « traditionalismo esclarecido » para designar a « intuição pessoal » de Ratzinger. Ele encontra uma correspondência contextual com o « progressismo moderado » de Roncalli-Jean XXIII. A escolha do termo « esclarecido » na boca do padre Barthe não é inocente, pois essa palavra evoca o século das Luzes e seus déspotas « esclarecidos », acompanhados de um desprezo pelo povo, ou seja, pelos fiéis.

« De fato, os talentos psicológicos, intelectuais e espirituais respectivos, extremamente distintos (pelo menos à primeira vista) de João XXIII e Bento XVI se mostram idênticos no fato de terem sabido e saberem fazer corresponder suas intuições pessoais próprias – um progressismo moderado para Roncalli; um traditionalismo esclarecido para Ratzinger – aos eventos, aos contextos, às expectativas, conscientes ou não, expressas ou não, de uma parte significativa da Igreja. » padre Barthe, 20 de novembro de 2006

Quanto ao reverendo Chadwick, ele destaca a « sutileza » anglicana, desconhecida no continente europeu e que permite superar as « ideias recebidas ». É essa sutileza que permite ao reverendo Chadwick decifrar o projeto de Ratzinger e encorajá-lo a desejar vincular o TAC à sua superestrutura multipatriarcal. Essa sutileza anda de mãos dadas com o desprezo pelos fiéis, assimilados a uma « massa de cristãos superficiais »:

« Afinal, o anglicanismo é algo de tão fino e sutil. A maioria das pessoas, cristãs e não cristãs, não têm a capacidade de reflexão ou a curiosidade intelectual para ultrapassar as ideias recebidas. Não somos suficientemente demagogos ou intolerantes para interessar a massa dos cristãos superficiais. » Reverendo Chadwick

3.4 - UM «ECUMENISMO» BARTENIANO DO «MUNDO TRADICIONAL» DESDOBRADO DO MODELO HISTÓRICO DA «REFORMA DA REFORMA» ANGLICANA OPERADA PELOS TRACTARIANOS NO SÉCULO XIX E SEUS HERDEIROS DO TAC EM 20

Nós acabamos de ver os princípios da metodologia do padre Barthe à luz do espírito anglicano. Agora, vamos examinar o projeto de recomposição ratzinguiano do «mundo tradicional» que expõe o padre Barthe, à luz da experiência histórica anglicana e de suas pretensões atuais, conforme testemunha o reverendo Chadwick. Para isso, é útil recordar que o TAC, do qual o reverendo Chadwick faz parte, é o herdeiro da High Church (Alta Igreja), também chamada de anglo-católica, que, através do movimento de Oxford do meio do século XIX e dos Tractarianos do Pastor Pusey, operou uma re-tradicionalização do anglicanismo, a ponto de retomar do catolicismo muitos aspectos de suas devoções e de suas belezas litúrgicas. Uma falsa «Missão» anglicana pode hoje dar a ilusão de uma missa tradicional católica, mas é totalmente inválida e vazia de todo sacramento.

«Nossa tradição viveu a crise do século dezesseis. Ela atravessou as polêmicas dessa época, para começar a estudar os Padres da Igreja, redescobrir as riquezas da tradição católica de todos os séculos e - finalmente - proceder a uma restauração litúrgica e espiritual. É o legado dos Caroline Divines e do movimento de Oxford. O TAC apenas continua esse movimento de restauração católica com um espírito nórdico e sóbrio.» Reverendo Chadwick

Desde esse desenvolvimento da High Church, a Comunhão Anglicana conheceu uma deriva liberal que dá lugar a todos os excessos: ordenação de mulheres sacerdotes, consagração de mulheres bispos, clérigos ostensivamente homossexuais, etc. De modo que o TAC se encontra hoje, em relação à Comunhão anglicana, na mesma situação da High Church em relação ao anglicanismo ressequido do século XIX.

image009.jpgEpístola e Evangelho em uma «missa» anglicana inválida (Filadélfia 2006)

No 2° Carrefour Apostólico na Mutualité, o padre Barthe desenvolve o sofisma de um paralelismo entre o fim do Pontificado de Pio XII e o fim do mandato de Wojtyla-João Paulo II. Ele prossegue com a comparação de Roncalli-João XXIII e Ratzinger-Bento XVI, desconsiderando as circunstâncias históricas que lançam dúvidas sobre a eleição regular de Roncalli em 1958[13] e excluindo implicitamente qualquer consideração doutrinal ou sacramental.

