CAPÍTULO VII - A IMPOSTURA GUENONIANA: O MITO DO ANDRÓGINO OU O DEMÔNIO SUBSTITUI CRISTO


1 - O Rebis Alquímico

Por qual nome devemos designar o estado híbrido do "homem-mulher", que se diz ser nosso ancestral? Deve-se dizer androgynat, androgynité ou androgynie? Na literatura gnóstica e esotérica contemporânea, encontramos alternadamente essas três denominações. Escolheremos androgynie, por analogia com a palavra já antiga de misoginia que apresenta a mesma desinência.

Os representantes da escola guenoniana se dedicaram a encontrar a linhagem andrógina entre os autores religiosos e principalmente profanos da Idade Média. Eles não tiveram grande dificuldade em encontrá-la lá. Embora totalmente contrária ao espírito realista do Cristianismo, a fábula que nos ocupa perpetuou-se entre pensadores que hoje chamaríamos de marginais e que tiveram, mais ou menos gravemente, conflitos com as autoridades eclesiásticas e reais.

Entre os adeptos e propagadores dessa ideia tão pouco cristã, geralmente se cita Marsilio Ficino, que foi cônego da catedral de Florença, no século XV. Ele era um apaixonado neoplatônico e professava grande admiração pelo conteúdo mítico do "discurso de Aristófanes" no Banquete de Agatão, discurso que ele levava muito a sério. Para ele, não havia dúvida de que existisse uma androgynie arquetípica e que esses seres híbridos, redondos e poderosos, fossem nossos verdadeiros ancestrais.

Que o mito do andrógino também seja encontrado, e com mais razão ainda, entre os alquimistas, não surpreenderá ninguém. No entanto, é preciso saber que o andrógino alquímico apresenta duas características. Em primeiro lugar, ele aparece em formas particularmente enigmáticas e geralmente é necessário saber descobri-lo através de circunlóquios estranhos; isso é de se esperar quando se conhece os hábitos de linguagem tão peculiares desses escritores. E em segundo lugar, ele assume uma natureza não mais teológica, mas cosmológica, pois os alquimistas estão principalmente orientados para a filosofia do cosmos.

Entre os nomes que dão ao seu andrógino, um dos mais frequentes é o de Rebis, literalmente "a coisa dupla". E a coisa dupla é encontrada em toda parte na natureza, porque o cosmos é, para os alquimistas, um imenso andrógino, com sua polaridade masculina e sua polaridade feminina. Essa dupla polaridade se reflete em todos os níveis do universo.

Não podemos seguir aqui, em detalhes, toda a linhagem andrógina entre os hermetistas, alquimistas e rosacruzes da Idade Média. E reconhecemos as evidências de erudição conforme reunidas pela escola esotérica atual, que de fato elucidou muito bem essa filiação clandestina.

Mas, é claro, mesmo aceitando a existência e as modalidades dessa "tradição andrógina", afirmamos que ela não pertence à verdadeira Tradição apostólica da qual a Igreja é guardiã. O andrógino é certamente transmitido por uma tradição, mas não é a autêntica Tradição cristã, à qual esse mito sempre permaneceu estranho.

2 - O Sapateiro de Görlitz

No início do século XVII, na época em que Henrique IV e Luís XIII reinavam na França, foram publicadas na Alemanha as estranhas visões de Jacob Böhme, o famoso sapateiro de Görlitz, uma pequena cidade prussiana na Silésia, às margens do rio Neisse, aproximadamente equidistante de Leipzig e Breslau.

O "Philosophus teutonicus", como ele foi chamado, expõe em seus escritos os dados místicos com os quais sua natureza exaltada o agraciou. Ele mesmo os considera autênticas revelações divinas, pelo menos é isso que ele diz. Mas, do ponto de vista do cristão, elas indubitavelmente pertencem à categoria da falsa mística.

Segundo as supostas revelações de Jacob Böhme, Adão teria sido originalmente andrógino. Ele possuía, escreve ele, os dois "tintes sexuais", o que lhe conferia a "totalidade humana", ou seja, a plenitude da força orgânica, juntamente com o conhecimento das coisas ocultas. Em seguida, ele teria cometido um erro ao se deixar envolver pelo sono. A punição por esse erro foi sua separação de Eva. Devido a essa mutilação, Adão perdeu sua força física e seu conhecimento místico. Ele se tornou um animal. Por outro lado, Eva, por não ter, como tal, participado do erro de Adão, pôde desempenhar junto a ele o papel de uma companheira reparadora, representando a divina Sophia.

Portanto, para Böhme, o erro precede a separação dos gêneros, enquanto no texto do Gênesis é o oposto: o erro ocorreu quando os gêneros já estavam distintos. Também se observam muitas outras divergências. É evidente que J. Böhme utiliza a Escritura de uma maneira extremamente livre, e nos perguntamos como ele poderia acreditar na autenticidade divina de suas visões.

De qualquer forma, o andrógino faz, com ele, uma nova aparição. Mas não é mais como uma reminiscência de um mito do passado; é como uma nova e atual dada mística.

As "revelações" de J. Böhme transportam a androginia até o seio da Divindade. A escola esotérica moderna o cita com grande seriedade e o "philosophus teutonicus" é considerado um dos grandes doutores da mística universal. Mircea Eliade o menciona em seu "Méphistophélès et l’Androgyne". Ele escreve o seguinte no capítulo II (página 147):

"Para Böhme, o sono de Adão representa a primeira queda. Adão se separou do mundo divino e 'imaginou-se' submerso na Natureza, e, por esse fato, degradou-se e tornou-se terreno. A aparição dos sexos é uma consequência dessa primeira queda".

Essas mesmas ilusões de clarividência se reproduziram em muitos iluminados dessa época e se perpetuaram até os dias de hoje. Não podemos enumerar aqui toda essa floração de falsa mística. Mencionaremos apenas o caso muito típico de Emanuel Swedenborg.

Ele era filho de um bispo luterano da Suécia. Ele escreveu principalmente na segunda metade do século XVIII, ou seja, mais de um século após J. Böhme. Ele afirma ter desfrutado inúmeras visões de Deus e dos anjos e ter tido conversas intermináveis com eles. Ele publica o relato delas em muitas obras, nas quais todos aqueles que gostam do encanto onírico se regozijam: "Os Segredos Celestes", "Coisas Ouvidas e Vistas no Céu e no Inferno", "A Jerusalém Celeste", "A Ciência Angélica e o Amor Divino", "A Verdadeira Religião Cristã ou a Teologia da Nova Igreja".

Emanuel Swedenborg declara que veio trazer à terra o sentido espiritual das Escrituras até então desconhecido. Entre suas revelações, destaca-se o andrógino, e é por essa razão que o mencionamos aqui. Estamos diante de um novo andrógino, que não é mais tradicional, mas místico desta vez. J. Böhme e E. Swedenborg não herdaram a ideia androgínica de uma tradição anterior. Eles a reinventaram completamente. Ela está presente neles "em estado nativo", para usar a linguagem dos alquimistas. Eles a receberam por revelação direta. E, curiosamente, o novo andrógino "místico" coincide em todos os aspectos com o antigo andrógino "tradicional". Em suma, esses dois visionários se comportaram como os adivinhos da Antiguidade pagã quando revelavam, em nome dos deuses, ou seja, dos demônios ocultos por trás das ídolos, os mitos e as genealogias das divindades do Olimpo. Böhme, Swedenborg e todos os outros nos revelam o mesmo mito porque têm, séculos depois, os mesmos inspiradores, vindos do Poço do Abismo.

3 - Séraphitus - Séraphita

Sabemos da grande influência que as visões de J. Böhme e os livros de E. Swedenborg exerceram sobre a primeira geração dos românticos alemães. Entre os temas que eles emprestaram do "Philosophus teutonicus", podemos destacar o do andrógino. É graças aos românticos alemães que esse mito, ao mesmo tempo antigo e novo, ganhou uma extensão popular.

Aqui apresentaremos apenas um exemplo desses empréstimos, embora haja muitos outros para citar. François Xavier Baader (1765-1841), inicialmente naturalista, tornou-se depois filósofo e lecionou na Universidade de Munique. Seu sistema apresenta uma extraordinária mistura de misticismo e sã crítica. Ao que parece, ele tinha uma inclinação pessoal pelo Catolicismo, desde que estivesse livre do papado, e ele colocava a Igreja Grega muito acima da Igreja Latina.

