A BATALHA DE VOUILLÉ, 507

Tradução do material em arquivo pdf disponível no site Les Amis du Christ Roi de France 

JEAN VAQUIÉ, Maio de 1988

FIM DA ANTIGUIDADE, INÍCIO DA IDADE MÉDIA

Em 325 da nossa era, o Imperador Constantino, recentemente convertido, convoca o Concílio de Nicéia para decidir sobre a questão do arianismo. Trezentos bispos condenam a heresia de Ário e redigem a profissão de fé conhecida como Símbolo de Nicéia.

Em 381, o Imperador Teodósio convoca o Concílio de Constantinopla, que reitera a mesma condenação. Teodósio extirpa, em poucos anos, a heresia ariana dentro dos limites do Império Romano. Mas ela persiste na periferia.

O episódio final da história do arianismo merece ser contado. O último bispo ariano residente em Constantinopla deseja um dia administrar o batismo a um catecúmeno. Ele o faz pronunciando as palavras do ritual ariano:

"Eu te batizo em nome do Pai, pelo Filho, no Espírito Santo".

A estas palavras, a água batismal desaparece completamente, deixando a piscina seca. A notícia desse milagre, rapidamente divulgada, reforça ainda mais a autoridade do Concílio.

Em 395, esse mesmo imperador Teodósio divide definitivamente o Império Romano entre seus dois filhos. Ele confia o Império do Ocidente a Honório, ainda criança, com residência em Roma. Ele atribui o Império do Oriente a Arcádio, com Constantinopla como capital. Essas duas metades do antigo império romano nunca mais serão reunidas. É o Império Romano do Ocidente que está destinado a desaparecer primeiro.

De fato, em 476, portanto, apenas um século após a decisão de Teodósio, o rei dos Hérulos, Odoacro, penetra em Roma e depõe o último sucessor de Honório, que levava o nome de Rômulo Augústulo, nome que lembra tanto o fundador de Roma quanto o primeiro imperador. Essa data marca o fim da Antiguidade e o início da Idade Média.

O Império do Oriente durará muito mais tempo. Ele desaparece em 1453 quando Maomé II destrona Constantino XI Paleólogo, último imperador do Oriente. Essa data marca o fim da Idade Média e o início dos tempos modernos.

Não era inútil relembrar sucintamente essas grandes decisões dos tempos históricos, antes de começar o relato de um evento que nos remeterá às nossas origens e, consequentemente, nos recordará nossa verdadeira identidade francesa e católica que tantos inimigos conspirados gostariam de nos fazer perder.

No momento em que Odoacro põe fim ao Império Romano do Ocidente, o jovem Clóvis tem dez anos e Clotilde é uma menina de um ano. Uma nova era política começa, à qual essas duas crianças vão imprimir a marca de Jesus Cristo.

ÚLFILAS E O ARIANISMO VISIGODO

As decisões do Concílio Ecumênico de Nicéia, exploradas com diligência pelo Imperador Teodósio, o Grande, puseram fim ao arianismo que assolava o interior do Império. Mas em quais condições essa heresia se manteve entre os povos bárbaros que ocupam a periferia?

Um século antes, os godos se estabeleceram no vale do Danúbio: os ostrogodos na margem oriental e os visigodos na margem ocidental. Ora, esses dois povos praticam o arianismo devido às seguintes circunstâncias.

Eles foram evangelizados pelo bispo Úlfilas, que acabou por desfrutar de um imenso prestígio entre eles. Ele havia traduzido as Escrituras Sagradas para a língua gótica e, por causa disso, era considerado como um novo Moisés. Ora, ele aderiu ao arianismo sem medir bem, dizem, as consequências futuras dessa adesão. Os povos godos, tanto os do Oeste quanto os do Leste do Danúbio, seguiram cegamente seu novo Moisés. E assim se tornaram todos arianos. E permaneceram arianos enquanto as populações do interior do Império já não o eram.

Quando os godos deixaram suas residências danubianas e iniciaram suas migrações para o Sul e Oeste, para se aproximarem do Mediterrâneo e do Oceano, reintroduziram no Império um arianismo que havia sido extirpado cinquenta anos antes, principalmente pelo zelo católico de Teodósio.

Em 410, Alarico I, rei dos visigodos, aproveita a ausência de Honório, que está em Ravena, para tomar Roma. Ele se prepara para passar para a Sicília quando morre antes de realizar esse projeto. Seu sucessor, Ataulfo, faz a paz com Honório, que havia retornado a Roma. O Imperador cede-lhe a Gália Narbonense e a parte da Espanha situada ao norte do Ebro, o rio de Saragoça. A partir dessa primeira base, o reino visigótico se expande rapidamente para todo o vale do Garona. Essa é a origem do reino visigótico da Aquitânia, cuja capital é Toulouse.

Os primeiros reis visigodos da Aquitânia, embora permanecessem arianos, mantiveram boas relações com a população e o episcopado católicos. Essa política flexível se impôs aos visigodos durante todo o reinado de Honório, último imperador romano do Ocidente.

