CAPÍTULO IV - O SIMBOLISMO CRISTÃO DA CRUZ

"O Simbolismo da Cruz" é o título de uma obra publicada em 1931 por René Guénon, um dos principais propagadores das doutrinas islâmicas e hinduístas no Ocidente. No entanto, muitos católicos estão muito perturbados com a argumentação desenvolvida nesta obra. Eles ficam com a impressão de que a Igreja romana tem uma compreensão bastante incompleta do sentido espiritual contido no emblema da Cruz.

De fato, se acreditarmos na obra de R. Guénon, o significado profundo e real da Cruz teria se conservado intacto, não na Igreja católica, mas no Islã e nas religiões da Índia e da China. E é lá que os católicos tradicionais deveriam buscá-lo.

É evidente que não podemos ficar com essa impressão tão desagradável quanto falsa. Uma justificativa do simbolismo cristão da Cruz se impõe. Portanto, antes de expor o simbolismo da Cruz tal como ensinado por Guénon, é necessário, para que se possa estabelecer uma comparação, expor primeiro tal como ele foi transmitido, desde os Apóstolos, na crença cristã mais certa.

1 - A Cruz Latina

Antes de tudo, qual foi a forma da verdadeira Cruz? A forma sobre a qual todas as gerações de cristãos meditaram é, evidentemente, a da Cruz histórica de Nosso Senhor. Eles não meditaram sobre uma Cruz ideal imaginada por eles, mas sobre a Cruz real do Calvário. Ora, a forma tradicional da Cruz é a chamada Cruz Latina, ou seja, aquela em que a viga vertical supera, em direção ao alto, a viga horizontal em cerca de um terço da sua altura.

No entanto, essa não era a forma do instrumento de suplício utilizado pelos romanos para os escravos criminosos. Eles haviam introduzido na Palestina uma Cruz em forma de T, na qual o eixo vertical não se elevava acima da barra transversal. Assim, inscrevia-se o T (a letra tau do alfabeto grego) na camisola dos condenados. O tau havia se tornado sinônimo de morte infamante.

Os Padres da Igreja sabiam muito bem de tudo isso. Eles conheciam a existência da cruz em tau para as crucificações, especialmente a dos escravos. E, no entanto, eles não se opuseram à tradição da "Cruz Latina". Por que isso? Primeiro porque não se pode excluir que a Cruz do Gólgota tenha tido efetivamente a forma mais tarde chamada de "latina". É até provável, já que tal tradição é verdadeiramente muito geral. Pode-se compará-la à tradição, transmitida pela iconografia mais antiga, da barba usada por Nosso Senhor.

Além disso, encontra-se nos Padres outra resposta à objeção do tau:

"Supondo mesmo", dizem eles, "que as duas vigas estivessem dispostas uma sobre a outra à maneira do tau, a inscrição da Cruz, que foi acrescentada por ordem de Pilatos, era suficiente, por si só, para dar ao conjunto a forma da 'Cruz Latina'." Portanto, pode-se considerar a Cruz Latina como a forma historicamente mais provável, esteticamente a mais equilibrada e simbolicamente a mais completa, ao mesmo tempo que a mais simples. Forma, portanto, sobre a qual foi legítimo, e ainda é, basear a meditação cristã do simbolismo da Cruz.

2 - A Árvore da Cruz

É uma prática constante, desde os primórdios do cristianismo, comparar a Cruz do Calvário à árvore do Paraíso. Escritores religiosos frequentemente falam da Árvore da Cruz.

No entanto, essa comparação apresenta uma dificuldade, pois no Jardim do Éden, Deus plantou não uma, mas duas árvores: o lignum vitae, a árvore da vida, que estava no meio do jardim, e o lignum scientiae boni et mali, a árvore do conhecimento do bem e do mal, em um local não especificado nos textos. A qual dessas duas árvores a Cruz do Calvário será comparada?