É evidente que F.-X. Baader tinha elementos para atrair as simpatias da escola esotérica moderna. Jean Libis, no livro "O mito do andrógino", cita dele a seguinte frase, bastante característica de fato:

"O amor só é verdadeiro se o homem e a mulher não são interiormente nem homem nem mulher."

Uma concepção singular. F.-X. Baader acreditava que nosso esforço na terra deveria ser acelerar a restauração, inevitável aliás, de nossa androginia primordial. Pois começou-se a falar, um pouco por todo lado, de uma androginia escatológica, isto é, da androginia considerada como o último fim do homem: quando chegar a restauração de todas as coisas, os homens se tornarão novamente, como antes da queda, seres híbridos, portanto perfeitos, poderosos e felizes. F.-X. Baader não é o único escritor romântico alemão que foi fascinado pelo andrógino. Jean Libis, que examinou cuidadosamente o assunto, também cita Karl Ritter: 

"Os pensadores românticos, mais receptivos do que seus antecessores às solicitações do inconsciente, às vezes sentiram profundamente, sem no entanto procurar teorizar de forma sistemática, a tragédia existencial que transparece na condição sexual do homem. Assim, para Karl Ritter, a diferença dos sexos é a causa de todos os nossos males, de tal forma que apenas a futura vinda do androgino é capaz de abolir nosso infortúnio ontológico." (O Mito do Andrógino, página 223).

Interrompendo aqui os exemplos dos escritores românticos alemães, chegamos a um romance francês de Balzac, intitulado "Séraphita". O herói deste romance é simplesmente um hermafrodita, cujo nome é duplo; ele se chama "Séraphitus-Séraphita".

Quanto à heroína, ela se chama Minna e está apaixonada por Séraphitus, de quem irradia uma beleza transcendente:

"Nenhum tipo conhecido", escreve Balzac, "poderia dar uma imagem dessa figura majestosamente masculina para Minna, mas que, aos olhos de um homem, eclipsaria, por sua graça feminina, as mais belas cabeças devido a Rafael". E Balzac nos faz redescobrir, nos desenvolvimentos que se seguem, que a essência de seu herói é propriamente angelical, daí seu nome "Séraphitus-Séraphita". É, para concluir, um anjo descido à terra; um anjo ou melhor um demônio.

Entre os continuadores franceses deste tema "romântico alemão", não podemos deixar de mencionar Josephin Peladan (falecido em 1918), que se deu o título de "Sâr" e cujas ideias ocultistas e rosacrucianas são conhecidas. Ele escreveu cerca de vinte obras, incluindo um romance intitulado precisamente "O Andrógino". É mais um manifesto ideológico que trata da origem e das finalidades androgínicas do homem.

4 - O Inconsciente Coletivo

A ideia andrógina, proveniente dos recônditos da História, alimentada pelos falsos místicos de todos os tempos e especialmente pelos iluminados que precederam o romantismo, agora será tratada como objeto de estudo por acadêmicos de todas as esferas, que lhe conferirão uma aparência inteiramente científica. Eles aplicarão a este objeto de estudo os métodos mais modernos da arqueologia, da etnologia, da psicologia e das disciplinas da vida.

Não podemos descrever aqui todos os esforços de investigação que foram empreendidos nesse sentido. O mais conhecido desses investigadores é o erudito suíço Carl Gustav Jung, o continuador de Freud. Sua doutrina e seus métodos são bem conhecidos. Ele estuda todos os mitos (incluindo o mito do andrógino entre eles) como expressões da psicologia coletiva. Os mitos são, para ele e sua escola, apenas formulações desse inconsciente coletivo que permeia toda a história humana.

Segundo ele, os mitos expressam, sob formas mais ou menos poéticas ou esquemáticas, as nostalgias passadas, os medos ancestrais, os desejos e as pulsões subterrâneas duradouramente sentidas pela humanidade. O inconsciente coletivo seria o veículo que transportaria, de geração em geração, essas nostalgias, esses medos, esses desejos e essas pulsões.

E qual é a faculdade psicológica que poderá sondar esse fluxo e extrair da reserva assim transportada? É a faculdade mística dos contemplativos. Os contemplativos de todas as épocas, de qualquer religião a que pertençam, quando colocados em contato, por meio dos vários processos de meditação intensa, com o inconsciente coletivo, extraem dele e conseguem formular os temas que esse inconsciente transportou até eles. São essas formulações que constituem os mitos. E esses mitos são sempre os mesmos, indefinidamente reformulados, porque, embora os contemplativos se sucedam e se renovem, o inconsciente coletivo, ele, permanece idêntico a si mesmo.

E assim, de acordo com esses acadêmicos universitários, o inconsciente coletivo é suficiente. Não há necessidade de imaginar, como fazem os cristãos, inspiradores externos ao homem. Não há necessidade de dividir a mística em verdadeira e falsa mística, de acordo com a qualidade do inspirador eventual. Há apenas uma única e mesma mística universal, que não é outra coisa senão o estado em que o contemplativo se encontra, qualquer que seja sua confissão, quando se concentra e deixa o inconsciente coletivo falar nele. O andrógino é precisamente um desses mitos, transmitido sub-repticiamente e expresso periodicamente. Portanto, tem uma origem natural.

Com a origem natural do mito do andrógino agora estabelecida (pelo menos na mente desses autores), uma nova questão surge. Como vamos interpretar o próprio mito? Qual é o seu significado? O que aconteceu historicamente para que o inconsciente coletivo fosse tão fortemente impressionado e para que ele transmitisse um mito andrógino tão distante do estado atual das coisas?

O mito prova duas coisas, nos dizem os estudiosos esotéricos. Ele prova uma lembrança e ele prova um desejo. Primeiro, prova que a humanidade conserva inconscientemente a lembrança de um estado primitivo de tipo híbrido. E depois, prova que ela sente o desejo de retornar, em um futuro impreciso, a esse estado híbrido para ser aliviada de um desequilíbrio atualmente experimentado.

O cristão que examina essas doutrinas com um olhar crítico também faz uma pergunta. Acabamos de ser provados quanto à existência de um mito e sua antiguidade. Mas devemos concluir que o ancestral andrógino realmente existiu? Pois é muito possível que ele seja (considerando apenas considerações naturais) não uma verdadeira lembrança, mas uma construção imaginativa provocada por um certo desconforto, sem que haja originalmente uma lembrança pré-histórica.

Os esoteristas não respondem claramente a essa pergunta. Eles deixam seus leitores na expectativa. Mas eles não excluem um andrógino pré-histórico e consideram a universalidade e a antiguidade da lenda como uma forte presunção a favor disso. Vimos que o cristão dá a essa universalidade e antiguidade uma explicação completamente diferente. E vamos voltar a isso em nossa conclusão.

Por outro lado, o que os esoteristas afirmam firmemente é a verdade "metafísica" da androginia arquetípica no pensamento divino. Para Mircea Eliade, a androginia ancestral, embora não seja cientificamente demonstrável, é muito provável filosoficamente. Isso ocorre porque é ordenado pela androginia divina, que para ele não deixa dúvidas por uma razão muito simples: ela realiza a harmonia dos contrários.

"A perfeição, portanto, 'O Ser', consiste essencialmente na unidade-totalidade. Tudo o que 'é por excelência' deve ser total, envolvendo a coincidentia oppositorum em todos os níveis e em todos os contextos... Como a androginia é um sinal distintivo de uma totalidade originária na qual todas as possibilidades estão reunidas, o homem primordial, o ancestral mítico da humanidade, é concebido, em muitas tradições, como andrógino" (Méphistophélès et l’Androgyne, páginas 155 e 160).

Ele é "concebido" como andrógino pela tradição, mas não nos afirmam que ele realmente o foi. Mas o que é andrógino com certeza é o modelo divino em conformidade com o qual o ancestral foi criado.

Quanto à androginia futura da humanidade, no retorno à era dourada, algumas interpretações a envolvem em circunlóquios que demonstram grande maestria linguística. Em outros casos, ela é claramente afirmada e profetizada:

"Assim, Kosta Axelos não hesita em nos dizer que talvez estejamos nos encaminhando para um estado de transsexualidade, sendo o problema, no entanto, saber se estamos nos dirigindo para o estabelecimento do hermafroditismo, portanto, para um estado bi-sexuado, ou para um estado a-sexuado" (citado por Jean Libis em "Le Mythe de l’Androgyne", página 152).

5 - A fascinação hermafrodita

Pode-se dizer que a noção andrógina exerce uma verdadeira fascinação sobre os membros da escola esotérica contemporânea. Tornou-se um dos temas mais constantes de sua doutrina, um dos mais frequentemente encontrados. Então, quais benefícios eles esperam disso? Veremos que são muitos.

Mas vamos primeiro listar alguns dos escritores recentes que estudaram esse mito. Todos o fizeram com um espírito de investigação científica, é claro, pois essa é a moda do dia, mas sem deixar de manifestar sua incontestável adesão.

Os dois pensadores que mais vigorosamente reavivaram a ideia andrógina (um pouco esquecida durante a grande moda das doutrinas transformistas) são René Guénon e Julius Evola. Nenhum dos dois dedicou uma obra exclusivamente a essa questão, mas ambos a abordaram em seus trabalhos em geral. Evola retorna especialmente a ela em dois de seus livros "A Metafísica do Sexo" e "A Tradição Hermética". Quanto a Guénon, ele fala sobre isso em toda a sua obra e especialmente em "O Simbolismo da Cruz", pois coloca o andrógino no centro do "Vórtice Esférico Universal", que, segundo ele, é a forma mais perfeita da cruz.

Guénon e Evola foram seguidos por toda uma escola. Primeiramente, em 1938, destacamos o trabalho de Jean Halley des Fontaines, "La notion d’androgyne dans quelques mythes et quelques rites". Em seguida, temos um livro frequentemente citado, "Hermaphrodites" de Marie Delcourt, publicado pelas Presses Universitaires de France, Paris, em 1958. Depois, em 1962, pela editora Gallimard, na coleção "Idées", o livro de Mircea Eliade, "Méphistophélès et l’androgyne".

"Les Hermaphrodites" de Carris Beaume e G. Busquet, pela J.C. Simoen Éditions, foi publicado em 1978. No mesmo ano, pela editora Aubier, J.H. Maertens publicou "Le corps sexionné"; o título em si já indica claramente as duas ideias de "sexo" e "seção".

Um livro extenso de Jean Libis, muito bem documentado, foi lançado pela Berg-International em 1980, na coleção "L’Ile Verte": "Le mythe de l’androgyne". Ele aborda a questão de forma muito abrangente e, ao mesmo tempo, não esconde sua adesão ao mito. Sua conclusão, muito característica da escola que estamos estudando, merece ser citada:

"Dessa forma, o andrógino é o alfa e o ômega da história do mundo. E quando a exigência de cientificidade vem desencantar o conteúdo dos mitos, mostrando o caráter precário e caduco de nossas 'explicações', o andrógino, movido por alguma instância poderosa do inconsciente coletivo, se aloja nas construções da literatura, nas produções das artes plásticas. Melhor ainda, ele ressurge no próprio terreno que pretendia reduzi-lo, no terreno da desmistificação; nesse sentido, seu sucesso dentro das teorias psicanalíticas é o sintoma de sua vivacidade".

Muitos outros pensadores dessa mesma escola trataram do andrógino incidentalmente, em obras onde não é o assunto principal. Por exemplo, Mircea Eliade em "Mythes, rêves et Mystères". Outro autor frequentemente citado é A. Nygren, em "Eros et Agapé" (Aubier, Paris, 1952). Não podemos esquecer a documentação sempre precisa de Serge Hutin em "Histoire des Roses-Croix" (Paris, 1955).

Todos os livros relacionados à alquimia contêm seu capítulo sobre o andrógino. Aqueles dedicados à "alquimia operativa" falam do andrógino cósmico e até da pan-androginia universal. E os livros sobre "alquimia espiritual" descrevem longamente a reconstituição do andrógino primordial por meio da contemplação hermética.