Mas quando Odoacro toma Roma e depõe Honório, a autoridade federativa do Império desmorona e Eurico, que se tornou rei dos visigodos após a morte de Ataulfo, aproveita para romper todos os laços de lealdade com Roma e expande os limites da monarquia visigótica, primeiro na Espanha, ao sul do Ebro, e depois na Gália, até o Loire e o Ródano. Ele sonha, aliás, em conquistar todo o resto da Gália, que a queda do Império Romano deixou sem defesa.

Ao mesmo tempo, Eurico retoma uma política de arianização. Ele impõe, sobre os territórios que ocupa na Gália, um jugo cada vez mais pesado. Exila os bispos que resistem a ele e proíbe que se substituam aqueles que morrem. Algumas sedes episcopais permanecem assim muitos anos sem titulares. As populações e o clero católicos suportam cada vez mais mal o autoritarismo ariano dos visigodos.

Eurico morre em 485 e Alarico II lhe sucede no trono visigótico de Toulouse. Ele está decidido a praticar uma política menos restritiva em relação aos católicos da Gália, mas não consegue desarmar a desconfiança deles. Pois os olhares dos galo-romanos agora se voltam para Clóvis e para os francos, cujos sucessos militares acabaram de mostrar a eficácia na defesa das fronteiras setentrionais. Lembra-se, pois foi apenas há quarenta anos, da ação decisiva de Meroveu nos Campos Cataláunicos na batalha que repeliu os hunos e que durou três dias, 20, 21 e 22 de setembro de 451.

O próprio Clóvis acaba de pôr fim ao reino anacrônico que havia sido constituído pelo general romano Siágrio, entre Troyes e as costas da Mancha, ele o expulsou de Soissons, sua capital, em 486.

Se deixarem os visigodos conquistar a Gália, eles a mergulharão novamente nos erros e desordens do arianismo, e isso ainda mais certamente porque os burgúndios são arianos e também ariano é Teodorico, rei dos ostrogodos (a não ser confundido com Teodósio, imperador de Roma e de Constantinopla). Teodorico acaba de expulsar Odoacro de Roma; ele próprio se instalou lá e exerce uma autoridade quase imperial. É realmente necessário conter a dominação dos príncipes arianos sobre a Gália. E quem pode fazer isso melhor do que Clóvis? É o que pensa São Remígio, que é arcebispo de Reims desde 461.

GODEGÉSIL E O ARIANISMO BURGÚNDIO

Os burgúndios também compartilham da heresia ariana, mas não foi Úlfilas que os levou a isso. Eles se instalaram no território galo-romano no início do século V, ou seja, no começo dos anos 400. A região que ocupam nos vales do Ródano e do Saône forma logo um reino cujas principais cidades são Lyon e Vienne. Na época de sua chegada à Gália, eles professam a religião católica. Só mais tarde eles passaram ao arianismo. Sua localização geográfica os tornou vizinhos dos visigodos arianos, que vimos se aproximaram do Ródano. Eles também são vizinhos dos ostrogodos, também arianos, que são mestres de Roma e que estendem sua dominação até a Provença. Esses dois poderosos vizinhos acabaram por arrastar os burgúndios ao arianismo.

O rei burgúndio Gondérico permaneceu católico. Mas, com sua morte em 476, uma luta pela sucessão começou entre seus quatro filhos: Godemaro, Quilperico, Gondebaudo e Godegésil (também conhecido como Godégisèle). Entre esses quatro herdeiros, a luta será particularmente acirrada entre Quilperico, que permaneceu católico, e Gondebaudo, que se tornou ferozmente ariano. Ora, é Gondebaudo que prevalece, fazendo perecer Quilperico e toda sua família, exceto as duas pequenas filhas, Crona e Clotilde, a quem poupa a vida, mas que, segundo nos conta Gregório de Tours, se tornam praticamente prisioneiras de seu tio Gondebaudo.

Quando Gondebaudo morre, é seu irmão Godegésil que se torna tutor e guardião de Clotilde, que permaneceu católica como seu pai e sua mãe, apesar das pressões exercidas sobre ela na residência burgúndia de Genebra.

Vimos que foi em 476, no mesmo ano da morte de Gondérico, o avô de Clotilde, que o rei dos hérulos, Odoacro, tomou Roma, saqueou a cidade e depôs o último imperador do Ocidente. Nesta data, notemos mais uma vez, Clóvis, nascido em 466, tinha 10 anos e Clotilde era uma pequena princesa no berço. Essas duas crianças estão destinadas a, em alguns anos, desempenharem um papel preponderante na instalação do regime feudal e cristão que substituirá o regime imperial romano. O desaparecimento do imperador e a vacância de um trono tão prestigioso não poderiam deixar de criar um vazio profundamente sentido pelas populações galo-romanas e góticas. A era da Antiguidade acaba de se fechar. Todo o Antigo Império tem consciência disso. Qual será o destino da Fé ortodoxa na nova era que começa? Essa é a pergunta que se faz o episcopado católico e, em particular, o mais santo de todos os bispos da época, São Remígio.

NOIVADO MEROVÍNGIO

Clóvis, rei dos francos desde fevereiro de 481, não deixava de manter relações diplomáticas com a corte dos reis burgúndios Gondebaudo e depois Godegésil. