CAPÍTULO III - A METAFÍSICA DE R. GUÉNON
Após expor as grandes linhas da Tradição hinduísta tal como apresentada por R. Guénon no conjunto de suas obras, e depois as da Tradição Primordial tal como perpetuada até os dias de hoje pela Tradição Apostólica, da qual a Igreja é guardiã, e após constatar que essas duas tradições são incompatíveis senão mesmo antagônicas, vamos examinar hoje, ainda nas suas grandes linhas, visto que não podemos entrar em detalhes, embora interessantes, a doutrina metafísica de R. Guénon.
Ela é desenvolvida principalmente na obra intitulada "Introdução Geral ao Estudo das Doutrinas Hindus", publicada em 1930. Mas também encontramos elementos dessa doutrina em "O Homem e seu Devir segundo o Vedanta" e em "O Reino da Quantidade". No entanto, é essa doutrina metafísica que constitui, explícita ou implicitamente, o fundo comum de toda a sua obra; pode-se dizer que ela orienta todas as suas partes.
Essa doutrina fundamental é o que chamamos de hinduísmo. Mas R. Guénon também lhe dá dois outros nomes:
"Toda a tradição hindu é essencialmente fundada no Veda; poderia, portanto, ser chamada de vedismo; e o nome de Bramanismo também lhe convém em todas as épocas; não é senão o desenvolvimento da doutrina contida em princípio no Veda, palavra que significa, aliás, propriamente o conhecimento tradicional por excelência". (Int. Et. Doc. Hind., IIIª parte, capítulo I).
- 1 - Brahma, o princípio supremo
- 2 - Ishwara, o deus semi-pessoal
- 3 - A Tríade ou a pseudo-trindade
- 4 - A Manifestação
- 5 - Metafísica e religião
1 - Brahma, o princípio supremo
No topo da hierarquia divina, situa-se Brahma, que é o Princípio Supremo absolutamente universal e absolutamente indeterminado. Ele está isento de qualquer característica; não tem nenhuma atribuição positiva e está além de qualquer qualificação, além de qualquer distinção. Ele é a Unidade absoluta. Brahma é o assento de todas as possibilidades não manifestadas. Ele é tanto O SER quanto O NÃO-SER. Ele transcende tanto a matéria quanto o espírito, sendo o princípio comum a ambos.
Dois pontos precisam ser observados para uma boa compreensão do que se segue. Primeiro, a palavra "Brahma", quando se refere ao Princípio Supremo, é escrita no gênero neutro e sem acento circunflexo; encontraremos outra palavra com uma ortografia e um significado diferentes. Em segundo lugar, a Criação Universal é chamada de manifestação no Vedismo, um nome completamente lógico, já que a manifestação não é criada a partir do nada; portanto, ela é de fato uma manifestação, entre um número infinito de outras igualmente possíveis, do Princípio Supremo.
R. Guénon então responde a uma pergunta que inevitavelmente surge: Brahma deve ser concebido como um Deus pessoal ou como uma entidade abstrata?
"Do ponto de vista metafísico, deve-se dizer que este Princípio é ao mesmo tempo impersonal e pessoal, dependendo do aspecto sob o qual é considerado: impersonal, ou se preferir, supra-pessoal em si mesmo; pessoal em relação à manifestação universal, mas obviamente sem que essa 'personalidade' divina apresente qualquer caráter antropomórfico" (Int. Et. Doc. Hind., capítulo III).
É preciso reconhecer que o que domina muito na descrição desta primeira entidade divina são os caracteres impersonais e metafísicos. Se uma certa personalidade está incluída, é como uma possibilidade. Além disso, é-nos dito que a supra-personalidade (virtual e eventual, aliás) de Brahma não é de forma alguma semelhante à do homem; e de fato veremos mais adiante que se houver "personalidade", ela é mais do tipo angélico.
Aqui estão algumas notas sobre Brahma, coletadas em todas as obras de R. Guénon:
"A manifestação universal como um todo é rigorosamente nula em relação à sua infinitude" "Brahma é ativo, mas apenas em princípio, portanto, não ativo, porque essa atividade não lhe é essencial e inerente, mas é para ele apenas eventual e contingente" (Int. Et. Doc. Hind.).
"Brahma é sem dualidade e, fora dele, não há nada, nem manifestado nem não manifestado. O mundo, entendido por esta palavra como a manifestação universal, só pode ser distinguido de Brahma de maneira ilusória, enquanto, por outro lado, Brahma é absolutamente distinto daquilo que ele permeia".
"O Supremo Brahma é não qualificado em sua total infinitude, compreendendo tanto o Ser (ou as possibilidades de manifestação) quanto o Não-Ser (ou as possibilidades de não manifestação). Ele é, portanto, o princípio de ambos, além de ambos, ao mesmo tempo em que os contém igualmente". (O Homem e seu Destino segundo o Vedanta, capítulo XXI).
R. Guénon não revela qual foi a origem histórica de tal teodicéia. Ele simplesmente diz que está contida no Veda e, portanto, pertence à mais antiga tradição. Mas ele fornece uma explicação filosófica. Ele retoma um axioma muito antigo que já se encontra nos mais antigos filósofos, a saber: "Tudo o que existe é limitado". Não podemos deixar de concordar com esse axioma; mas o que se segue é menos evidente. O vedismo, que não adere à Revelação e, portanto, não aceita a ideia de um Deus que faz exceção a essa regra, torna-se prisioneiro de sua lógica. Tudo o que existe é limitado; ora, Deus existe, não se pode duvidar disso; portanto, este Deus, que necessariamente existe, deve ser necessariamente limitado. Mas então a mente humana não pode se contentar com tal Deus. Portanto, é absolutamente necessário um Deus ilimitado (nós diríamos infinito) que será colocado além de toda existência para salvaguardar sua infinitude: daí Brahma, Princípio absoluto e universal, transcendendo tanto o Ser quanto o Não-Ser, e sede de todas as possibilidades não manifestadas.
Qualquer cristão entenderá que tal Deus não é de forma alguma o de sua Religião: o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, que se revelou dizendo:
"Eu sou aquele que sou" (Je suis Celui qui suis).
O verdadeiro Deus é ao mesmo tempo existente e infinito. A definição ensinada às crianças no catecismo também é válida para os mais sutis metafísicos:
"Deus é um Ser infinitamente bom e infinitamente perfeito, criador e soberano senhor de todas as coisas".
2 - Ishwara, o deus semi-pessoal
Imediatamente abaixo de Brahma, vem uma segunda entidade divina: Ishwara, cujo papel é finalmente bastante fácil de entender. Enquanto Brahma era o assento de todas as possibilidades não manifestadas, Ishwara contém apenas uma possibilidade única, a da manifestação atual, o universo em que vivemos. Ishwara contém a manifestação como virtualidade. Ele é a possibilidade imediata de manifestação. Enquanto Brahma contém virtualmente todos os mundos, Ishwara contém virtualmente apenas o nosso.
Ishwara ainda participa da natureza de Brahma, pois ainda é apenas virtualidade. Mas ao mesmo tempo, ele pertence, pelo menos parcialmente, à manifestação, já que, embora não a traga à existência, ainda a contém em potência.
Ishwara possui, portanto, um menor grau de universalidade do que Brahma. René Guénon diz que "Ishwara é qualificado, ou seja, concebido distintamente". Esta entidade divina é capaz de receber atributos divinos; mas ainda os contém apenas como possibilidades.
Ishwara não é individualizado. Ele constitui por si só uma manifestação informal.
"Ishwara, embora não seja individualizado por si só, pertence aos seres individuais, aos quais ele comunica a possibilidade de participação nos atributos divinos, ou seja, na própria natureza do Ser universal, princípio de toda existência". (O Homem e seu destino segundo o Vedanta, capítulo VII).
"Em si mesmo, Ishwara é independente de toda manifestação, da qual, no entanto, é o princípio, sendo o Ser Supremo." ("O Homem e seu destino..." - capítulo X).
"O termo sânscrito que pode ser traduzido da forma menos incorreta como Deus não é Brahma, mas Ishwara" ("O Homem e seu destino...", capítulo I).
R. Guénon atribui a Ishwara a Personalidade Divina, dizendo que ele é a personificação de Brahma. Mas ele faz a mesma observação sobre a supra-personalidade de Brahma: não há questão de atribuir à "Pessoa" de Ishwara a menor traço de antropomorfismo.