A maçonaria, como se pode imaginar, não fica imune à fascinação hermafrodita. É até provável que a estimule e a oriente. Aqui está um trecho da publicação "Points de vue initiatiques" de 1982, n° 44, página 52. O autor apresenta os dois santos João, o Evangelista e o Batista, como formando juntos o andrógino johânico:

"Leonardo da Vinci nos lembra o caráter solar de São João Evangelista, portador de luz, encarnação do Fogo-princípio e que, unido ao Batista, realiza o andrógino primordial, produto puro da Beleza, nascido da harmoniosa conjunção do divino e do humano, da encarnação divina no humano."

«E pode-se refletir sobre o significado que Leonardo da Vinci atribuía, como um conhecedor dos arcanos da Cabala, a esse andrógino johânico também encarnado em seu Dionísio e em sua Mona Lisa».

Este trecho da revista maçônica "Points de vue initiatiques" mostra que o andrógino, na mente de seus adeptos, não é de forma alguma uma unidade procriadora; não é um germe; não é uma família virtual; é, ao contrário, um casal deliberadamente estéril; ele alcança seu equilíbrio por meio de autocontemplação. Já encontramos essa esterilidade do andrógino; ela é importante e voltaremos a ela.

6 - A contaminação se espalha

A androginia se espalha até mesmo pela literatura católica. Em "La charité profanée", o Professor Jean Borella adota essa noção e pretende inseri-la no raciocínio teológico. Ele faz o mesmo com a alquimia, a gnose e muitos outros elementos doutrinários que ele empresta da escola esotérica.

Primeiramente, observamos que Jean Borella é favorável à androginia ancestral:

"A relação pré-existente ao êxtase dos amantes, na verdade, está fundamentada na pré-existência do andrógino primordial, no qual homem e mulher estão unidos no início do mundo" (página 308).

"Se no 'êxtase' a natureza suspira pela unidade do andrógino, na 'amizade', a natureza suspira pela singularidade da essência 'humanidade' repetida na multiplicidade dos sujeitos individuais" (p. 307).

O mesmo autor também adota a ideia da androginia de Cristo. Ele escreve, em nota nas páginas 310 e 311:

"A sacralização do êxtase é o casamento; a relação de unidade, de acordo com a estrutura do amor em geral, é assumida por Cristo, em sua função de Andrógino celestial".

O Professor J. Borella até mesmo enuncia uma ideia, expressa bastante raramente, a androginia de Maria:  

"Nesse sentido, a realidade mais profunda do ser mariano não é a natureza feminina, mas além da distinção masculino-feminino" (página 344 em nota).

Finalmente, para o Professor Borella, a vida mística de cada alma consiste na "reconstituição do andrógino primordial", como é dito em toda parte pelos adeptos da mística universal:

"Segundo a natureza, o êxtase manifesta a polaridade cósmica masculino-feminino, cujo protótipo simbólico é a polaridade do céu e da terra. A energia do êxtase, que atrai os sexos um para o outro, tem seu princípio no desejo de reconstituir o andrógino primordial. Como tal, esse amor não é amor por uma pessoa, mas pela natureza masculina ou feminina" (página 305).

Este trecho deve ser associado ao seguinte:

"Também em nós mesmos é necessário restaurar o andrógino primordial através da 'metanoia' do 'eu' que se desvia da psique fascinadora e se volta para o sol espiritual" (página 312).

A adesão do Professor J. Borella a esse tema essencial da escola esotérica não deixa absolutamente nenhuma dúvida. Mas ele não é o único. Janine Chanteur publicou recentemente um livro intitulado "Platão, o desejo e a cidade". O Professor Claude Rousseau dedicou a este livro um artigo analítico na "La Pensée Catholique" de março-abril de 1981, nº 191, e neste artigo, ele parabeniza Janine Chanteur por uma passagem que lhe agradou e "onde ela restitui ao mito do andrógino sua sutil verdade, até então imperceptível pelos comentaristas".

Quanto a nós, sobre o andrógino, não falamos de "verdade sutil", mas de sutil erro.

7 - O serpente Ouroboros

O andrógino é frequentemente descrito por seus adeptos com traços tipicamente angelicais, muitas vezes por meio de alusões nebulosas, mas às vezes de forma muito clara. Podemos citar muitos exemplos desse "angelismo". Jean Libis nos fornece dois exemplos. O primeiro é dedicado ao hermafrodita na arte medieval; este parágrafo é longo, eliminamos as partes secundárias para manter apenas as proposições principais, ou seja, o cerne do raciocínio.