«Roncalli foi eleito, grosso modo, porque os cardeais, incluindo conservadores, queriam sair do estilo da última parte do reinado de Pio XII, considerado muito rígido, enclausurado, desejavam sair de um "demasiado" de governo pontifical; Ratzinger foi eleito, inversamente, porque o colégio cardinalício queria sair do "pouco demais" de governo do fim do pontificado de João Paulo II.» Padre Barthe, 20 de novembro de 2006

O reverendo Chadwick alega a analogia entre o anglicanismo e a Igreja conciliar, ambos divididos entre liberais e conservadores:

«Hoje, a identidade anglicana se expressa praticamente da mesma forma que o catolicismo romano contemporâneo entre o "liberalismo" e o catolicismo "conservador".» Reverendo Chadwick

Mas para Chadwick, a parte tradicional retornaria a um catolicismo que desativaria a revolta de Cranmer (no século XVI).

«Simplesmente, nós da TAC retornamos ao catolicismo que hoje está expurgado das corrupções que foram as causas da revolta de Lutero, de Cranmer e dos outros Reformadores.» Reverendo Chadwick

E o reverendo Chadwick destaca a identidade de espírito entre a TAC e Ratzinger:

«Buscamos desenvolver e seguir um espírito que não é muito diferente do que o papa Bento XVI claramente procura promover - isto é, o espírito litúrgico em uma Igreja fiel à mensagem de Cristo, espiritual e missionária.» Reverendo Chadwick

image010.jpgOrações no altar após a leitura do Evangelho em uma «missa» anglicana inválida (Filadélfia 2006)

Prosseguindo com a descrição dessa mesma clivagem entre conservadores de 2005 e progressistas de 1958 dentro da Igreja conciliar, o padre Barthe insinua que Ratzinger poderia provocar uma reavaliação do Vaticano II:

«Os cardeais de 1958 não queriam o concílio Vaticano II, ao menos não como ele ocorreu; os cardeais de 2005 não queriam o fim do Vaticano II… O ritmo da minha frase gostaria que eu concluísse: … tal como vai se desenrolar.» Padre Barthe, 20 de novembro de 2006

No entanto, essa reavaliação não seria de forma alguma uma «tabula rasa» do Vaticano II:

«Mas que não se engane: nem em matéria de teologia do culto cristão, nem mais geralmente, se trata para Bento XVI de um retorno a Pio XII, como se o Vaticano II não tivesse ocorrido.» Padre Barthe, 20 de novembro de 2006

Essa reinterpretação do Vaticano II, que evitaria colocá-lo em questão, poderia então se inspirar na metodologia anglicana, cujas riquezas o reverendo Chadwick nos exalta:

«Trata-se do retorno a uma vida litúrgica cuidada, autêntica e sóbria e, ao mesmo tempo, o retorno à teologia dos Padres da Igreja e sua visão profundamente bíblica.» Reverendo Chadwick

Aqui está bem expresso, e tudo isso se realiza não em um espírito de Fé, mas através do diálogo e da razão:

«Sobretudo, o gênio do espírito anglicano, tal como foi desenvolvido no século XVII, é sua capacidade de dialogar e raciocinar. A fé vai de mãos dadas com a razão, uma noção particularmente cara ao papa Bento XVI. Os convertidos do anglicanismo ao catolicismo romano geralmente enfrentaram muitas dificuldades, pois as duas tradições são semelhantes, mas ao mesmo tempo distantes uma da outra. Nosso racionalismo se opõe ao espírito do fideísmo cego dos conservadores católicos romanos e ao "culto da feiura" dos "progressistas". (…)

Poderíamos adicionar o conservadorismo tolerante, pois os anglicanos preferem o diálogo e o uso da razão às polêmicas onde cada parte acredita possuir a verdade. Estamos muito ligados à moderação e à busca do meio-termo (via média) entre os extremos.» Reverendo Chadwick

Assim como o padre Barthe fala de "tradicionalismo esclarecido" a respeito de Ratzinger, o reverendo Chadwick aborda o tema do "conservadorismo tolerante". Com o devido tempo, a recente visita do Dr. Williams, o suposto arcebispo de Cantuária, ao Vaticano em 23 de novembro de 2006, e a oração de Ratzinger voltada para Meca em 30 de novembro de 2006, na mesquita azul de Istambul, parecem sugerir que a expressão "conservadorismo tolerante" é mais apropriada para designar o sucessor de Wojtyla, e que o reverendo Chadwick usou uma formulação mais precisa. A retórica do padre Barthe ainda precisa de alguns progressos, e, para melhor se impregnar do "espírito sutil" próprio dos anglicanos, o cronista religioso de Catholica poderia realizar alguns estágios complementares em Oxford ou Cambridge, entre duas reuniões do G.R.E.C. do padre Lorans.

Para ilustrar o projeto de Ratzinger, conforme ele o compreende, o padre Barthe recorre à imagem de uma «remontagem de dentro», aplicando-a prioritariamente à questão litúrgica:

«Se é verdade que a nova liturgia foi a transposição cultual da perturbação eclesiológica do evento Vaticano II, é claro que, ao contrário, a "remontagem de dentro" estimada por Bento XVI se manifesta, antes de tudo, por uma resacralização da liturgia.» Padre Barthe, 20 de novembro de 2006

E o padre Barthe afirma que Ratzinger buscaria o apoio das forças da Tradição católica para sustentá-lo em sua reavaliação do Vaticano II:

«Um nó une dois elementos do pensamento ratzinguiano:, por um lado, uma crítica implícita, em forma de "boa interpretação", da reforma de Paulo VI, ao menos como se desenvolveu no campo; e, por outro lado, um desejo mais ou menos acentuado, conforme o caso, de "ecumenismo" em direção ao mundo tradicional, considerado como um conservatório da liturgia e da doutrina de "antes".» Padre Barthe, 20 de novembro de 2006

image011.jpgPortadores de candeias em uma «missa» anglicana inválida (Filadélfia 2006)

E, chegamos, assim, ao verdadeiro objetivo do padre Barthe: trata-se de unir toda a Tradição católica, qualificada como «polo tridentino», ao redor de Ratzinger:

«Para dar uma nota "política", eu diria que tudo empurra os dois polos tridentino e ratzinguiano, certamente muito desiguais quanto à sua importância numérica, não para se fundirem, mas para estabelecer uma frente comum, tanto do ponto de vista da missão pastoral nas dioceses francesas em processo de desertificação, quanto do ponto de vista da liturgia.» Padre Barthe, 20 de novembro de 2006

E o padre de Cacqueray se apresenta para apoiar essa «frente comum» dos polos tridentinos e ratzinguianos, precipitando nela a obra de preservação do Sacerdoce de Mons. Lefebvre:

«Se a Fraternidade mudar de estratégia e adotar os acordos práticos, porque, afinal, a questão é essa: teremos mais chance de obter a progressão da Tradição aceitando agora uma evolução canônica?»

«A luta que travamos é a luta pelo retorno de Roma à sua Tradição.»

«E, no final, esta é a única questão que nos importa: qual é a maneira de pôr fim a esta horrível crise da Igreja e fazer com que Roma recupere sua Tradição.» Padre de Cacqueray, 27 de setembro de 2006

Mas qual será então o meio para o padre Barthe? Ele propõe, então, a ideia de «reforma da reforma» e insinua o Motu proprio para a «liberalização» do rito de São Pio V:

«Certamente, se, por um lado, em certos lugares, paróquias, comunidades, a “reforma da reforma” for suficientemente longe para oferecer aos católicos ligados ao rito tridentino a possibilidade de participar de cerimônias dando um espaço considerável às formas tradicionais, e se, por outro lado, a liberalização do rito de São Pio V for suficientemente significativa, o movimento de transição seria consideravelmente acelerado.» Padre Barthe, 20 de novembro de 2006

O reverendo Chadwick se inscreve na mesma perspectiva e dobrou a extensão das facilidades concedidas ao «polo tridentino» em relação aos anglicanos do TAC. Para o reverendo Chadwick, o futuro documento de Motu proprio tão aguardado pelos padres Lorans e de Cacqueray, assim como por Mons. Fellay, simbolizará a «unidade na diversidade».