Os autores cristãos são unânimes em resolver essa dificuldade ao fazerem da Cruz de Nosso Senhor a recapitulação das duas árvores do Paraíso. Eles até mesmo justificam que ela era feita de duas vigas e, portanto, provavelmente de duas árvores diferentes, talvez até mesmo de duas essências diferentes. Observa-se que a Arca de Noé foi construída com madeiras resinosas e que a Arca da Aliança era feita de madeira de acácia. Assim, a Cruz é a verdadeira Arvore da Vida. O fruto que ela deu foi o "Filho do Deus Vivo", Ele mesmo o Caminho, a Verdade e a Vida, e também o "Pão Vivo descido do Céu". O paralelo é inegável.

A Cruz também é a verdadeira árvore do conhecimento do bem e do mal. Ela tem um lado direito e um esquerdo que são o direito e o esquerdo de Nosso Senhor. A direita é o lado da eleição divina, a esquerda é o lado da reprovação. O conhecimento do bem é o conhecimento de Cristo que nos é ensinado pelo arrependimento do bom ladrão. O conhecimento do mal é o conhecimento do Anticristo que nos é mostrado pela obstinação do ladrão mau.

As duas árvores plantadas por Deus no Jardim do Éden eram apenas prefigurações, talvez distantes e misteriosas, mas precisas da Cruz do Gólgota, que as recapitula enquanto respeita sua dualidade, já que era feita de duas vigas.

3 - Os Quatro Instrumentos

É comum observar que há uma simetria entre, por um lado, o consumo do fruto proibido pelo primeiro Adão, no início da humanidade, e, por outro lado, a crucificação do Novo Adão na colina de Jerusalém. Esses dois episódios, ambos relatados com solenidade nas Escrituras, correspondem entre si.

"Assim como quatro instrumentos", escreveu Santo Ambrósio, "serviram para nossa queda: Adão, Eva, a serpente e a árvore, da mesma forma, quatro instrumentos serviram para nossa redenção: Jesus, Maria, José e a Cruz".

Santo Ambrósio utiliza aqui a palavra "instrumento"; nós diríamos mais comumente que são agentes ou ministros. Ele acredita que essas duas séries de quatro agentes se correspondem.

Adão corresponde a Jesus, que é chamado desde sempre de "Novo Adão". Jesus assume todas as consequências do consumo do fruto proibido pelo primeiro Adão e expira exclamando "está consumado".

A correspondência também é muito clara entre Eva e Maria. Eva foi "a auxiliadora semelhante a ele" que Deus modelou para o primeiro homem. Da mesma forma, Maria é a auxiliadora que Deus preparou para "o primogênito de toda a criação", que é Jesus. A Igreja reconhece em Maria as funções de Co-redentora e lhe concede o título de "Auxiliadora", pois ela é a auxiliadora de Jesus. O comportamento de Maria junto a Jesus é como o simétrico daquele de Eva junto a Adão. Maria auxilia a reverter o que Eva auxiliou a desfazer.

É mais surpreendente comparar São José com a serpente. No entanto, essa é a posição que Santo Ambrósio lhe atribui em sua enumeração. A virtude essencial de São José é a prudência. Ele também possui a disciplina do silêncio. No entanto, existem dois tipos de prudência: a prudência segundo o espírito e a prudência segundo a carne.

A prudência segundo o espírito é aquela que se alia à simplicidade da pomba, conforme o preceito: "Sejam prudentes como a serpente e simples como a pomba". Esta prudência segundo o espírito reserva-se, como fez o primeiro José, o Patriarca, ao reservar o trigo para o Faraó. Ela se oculta, é verdade, mas não se esconde, pois é simples. E qual é o trigo que São José tinha que esconder? Esse trigo é Nosso Senhor Jesus Cristo, que ele guardou no Egito até que os inimigos da Criança desaparecessem. Com sua prudência [e com seu silêncio sobre o nascimento miraculoso de Jesus, do qual ele nunca falou], São José enganou a serpente, ele agiu astutamente. Ele é o "agente" mais diretamente oposto à serpente.

Restaria, se ainda não o tivéssemos feito, comparar entre si os quartos "instrumentos" da enumeração ambrosiana: a árvore do Paraíso e a da Cruz. Agora conhecemos sua correspondência. A literatura cristã é rica em meditações de todas as épocas sobre essa comparação entre as duas árvores. Podemos contemplar indefinidamente esses símbolos sem nunca nos cansarmos.