Ishwara é o ordenador da manifestação:
"enquanto permanece ele mesmo não agindo na plenitude de sua atividade principial." ("O Homem e seu destino...").
Portanto, aqui está uma entidade divina cuja essência é servir de intermediário entre o Princípio Supremo e a manifestação. Mas então somos tentados a atribuir a ele um papel demiúrgico, ou seja, o papel de um agente organizador da materia prima. Mas R. Guénon se opõe a isso observando que, em seu sistema, não há materia prima no sentido em que existe nos sistemas dualistas. A metafísica védica é não dualista, pois a matéria e o espírito não são independentes; e eles não são independentes porque ambos pertencem a um Princípio Supremo comum.
3 - A Tríade ou a pseudo-trindade
Vamos descer mais um degrau na escala das entidades divinas e nos aproximarmos da manifestação.
"Ishwara é considerado sob uma tríplice aspectação principal, que constitui a Trimurti ou Triple Manifestação" (Int. Et. Doc. Hind., terceira parte, capítulo VII).
As três novas entidades divinas que vamos descrever agora pertencem à manifestação. Esses três deuses estão plenamente inseridos na ordem da existência. Mas então eles são limitados, de acordo com o famoso princípio de que "tudo o que existe é limitado". Esses três deuses são Brahmâ, Vishnu e Shiva.
Brahmâ é o primeiro elemento da Trimurti. Mas este novo Brahmâ é do gênero masculino e é escrito com um acento circunflexo no último "a". Porque não se trata mais do Brahma (no neutro e sem acento) que encontramos como princípio supremo. Este Brahmâ, no masculino, é o Princípio produtor de todos os seres que constituem a manifestação. Ele é o reflexo, na natureza física, do Supremo-Brahma da metafísica.
À primeira vista, poderíamos considerá-lo como equivalente ao Pai Criador da teologia cristã. Mas seria um Pai Criador de uma espécie muito particular, já que viria em terceiro escalão e teria, acima dele, primeiro Ishwara, o Ser Supremo semi-pessoal, e depois Brahma no neutro, Princípio Supremo absolutamente metafísico.
O segundo elemento da Trimurti é Vishnu, que é o reflexo de Ishwara como princípio animador e conservador dos seres da manifestação. Se quiséssemos continuar a analogia com a Trindade cristã, poderíamos ver em Vishnu o Filho Redentor. Mas a comparação não poderia ir além de aparências puramente formais, Vishnu sendo membro de uma trindade que está longe de ser soberana.
O terceiro elemento da Trimurti Védica é Shiva, que é outro reflexo de Ishwara como princípio transformador da manifestação. Durante toda transformação, ocorre uma fase de destruição em que o antigo estado das coisas é aniquilado para dar lugar ao novo. Compreende-se por que Shiva se tornou, na opinião popular, o princípio destrutivo que é tão facilmente visto em ação na natureza. Aqui também, poderíamos ver alguma semelhança entre Shiva e o Espírito Santo Santificador do Cristianismo. Neste caso, a comparação seria menos improvável, já que toda santificação exige uma fase preliminar de mortificação. Mas uma Trimurti que vem em terceiro grau de subordinação não pode ser comparada de maneira útil à Trindade soberana.
René Guénon observa que, no Hinduísmo como é praticado na Índia, essas três divindades, Brahmâ, Vishnu e Shiva, têm sido objeto, cada uma separadamente, de devoções populares. Alguns honram especialmente Vishnu, cuja ação conservadora e estabilizadora lhes proporciona algum conforto. Outros se dedicam a Shiva, que facilita o aprimoramento pessoal.
Assim, observadores superficiais puderam falar do Brahmanismo, do Vishnuísmo e do Shivaísmo como sendo religiões separadas, e isso com tanto mais verossimilhança quanto essas devoções têm seu próprio público particular. O Vishnuísmo dá muita importância aos ritos exteriores. É mais popular e mais difundido do que o Shivaísmo, que, por dar ênfase à transformação, favorece o ascetismo e a vida contemplativa.
R. Guénon observa com insistência, e ele deve estar correto, que não se trata de religiões distintas, pois uma mesma metafísica fundamenta todas as devoções. A elite do hinduísmo, ao contrário, professa a unidade do Princípio Supremo, que é comum, mais ou menos abertamente, mais ou menos secretamente, a essas várias práticas devocionais, as quais têm um único e mesmo código tradicional, o Veda.