«Conhecemos nossas fraquezas e nossas forças, e confiamos que a Igreja católica romana contemporânea irá assumir essas diferenças, assim como com aqueles que se apegam à tradição tridentina. É apenas hoje que a Igreja católica romana começa a conceber a unidade na diversidade, à luz da possibilidade de que Bento XVI publique um documento para liberar o uso do rito pré-conciliar para aqueles que o desejam. É incrível que alguns bispos franceses não consigam tolerar a presença de dois ritos na Igreja, enquanto a missa chamada de Paulo VI não é uniforme entre duas paróquias da mesma diocese! O "glasnost" e a "perestroika" que estão chegando à Igreja só podem encorajar os católicos anglicanos em nossa busca por unidade.» Reverendo Chadwick

Assim, vemos pela convergência, senão a identidade dos discursos, quão próximo é o projeto do padre Barthe de reunir a Tradição católica (inclusive a FSSPX) ao redor de Ratzinger, do mesmo modelo que o desenvolvimento da High Church e de seu sucedâneo contemporâneo, o TAC, em relação à Comunhão Anglicana.

O pivô de tal estratégia, é por isso que foi sugerido a Mons. Fellay e ao padre de Cacqueray que se envolvessem no pré-requisito da «liberalização» do rito de São Pio V. Hoje, vemos a manifestação dessa implementação da estratégia do padre Barthe quando as autoridades da FSSPX lançam a impostura do «bouquet» espiritual do milhão de terços ou durante o lançamento da operação DVD pelo padre de Cacqueray em 7 de dezembro de 2006.

image012.jpg«Ecce Agnus Dei» em uma «missa» anglicana inválida (Filadélfia 2006)

Este mesmo padre de Cacqueray que se atreve a afirmar que Ratzinger teria agora se unido a Mons. Lefebvre em seu diagnóstico sobre a revolução na Igreja. O padre de Cacqueray repercute o discurso que lhe é apresentado pelo padre Lorans, membro do G.R.E.C. Isso aconteceu em 27 de setembro de 2006 na Mutualité em Paris:

«Paulo VI, primeiro mitigado, depois o papa João Paulo II e então Bento XVI, que finalmente vão apresentar o mesmo diagnóstico que foi inicialmente feito por Mons. Lefebvre e, em seguida, pela Fraternidade.»

«Vemos claramente (...) Roma atualmente (...) o papa e os principais de seus colaboradores reconhecem essa crise da Igreja que Mons. Lefebvre havia diagnosticado e percebido muito tempo antes. Vemos claramente essa necessidade em que Roma se encontrou de se alinhar com o que Mons. Lefebvre havia dito.» Padre de Cacqueray, 27 de setembro de 2006, Paris

E o reverendo Chadwick aprova a integração da FSSPX dentro da Igreja conciliar. Ele coloca diretamente em paralelo esse «processo de integração» e essa «reforma da reforma», da qual ele diz explicitamente que tem seu modelo anglicano na «reforma da reforma» de Cranmer operada pela High Church no século XIX.

«Acredito na reforma da reforma, como fizemos no anglicanismo. É preciso antes de tudo restaurar a missa voltada para o oriente – que esses altares supérfluos nas igrejas desapareçam pouco a pouco! O rito de Pio V deve estar disponível para aqueles que o desejam e o conhecem. Para os outros católicos, é necessário um rito simples, sóbrio e fácil de seguir – mas não banal ou que tenha o efeito de matar o espírito daqueles que assistem.

Pessoalmente, não gosto da Fraternidade São Pio X – e sofri demais com certos padres e superiores de comunidade – mas todos têm seu lugar na Igreja católica romana. Acredito que as polêmicas acabarão gradualmente se dissipando.

Para comparar essa situação com a nossa no século XIX, é preciso conhecer um pouco da história do anglicanismo. A restauração começou pela doutrina no século XVII e, em seguida, na expressão litúrgica no século XIX. A high church influenciou a low church. Igrejas anglicanas que se assemelham a templos calvinistas são muito raras na Inglaterra. Os altares da Catedral de Cantuária são de pedra e voltados para o oriente. As igrejas anglicanas "moderadas" têm a aparência do que teria sido visto como extremamente high church na década de 1860. Espero ver o mesmo processo na Igreja católica romana, não apenas entre os tradicionalistas, mas também entre os inúmeros jovens padres diocesanos que aspiram a algo além da época passada das décadas de 1960 e 70...

«Acredito que uma parte de nossa vocação anglicana é fazer conhecida nossa experiência para mostrar que uma restauração é possível, mesmo que leve tempo.» Reverendo Chadwick[14]

Mons. Lefebvre certamente teria se surpreendido ao ouvir um anglicano defender a integração da FSSPX dentro da Igreja conciliar, assim como ao ouvir que suas lutas contra a liberdade religiosa, o ecumenismo e a colegialidade não eram nada mais do que «polêmicas» destinadas a se dissipar.

Mas Mons. Lefebvre teria ficado ainda mais escandalizado ao descobrir que seu sucessor à frente da FSSPX, Mons. Fellay, está desdobrando a maior energia para entrar nesse esquema inspirado no modelo anglicano do Pastor Pusey e dos Tractarianos.

image013.jpgÚltimo evangelho em uma «missa» anglicana inválida (Filadélfia 2006)

O padre de Cacqueray apresenta a suposta vontade de Roma de restabelecer um uso do rito de São Pio V como «incompressível» e sem problemas, não suscitando nenhuma suspeita sobre as intenções ocultas de tal plano:

«A missa de São Pio V conheceu uma nova expansão que parece ter se tornado incompressível.

Há um fenômeno de expansão da missa de São Pio V que ocorre em torno da Fraternidade; quero falar, naturalmente, dos institutos Ecclesia Dei, onde os padres celebram a missa de São Pio V.

De certa forma, o fenômeno de expansão de São Pio V parece incompressível.»

«Há um movimento a favor da missa de São Pio V que vem de Roma. É possível que, durante a vida desse papa, cheguemos a uma liberdade para a missa de São Pio V. A liberdade parece dever ser concedida.»

«Hoje, há algumas nuances no discurso romano que mostram que Roma não se sente mais tão segura em manter um discurso de condenação. O papa Bento XVI falou a Mons. Fellay sobre o venerável Mons. Lefebvre. O papa Bento XVI reconheceu que havia um caso de necessidade para a França e a Alemanha.» Padre de Cacqueray, 27 de setembro de 2006, Paris[15]

O plano que descreve o padre Barthe é inteligente. Não foi ele quem o concebeu, mas ele se baseia na experiência anglicana, e o cronista religioso de Catholica se tornou seu agente discreto desde pelo menos 1997. Após sua expulsão da FSSPX e seu fracasso na organização da rede do Instituto Cardinal Pie nos anos 1980, o padre Barthe procurou uma nova atividade.

Pretendendo estar em um estado de «apesanteur canonique», desprovido de uma verdadeira carga paroquial, ele teve quase tempo integral para desenvolver uma atividade multi-tentacular voltada para a criação de uma rede com o objetivo de capturar a FSSPX e garantir o sucesso da «reforma da reforma». Não dispondo visivelmente dos recursos que vêm com uma paróquia ou com a pertença a um Instituto ou a uma Fraternidade, nos questionamos sobre as fontes de financiamento de toda essa atividade do padre Barthe.

Ele esteve envolvido, quase desde a fundação do G.R.E.C. do padre Lorans em 1998, e depois participou de colóquios públicos organizados por seus comparsas, os padres de Tanoüarn ou Lorans. Ele agiu durante a revolta dos Mutins contra Mons. Fellay no verão de 2004, e depois participou do congresso dos mutinos em 6 de fevereiro de 2005, ajudou o padre de Tanoüarn a lançar o Centro São Paulo logo após sua expulsão, e seu nome também está ligado à criação do Instituto do Bom Pastor[16]. Ele reapareceu em encontros na Mutualité em novembro de 2005 e novembro de 2006.

Participa ativamente do C.I.E.L. (Centro Internacional de Estudos Litúrgicos)[17], e proferiu em setembro de 2006 uma conferência[18] em Oxford, em um colégio anglicano. Ele participa assiduamente do G.R.E.C., onde pronunciou em 28 de abril de 2006 uma conferência («Proposição para uma paz na Igreja») que, por assim dizer, dá a «folha de rota» de Mons. Fellay[19]. O número 93 de Catholica (outono de 2006) publicou o texto dessa intervenção. Emmanuel Ratier escreve em Faits et documents que o padre Barthe é um amigo pessoal de Ratzinger.

Ao afirmar que Mons. Fellay aplica o que o padre Barthe explicita, o padre Lorans, seu parceiro no G.R.E.C., atuando como um elo de ligação, acreditamos que não estamos longe da verdade.

image014.jpgMons. Fellay com a carta de junho de 2006 de Castrillon Hoyos que lhe propõe um «status canônico» inesperado

É necessário, de fato, nuancear essa afirmação, pois a rede alemã liderada pelo padre Schmidberger também é ativa. Além disso, não devemos esquecer o papel obscuro de Mons. Williamson, cuja função consiste em monitorar, contatar e neutralizar qualquer reação que se mostre um pouco mais perigosa. Teremos a oportunidade de voltar à falsa oposição estéril de Mons. Williamson, pois aqui também a perspectiva anglicana se revela frutífera para entender melhor os papéis ocultos e as estratégias secretas que influenciam a FSSPX desde a morte de Mons. Lefebvre.

Se tivéssemos que ilustrar o padre Barthe tomando como exemplo um dos homens de redes que ajudaram a impulsionar a revolução da Igreja antes do Vaticano II, entre o padre Portal, Dom Beauduin, Dom Botte ou outros, destacaríamos a figura do Padre Couturier. Também dispensado de todo ministério, ele se dedicou inteiramente ao ecumenismo. O reverendo Chadwick presta, aliás, homenagem ao padre Portal e ao Padre Couturier.

Depois de tudo que acabamos de citar e dos outros textos do site Civitas Dei[20], é mais do que certo que o reverendo Chadwick irá apoiar totalmente a operação DVD «Rito de São Pio V» que será lançada pelo padre de Cacqueray, ao lado do padre de La Rocque, em sua conferência de imprensa em 7 de dezembro de 2006 em Paris.

image015.jpgProcissão de saída em uma «missa» anglicana inválida (Filadélfia 2006)


[13] Sobre esta questão, ler: http://www.mostholyfamilymonastery.com/siri_election.html

Malachi Martin se expressou sobre a questão. Um diário italiano da época relatou uma fumaça inicialmente branca que se tornou preta trinta minutos depois. Uma explicação constrangedora foi dada tentando justificar o fato por um erro nos fornos. Desde então, um relatório desclassificado do FBI confirmou a eleição do Cardeal Siri. Mais recentemente, em setembro de 2004, o Padre Charles-Roux, cujo pai foi embaixador da França junto ao Vaticano até a Segunda Guerra Mundial, fez confidências à Inside the Vatican, revelando que a eleição de Roncalli foi irregular e que Roncalli quis mostrar isso ao escolher o nome de um antipapa do século XV:

“Houve certas irregularidades sobre a eleição durante aquele conclave de 1958, como o Cardeal Tisserant reconheceu. Alguns dizem que Agagianian foi eleito, outros Siri, outros algum outro cardeal, e que o camerlengo (camarista) então anulou a eleição. De qualquer forma, tenho certeza de que João XXIII escolheu seu nome, o nome de um antipapa do século XV, de forma bastante consciente, para mostrar que havia sido eleito irregularmente.” – Fr. Charles-Roux, Inside the Vatican, 09/04, p. 41. O Pe. Roux era um sacerdote que celebrou a Missa no set de A Paixão de Cristo.


[14] http://perso.orange.fr/civitas.dei/blog_fr.htm

[15] http://www.virgo-maria.org/articles/2006/VM-2006-10-12-E-00-DIAPO_Oeuvre_de_Mgr_Lefebvre_trahie_par_Menzingen.pdf

[16] O padre de Tanoüarn agradece-lhe por ter possibilitado o estabelecimento de contatos com Roma.

[17] http://www.ciel2006.org/

[18] Ver a foto do padre Barthe em conferência em Oxford no colégio anglicano onde se reunia o CIEL: http://www.ciel2006.org/2.html

[19 http://www.virgo-maria.org/articles/2006/VM-2006-11-11-A-00-Le_plan_melchito_chinois_de_Mgr_Fellay.pdf