4 - O Mistério da Cruz Brilha

"Os estandartes do Rei avançam. Aqui resplandece o mistério da Cruz".

A Cruz é o resumo simbólico dos três grandes mistérios da fé, que são: a Santíssima Trindade, a Encarnação e a Redenção. O cristão que traça sobre si o sinal da Cruz o faz pronunciando o nome das Três Pessoas divinas, em uma ordem que se harmoniza perfeitamente com a forma da Cruz latina.

A parte superior da viga vertical, voltada para o céu, corresponde ao Pai Criador, também chamado de Pai Celestial. A parte inferior dessa mesma viga, afundada no solo, corresponde ao Filho Redentor que desceu à Terra. A viga horizontal, situada entre as duas partes da viga vertical e apoiada nelas, corresponde ao Espírito Santo Santificador, que procede do Pai e do Filho. Assim, a Cruz simboliza claramente e simplesmente O MISTÉRIO DA SANTÍSSIMA TRINDADE.

Vamos considerar mais especificamente a viga vertical. Por sua verticalidade mesma, ela simboliza a geração eterna e celestial do Verbo, ou seja, sua FILIAÇÃO DIVINA. Ela marca a origem e a natureza divina do "Filho de Deus". Ela também realiza, uma vez que não há vida senão em Deus, o verdadeiro lignum vitae do jardim do Éden.

Mas a viga vertical simboliza ainda outra coisa, é a DIVINA PATERNIDADE que Nosso Senhor Jesus Cristo exerce sobre o século futuro, conforme a profecia de Isaías:

"Porque um menino nos nasceu, um filho nos foi dado, o governo está sobre os Seus ombros, e Ele será chamado Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade (Pai do século futuro), Príncipe da Paz". [Isaías 9:5]

Essa "paternidade" de Jesus não deve nos surpreender. Ela não deixa dúvidas. É mencionada nas ladainhas do Santo Nome de Jesus.

Agora vamos direcionar nossa atenção para a viga horizontal. Observamos o símbolo da igualdade humana que o "Filho do Homem" assumiu. Ela simboliza a FRATERNIDADE HUMANA de Nosso Senhor Jesus Cristo e Sua natureza humana. Já vimos que a viga horizontal, dividida em duas pela viga vertical, possui uma direita e uma esquerda. Portanto, é adequada aos braços de um juiz que recompensa com sua mão direita e condena com sua mão esquerda. Ela realiza mais especificamente o lignum scientiæ boni et mali do Gênesis.

Depois de considerarmos as duas vigas separadamente, olhemos novamente para a Cruz como um todo. Ela simboliza primeiramente a ENCARNACÃO, já que a parte descendente divina se une com a parte horizontal humana.

Mas ela também simboliza a REDENÇÃO, pois foi o instrumento da "elevação" do homem-Deus. Foi quando Ele foi pregado nela que Nosso Senhor começou a ser elevado da terra.

"Quando Eu for elevado da terra, atrairei todos a Mim".

Este começo de elevação ocorreu na própria Cruz. Portanto, a Cruz não é apenas o caminho da descida do Verbo Encarnado, mas também o caminho da ascensão do homem redimido. É por isso que muitos comentaristas e contemplativos viram, na escada de Jacó, ao longo da qual os anjos subiam e desciam, uma figura da Cruz.

Agora, deixemos de lado a Cruz histórica do Calvário para considerar "o Sinal do Filho do Homem", do qual Jesus mesmo profetizou a aparição nos céus nos últimos dias. Esse sinal não é outro senão a Cruz que marcou Seu ombro, conforme dito em Isaías:

"O símbolo de Sua autoridade está sobre Seu ombro". [Isaías 9:6].

5 - A Parte Oculta da Cruz

O Divino Mestre providenciou tudo com antecedência para que a sua cruz estivesse de acordo com a postura que ele desejava adotar no momento de sua morte. Desejando estender os braços em cruz, por diversas razões, Ele, em Sua providência, fez com que Seu instrumento de suplício tivesse a forma de uma Cruz. Não foi Ele quem se moldou à Cruz, mas a Cruz que foi moldada a Ele. Podemos dizer, então, que a Cruz é a sombra de Jesus. Ela esquematiza Seu corpo físico e simboliza Seu corpo místico, que é a Igreja. A Cruz é a forma espiritual da Igreja.