Na arte medieval, portanto, para a representação do andrógino:

"O tema do anjo será o terreno preferido. O anjo reúne certas tendências fundamentais da psique: anulação de qualquer sexualidade distintiva, harmonização dos princípios masculino e feminino, conciliação do poder e da graça. Não há dúvida de que o artista, empenhado na angelologia, tinha em mente a imagem dupla de um espírito autoritário e de uma tendência feminina" (O mito do andrógino, página 155).

O autor observa que a natureza angelical coincide perfeitamente com o estado hermafrodita. Um segundo trecho do mesmo livro é dedicado ao demônio andrógino, também na arte medieval:

"Uma serpente mordendo o próprio rabo é a figura dessa erótica fechada sobre si mesma sem perda ou borrão. Reconhece-se aqui a imagem antiga da Serpente Ouroboros hermafrodita e símbolo da eternidade" (página 210).

A palavra "ouroboros" significa "aquele que se come".

Se ele é um anjo, o andrógino também é necessariamente estéril: os anjos não se reproduzem. De fato, em nenhum dos trabalhos que citamos anteriormente, se fala da prole do andrógino; ele não é feito para isso; ele não é feito para se dividir em dois e, assim, se tornar produtivo; ele é feito, ao contrário, para permanecer ele mesmo, em vista da contemplação interna e mútua, em vista do êxtase amoroso permanente.

Os romancistas frequentemente falam mais livremente do que os doutrinadores, que pesam suas palavras. O Sr. Tournier escreveu um romance que intitulou "Os Meteoros". Nele, ele opõe um casal misto tradicional, enfrentando as angústias da vida, e um casal formado por dois irmãos gêmeos.

Quando questionado por um jornalista do "Le Monde" sobre seu romance, o Sr. Tournier atribuiu ao seu casal de gêmeos as características do andrógino: "Casal indiscernível", disse ele, "casal identitário, estéril, eterno, inalterável", e J. Libis comentou assim a resposta de Tournier ao jornalista do "Le Monde":

"No imaginário de Tournier, os gêmeos são um dos avatares da unidade dual, arquetípica, sexualmente autossuficiente, transgredindo assim as leis biológicas da reprodução e, ao mesmo tempo, escapando à obra do Devir. Não estamos longe aqui do sonho dos alquimistas e de seu simbolismo hermafrodita" (página 210).

O andrógino não pode ter descendentes. Se, portanto, nosso ancestral fosse um desses seres híbridos, como ele se reproduziria? No entanto, nenhuma das inúmeras dissertações que se pode ler hoje faz essa pergunta, pois, no fundo, todas elas evoluem no sonho, na "imaginação" e, para dizer a verdade, na fascinação. Escapando a essa fascinação, o cristão sensato não pode deixar de colocar o problema e, ao mesmo tempo, dar-lhe as duas únicas soluções que ele é capaz de receber.

Ou então haveria auto-fecundação do híbrido, mas então por que os animais superiores não são também hermafroditas, já que eles "antecipam" o homem?

Ou seria a hetero-fecundação de um andrógino por outro que resolveria o problema da procriação. Mas então por que eles teriam sido híbridos se deveriam se comportar como se não o fossem?

O cristão sensato logo percebe que a hipótese andrógina acarreta consequências ilógicas e irreais. Irreais, de fato, pois a natureza não nos sugere em absoluto a ideia de uma androginia primordial. Ela nos fornece apenas evidências da distribuição universal dos animais superiores em dois gêneros distintos.

A biologia e a genética em si, apesar de algumas esperanças rapidamente frustradas, não vêm em auxílio do andrógino. E os representantes da escola esotérica invocam-nas apenas com a maior prudência, pois não lhes são favoráveis.

De que pensamento, de que inteligência, então, surgiu tal mito? Temos uma pista, pois a única consequência certa da androginia ancestral, se por acaso tivesse existido, teria sido esta: nunca teria havido o que a Sagrada Escritura chama de a descendência da mulher (semen illius, semen mulieris, Gen., III, 15), pelo motivo muito simples de que não haveria mulher.