4 - A Manifestação
A doutrina védica, como vimos, chama de manifestação o que chamamos de Criação. A manifestação é o local de uma dualidade fundamental:
"Aqui devemos começar com a primeira de todas as dualidades cósmicas, aquela que está no princípio da existência ou da manifestação universal. Esta dualidade é a de Purusha e Prakriti, segundo a doutrina hindu, ou para usar outra terminologia, a da essência e da substância" (O Reino da Quantidade, capítulo I).
Prakriti é a substância universal, indiferenciada e não manifestada em si mesma, mas da qual todas as coisas surgem por meio de modificações. Essa substância universal é constitutiva de todos os seres diferenciados, até mesmo dos seres espirituais. Por exemplo, a consciência individual participa de Prakriti como essa consciência é uma substância espiritual. É evidente que também é Prakriti que constitui a substância fundamental dos cinco elementos materiais: éter, ar, fogo, água e terra.
Na doutrina hindu, há um princípio complementar a Prakriti. Esse princípio é Purusha, que pode ser chamado de essência:
"Todas as coisas manifestadas são produzidas por Prakriti. Mas, sem a presença de Purusha, essas produções teriam apenas uma existência puramente ilusória" (Int. Et. Doc. Hind., terceira parte, Capítulo XI). Portanto, é Purusha quem dá forma à substância universal constituída por Prakriti. Purusha permite que Prakriti se diferencie e dê origem a seres individuais. Estes são os dois polos da manifestação: substância e essência.
Essa divisão bipolar é bastante desconcertante para nossa mentalidade ocidental. Toda a nossa filosofia é, felizmente, marcada por concepções que derivam, em última instância, do Gênesis: "No princípio, Deus criou o céu e a terra". O céu, ou seja, o mundo dos espíritos, e a terra, ou seja, o mundo dos corpos. Os dois constituintes que estamos acostumados a distinguir na criação são espírito e matéria. Reconheçamos que fomos ajudados pela Revelação.
Os dois polos da manifestação hindu não são os mesmos. Purusha, que é a essência, não se confunde com o espírito: ele é apenas o agente que permite a individualização dos seres; é o agente que constitui as "essências" particulares.
Por sua vez, Prakriti, que é a substância universal, não pode ser assimilada à matéria como a entendemos, pois Prakriti, como vimos, constitui até mesmo a consciência individual. Prakriti é, portanto, tanto a substância espiritual quanto a substância material.
Somos desorientados, pobres ocidentais, por essas doutrinas cujos conceitos apresentam ora pontos de coincidência com os nossos, ora pontos de divergência. Também o somos porque elas enfatizam mais a união dos contrários do que sua distinção. Por exemplo, como não ficar surpreso quando R. Guénon, após expor o bipolarismo da manifestação, apressa-se em observar que essa divisão bipolar não afeta de forma alguma o caráter não dualista da metafísica hindu: de fato, ele diz, Prakriti e Purusha têm um princípio comum de ordem universal em que ambos estão igualmente contidos. O princípio universal, nós o conhecemos, é Brahma, o Princípio Supremo.
Aqui, não podemos deixar de nos perguntar se o sistema metafísico de R. Guénon é panteísta? Ele próprio rejeita essa acusação, o que obviamente o incomoda muito se ele quiser, como frequentemente repete, se sobrepor ao catolicismo sem se opor a ele. No entanto, podemos observar que a transcendência do Princípio Supremo nunca é expressa claramente. Além disso, a noção de criação ex nihilo, embora verbalmente admitida, não é definida corretamente. Essa questão do panteísmo, se seria ou não incluída na tradição hinduísta, precisa ser tratada separadamente.
5 - Metafísica e religião
R. Guénon pratica uma metafísica que não se enquadra na definição comum. Ele próprio explica isso. Devemos entender bem sua definição, pois em alguns pontos ela se assemelha à da religião e, em outros, dela se afasta consideravelmente.
A física, no sentido antigo da palavra, é o estudo da natureza material que está ao alcance dos nossos sentidos. A metafísica, no sentido clássico, é a ciência das generalidades sugeridas pela observação da natureza e pela consideração de seus mistérios, como, por exemplo, a essência e a existência, o espírito e a matéria, a vida e a morte; essa é a definição dos antigos, cuja filosofia ocidental seguiu.
Fiel intérprete do hinduísmo, Guénon amplia consideravelmente a abrangência da ciência metafísica tal como ele mesmo a pratica. Para ele, ela não compreende apenas a metafísica clássica, que é essencialmente uma ontologia, ou seja, uma ciência do ser. Ela se estende ao conhecimento do Princípio Supremo em si mesmo, que está situado, como agora sabemos, além do ser, pois é ao mesmo tempo o ser e o não ser, sendo o lugar das possibilidades que ainda não vieram à existência.
Como uma ciência tão sublime é possível? É possível no hinduísmo, diz Guénon, porque lá são utilizados métodos de meditação que fornecem acesso direto ao Princípio Supremo. O sujeito que medita de acordo com esses métodos e dentro de todo esse ensinamento alcança um conhecimento não mais discursivo, ou seja, obtido através de construção racional, mas um conhecimento intuitivo, imediato e sem intermediários do Princípio Supremo diretamente apreendido. Tal conhecimento intuitivo é um fenômeno psicológico também descrito em outras religiões e disciplinas e chamado de intuição intelectual.
Essa intuição intelectual é difícil de obter. É reservada para sujeitos de elite. Deve até mesmo ser mantida em segredo. Ela é alcançada principalmente pela iniciação e, portanto, tem um caráter esotérico, ou seja, oculto. Por meio dessas precauções, o sujeito meditante chega à identificação com o objeto de suas meditações. Ele acaba por se identificar com o Princípio Supremo metafísico em si mesmo.
Como o objeto de tal meditação é metafísico, é lógico que o método contemplativo que permite alcançá-lo também seja chamado de metafísico. Uma grande parte do trabalho de Guénon será dedicada à descrição dos caminhos metafísicos, que ele nos dirá serem puramente intelectuais, entendendo por isso que não são devocionais nem sentimentais.
No entanto, como vimos, no hinduísmo também existem divindades que são menos elevadas que o Princípio Supremo. São as divindades que são objetos de devoção popular, como Brahmâ, Vishnu e Shiva, para citar apenas as três principais. E aqui está um ponto essencial de sua argumentação: R. Guénon reserva o nome de religião ao culto prestado às divindades que pertencem à existência manifestada. O Deus dos cristãos faz parte dessas divindades, pois também está na ordem da existência. A esses tipos de deuses, presta-se um culto religioso, devocional, sentimental e popular.
Quanto às vias contemplativas que conduzem ao contato com os deuses da ordem existente, obviamente não podemos chamá-las de metafísicas, já que seu objeto não é metafísico. Elas serão chamadas de vias místicas. Conduzindo a um objeto inferior, as vias místicas serão logicamente consideradas inferiores às vias metafísicas.
Além disso, como a "Religião" não é reservada a sujeitos de elite, mas é popular, ela será chamada de exotérica, ou seja, pública.
Em resumo, a metafísica, por envolver a intuição puramente intelectual e progredir através da iniciação e do esoterismo, será declarada superior à simples religião, que será qualificada como mística, devocional e exotérica.
Essa superioridade da metafísica sobre a Religião é totalmente arbitrária, pois deriva apenas da divisão da divindade em duas partes, uma das quais (aquela que é objeto da Religião) permanece no domínio da existência, enquanto a outra (aquela que é objeto da metafísica) é expulsa para uma zona muito alta de "possíveis não manifestados".
Essa superioridade da metafísica sobre a Religião é uma das peças-chave da doutrina de Guénon e, portanto, da doutrina hinduísta da qual ele é o doutor para o Ocidente. Ela é encontrada, de uma forma ou de outra, em todos os seus livros. E compreende-se que seja essencial para ele, pois é a posição dominante que lhe permite fazer da religião em geral e especialmente da Religião Cristã um caso particular do sistema metafísico considerado mais vasto, mais compreensivo, mais inteligente.
Mas a Religião do Verdadeiro Deus já, em outras épocas e especialmente nos tempos patrísticos, demonstrou que não permite que a armadilha metafísica se feche sobre ela.
É isso que tentaremos mostrar nos próximos artigos, se nos for permitido, onde trataremos do mecanismo da iniciação, do simbolismo da Cruz, dos ciclos cósmicos, da angelologia e da estratégia guenoniana.