A Cruz apresenta uma parte aérea que é visível e uma parte enterrada que não é vista. A parte aérea visível é o coro dos batizados que receberam o sacramento publicamente. A parte enterrada e invisível é o coro daqueles que entrarão no Céu apenas com o batismo de desejo. Somente Deus os conhece; eles formam uma Igreja enterrada em Seu coração.

6 - As Cruzes dos Ladrões

A Cruz histórica de Jesus foi cercada por personagens, circunstâncias e objetos destinados a enriquecer seu significado. Foi assim que outras duas cruzes foram erguidas ao mesmo tempo, uma de cada lado. Elas também estão repletas de ensinamentos.

Já descobrimos um primeiro significado para essas duas cruzes. Elas nos permitiram identificar a viga horizontal da Cruz central, que de fato está dividida em duas metades, uma apontando para o bom e outra para o mau criminoso; assim, ela sozinha reconstitui a árvore do conhecimento do bem e do mal.

Agora vamos descobrir um novo significado para essas duas cruzes. Pois o mesmo objeto material pode simbolizar várias ideias diferentes dependendo do ponto de vista sob o qual é considerado. Essa pluralidade de significados é uma das características da dissertação simbólica.

Primeiro, vamos responder a uma pergunta. Qual foi o lado do bom ladrão? Os textos evangélicos não especificam isso. Os quatro Evangelistas apenas dizem que um dos criminosos estava à direita e o outro à esquerda; mas eles não dizem como estavam distribuídos. No entanto, é tradicional que o bom ladrão estivesse à direita. E de fato há uma conveniência lógica nisso. A direita é, em todos os textos dos dois Testamentos, o lado da eleição divina. É uma questão de fé que Nosso Senhor está sentado à direita do Pai: "está à direita do Pai". Por outro lado, a esquerda é o lado "sinistro". É o lado da reprovação divina.

As posições relativas dos três personagens estando assim determinadas, será mais fácil refletir sobre as verdades religiosas que eles nos ensinam. Observamos imediatamente que os três crucificados eram três filhos de Adão. Todos eles tinham o Primeiro Homem como ancestral comum. "O Filho do Homem" estava, portanto, "entre seus irmãos"; a fraternidade humana, que já era buscada por Ele na Encarnação e que é simbolizada pela viga horizontal, é reafirmada, continuada e confirmada na obra da Redenção.

Agora somos impressionados por outra característica significativa: os dois ladrões são dois irmãos separados, e são separados pela Pessoa de Jesus Cristo, em relação ao qual eles se comportam de maneira diferente. Essa separação constitui a imagem e o prelúdio do juízo final, no qual "Aquele que foi pendurado na árvore" separará as ovelhas dos bodes. A Ele foi dado o poder de separar, de acordo com a sentença contida em São João:

"O Pai não julga ninguém, mas confiou ao Filho todo o julgamento, para que todos honrem o Filho como honram o Pai" [João 5:22].

Meditamos ainda mais profundamente sobre esse mesmo mistério. Os dois ladrões simbolizam dois "corpos místicos" que também estão separados. Mas isso requer uma explicação. Vimos anteriormente que a Cruz de Nosso Senhor forma como Sua sombra e representa Seu Corpo místico, ou seja, a Igreja. Considerando agora, não mais a Cruz de Jesus, mas apenas a pessoa do bom ladrão, encontramos nele essa mesma Igreja sob uma outra aparência. De fato, naquela mesma noite, ele será o primeiro redimido da Igreja triunfante. Portanto, ele é o símbolo do Corpo místico de Cristo.

Isso é especialmente impressionante quando o comparamos à pessoa do mau ladrão, que, por sua vez, representa o corpo místico do Anticristo. É certo que essa noção de "corpo místico do Anticristo" não é comumente expressa na literatura eclesiástica. Mas, afinal de contas, ela também não está em contradição com "a analogia da fé" e até tem fortes apoios a seu favor. Portanto, o Divino Mestre está na Cruz com Sua Esposa mística à Sua direita e "a Besta" à Sua esquerda.

Continuemos nossa análise simbólica. Os três filhos de Adão, diferentes entre si, sofrem um destino semelhante. Um é o juiz justo, os outros dois são julgados. E os dois julgados são irmãos inimigos. Eles, juntos, representam toda a humanidade. A identidade de seu destino marca visivelmente a universalidade da lei do sacrifício. Nem os bons nem os maus podem escapar dela. Essa grande lei de nossa condição terrestre é simbolizada pelas três cruzes.

7 - O Cenário Simbólico da Paixão

Outros símbolos, alguns vivos, outros materiais, cercavam a Cruz e recebiam dela seu significado como uma iluminação. Eles são de uma riqueza prodigiosa e aqui só podemos fazer uma breve enumeração. A Co-redentora ocupa o lugar principal neste cenário simbólico, pois nela não há pecado original nem pecados atuais. É a pomba que reproduz de forma mais perfeita a inocência do Cordeiro imolado. Ela não sofre a Paixão física, reservada a seu Filho, mas a Paixão mística. Ela também é uma imagem da Igreja e mais do que uma imagem, pois é a Mãe dela.

Nenhum dos personagens que testemunharam a Crucificação teve que sofrer uma morte violenta. Nosso Senhor os protegeu assumindo isso sobre Si. É assim que São João, o único dos Apóstolos presente no Calvário, também é o único que não morreu como mártir. Jesus se substitui ao homem sob os golpes do Rigor de Deus.

O Centurião, que não era judeu mas romano, foi o primeiro a confessar a divindade de Jesus:

"E o centurião, que estava defronte dele, vendo que expirara assim clamando, disse: 'Verdadeiramente este homem era Filho de Deus'." [Marcos 15:39].

Portanto, o centurião foi o primeiro a responder ao chamado dos gentios.

Entre os instrumentos materiais que participam do cenário simbólico da Cruz, o mais prestigioso é a Coroa de Espinhos. Esta coroa é aquela que Nosso Senhor adquiriu por direito de conquista. Ela se adiciona àquela que Ele já possuía por direito de nascimento em Sua qualidade de "Filho de Davi". A Coroa de Espinhos do Calvário é composta pelas mesmas espinhas que a prevaricação de Adão gerou sobre a terra.

"A terra produzirá espinhos e cardos..." (Gênesis, III, 18).

Esses antigos espinhos da falta original, Jesus as transformou em uma coroa e em uma realeza.

Os três cravos que fixaram Jesus na Cruz foram figurados pelas três flechas com as quais Joabe matou Absalão, que era precisamente "Filho de Davi", mas um filho rebelde contra seu pai. Portanto, Nosso Senhor recebeu as três setas destinadas a um filho rebelde. Mais uma vez, mesmo inocente, Ele desempenhou o papel de Absalão, ou seja, de um culpado.

Quanto às Cinco Chagas, duas nos pés, duas nas mãos e uma no coração, também foram figuradas na história de Davi na forma dos cinco seixos com os quais ele se armou para combater Golias. Ele usou apenas um, mas os destinou todos os cinco a ele, se necessário. Jesus recebeu os cinco seixos destinados ao inimigo do povo de Deus, Golias, cujo nome contém todas as letras necessárias para formar a palavra Golgota.

O "Caminho da Cruz" consiste em quatorze estações que os Cristãos meditam incansavelmente e nas quais se pode ver uma profecia da vida da Igreja e das tribulações que ela suporta.

As Sete Palavras pronunciadas por Jesus na Cruz e solenemente relatadas pelos Evangelistas, são por si só carregadas de um significado abundante. Muitos comentários são dedicados a elas. É bom enumerar pelo menos as primeiras palavras: Pai... Perdoa... Hoje... Eli... Tenho sede... Está consumado... Pai, em tuas mãos...

O Precioso Sangue foi chamado assim porque é a moeda, o ouro precioso, que pagou nosso resgate. O Túmulo é aquele de um homem rico, José de Arimatéia, membro do conselho. Ele convém a este outro "homem rico" que acabou de pagar um resgate tão prodigioso. A Manjedoura de Belém, ao contrário, foi a de um pobre, o que condizia com o Menino Jesus assumindo a condição humana após ter desfrutado da condição divina.