Então, quem é a "descendência da mulher"? Os exegetas católicos são unânimes: essa expressão designa principalmente Cristo e secundariamente Maria. Cristo, de fato, é o único personagem da criação que pode ser chamado propriamente de "descendência da mulher", pois segundo a carne, ele tem apenas uma mãe e nenhum pai.

Indubitavelmente, a inteligência que, século após século, rumina em si mesma essa androginia estéril e a sugere aos "adivinhos" de todas as épocas, é a serpente erguida contra a "descendência da mulher" por um ódio implacável. "Se ao menos o primeiro homem tivesse sido andrógino!"

8 - A substituição final

O "Primeiro Adão", aquele do Jardim do Éden, nos é apresentado como um ser híbrido, meio homem, meio mulher. Veremos, em sua refutação, quais dificuldades insuperáveis encontramos nessa afirmação absolutamente infundada. E agora, segundo essa mesma escola esotérica, o que dizer do "Segundo Adão", ou seja, de Nosso Senhor Jesus Cristo? Logicamente, ele também deve ser andrógino, e até mesmo a fortiori, já que ele é o homem perfeito, servindo como modelo para o Primeiro Adão.

Alguns autores, que não são intimidados pelos textos sagrados, afirmam categoricamente: o Nazareno era andrógino. No entanto, aqueles que estão mais conscientes da impossibilidade de tal afirmação se contentam em sugerir que Jesus Cristo escondia em si traços de caráter totalmente femininos e, portanto, era secretamente andrógino.

Mas é evidente que as Escrituras não se prestam a uma exegese desse tipo. Quando mencionam o Verbo Encarnado, sempre O atribuem o gênero masculino. É um Filho que os profetas predisseram: "Porque um menino nos nasceu, um filho nos foi dado" (Isaías, IX, 6).

É um Filho que é anunciado a Maria pelo Anjo Gabriel:

"Você dará à luz um filho e lhe dará o nome de Jesus" (Lucas, I, 30).

E uma última vez, antes de encerrar a Revelação pública, o Apocalipse repete a mesma afirmação: "Então o dragão se posicionou diante da mulher que estava para dar à luz... E ela deu à luz um filho homem (filium masculum)" (Apocalipse, XII, 4-5).

Essa mulher, de acordo com o consenso dos exegetas, é a Mãe do Verbo Encarnado.

Assim, obrigados a reconhecer a masculinidade de Jesus Cristo, os autores esotéricos mais prudentes remontam a androginia até ao pensamento divino. Para eles, o primeiro pensamento divino da Encarnação é o andrógino. É por meio dele que toda a criação externa começou. Cristo e Maria vieram depois, cada um em um gênero definido, como derivados de um único andrógino arquetípico. Assim como Adão e Eva, no Paraíso, provêm, segundo eles, de um mesmo andrógino terrestre, então Cristo e Maria seriam o resultado da "divisão ideal" do arquétipo andrógino celestial.

Jean Libis, em seu livro "O Mito do Andrógino", resumiu todos esses autores afirmando, em sua conclusão:

"Assim, o andrógino é o Alfa e o Ômega da história do mundo" (página 273).

Encontraremos facilmente, nos trabalhos da mesma escola, afirmações nesse mesmo sentido. O arquétipo universal, aquele que é encontrado em tudo, é, nos dizem, o andrógino.

Agora, ultrapassar Cristo, interpor-se entre Deus e Ele, substituir-se a Ele, essa é precisamente a posição que Lúcifer cobiça. Sob o nome de andrógino, ele se atribui essa posição e a faz atribuir por alguns homens.

Não estaremos entre aqueles. Em nossa religião, não há outro arquétipo senão Jesus Cristo. Ele é o "Primogênito de toda a criação". Ele é a "Pedra angular", o "princípio e o fim". Ele mesmo disse de Si mesmo: "Eu sou o Alfa e o Ômega". Não há outro.

Não podemos deixar de aplicar à escola esotérica estas palavras de Santo Atanásio:

"Qual é a sua loucura ao proferir palavras que não foram ditas e ter pensamentos que são contrários à piedade?"

Em um próximo e último capítulo desta série dedicada ao simbolismo da cruz, mostraremos a incompatibilidade do mito do andrógino com a religião de Nosso Senhor Jesus Cristo.