8 - O Verdadeiro e o Falso Simbolismo da Cruz

O simbolismo religioso é uma forma particular de raciocínio que nos permite compreender o mundo espiritual ao observar o mundo material. Isso se deve ao fato de o Criador ter estabelecido uma harmonia entre as coisas visíveis e as invisíveis, conforme expresso na profissão de fé cristã: "Criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis". O mundo físico é a imagem do mundo espiritual. Esse é o cerne da "dissertação simbólica".

Dentro dessas "coisas invisíveis", devemos incluir não apenas o mundo espiritual (ou seja, dos anjos e das almas), mas também toda a ordem sobrenatural, pois ela também é invisível aos olhos físicos.

A ordem sobrenatural também é conhecida como a ordem da Graça. Mas o que é Graça? É uma ajuda espiritual concedida aos seres humanos para que possam alcançar as finalidades gloriosas para as quais foram destinados, mas que, por diversas razões, não podem alcançar apenas com suas próprias forças naturais.

De onde vem essa ajuda espiritual, misericordiosa e gratuita? Ela é derivada dos Tesouros da Graça, que são os méritos acumulados pela Paixão de Cristo, ou seja, pela Cruz.

Há uma graduação entre os três ordenamentos. O mais inferior é a ordem da natureza, cujo conhecimento deriva do decreto da Criação do nada. Em seguida, vem a ordem sobrenatural, cujo status é resumido pela Cruz. Por fim, no topo das Obras Divinas, está a ordem da Glória, que será definitiva e resultará de outro decreto já anunciado no Apocalipse:

"E Aquele que estava assentado no trono disse: 'Eis que faço novas todas as coisas'". (Apocalipse XXI - 51).

A Cruz, que governa a ordem da Graça, está, portanto, intermediária entre a natureza e a Glória. É ela que permite que o universo saia do estado natural e alcance seus fins: "O mundo geme e sofre as dores do parto". Assim, a Cruz não é apenas um símbolo que permite aos homens entender o mundo dos espíritos e da Graça, mas também é o instrumento eficaz pelo qual Jesus torna possível o decreto divino de renovação final. A Cruz contém em si o Reino eterno. A Cruz é o instrumento da salvação.

Toda a inteligência da Cruz resulta de sua posição intermediária entre a natureza e a Glória. Portanto, para fornecer uma interpretação correta de seu simbolismo, é necessário primeiro admitir os grandes mistérios e dogmas da Fé cristã, dos quais vimos que ela é um resumo. Não se compreende a Cruz se não se conhecem os mistérios que ela resume.

O SIMBOLISMO METAFÍSICO DA CRUZ, que R. Guénon nos propõe agora, é totalmente diferente. A "cruz metafísica" não é mais o instrumento de dor que opera a transição da natureza para a Glória. Ela se torna um sistema de coordenadas retangulares que fornece a situação recíproca das grandes forças cósmicas e que permite observar a harmonia universal, o que é, de fato, exato, mas é apenas uma pequena parte do verdadeiro simbolismo da Cruz. R. Guénon aceita os dogmas cristãos apenas verbalmente (e mesmo assim) mas não lhes reconhece valor absoluto. Para ele, são apenas formas aproximadas e populares de uma metafísica muito mais vasta e abrangente, metafísica que, segundo ele, é revelada pela iniciação.

Seu deus não é, como o nosso, o Deus Vivo de Abraão, Isaque e Jacó. É um princípio abstrato, uma construção da mente, chamado PRINCÍPIO SUPREMO e definido como o locus geométrico de todas as possibilidades, sejam elas manifestadas ou virtuais. É a esse deus que a "cruz metafísica" conduz, seguindo uma ascensão iniciática.

O universo de Guénon, portanto, está privado da Cruz operativa de Jesus Cristo, e, consequentemente, também privado do último fim que ela proporciona: o Reino dos Céus. Esse universo agora só pode evoluir em eternos recomeços, dos quais o homem só pode escapar pela fusão com um "Princípio Supremo" tanto mais imutável quanto estiver fora da existência.

Veremos em breve por meio de quais mecanismos, aliás muito inteligentes como sempre, e muito habilidosos, Guénon passa da Cruz de Cristo para a cruz metafísica.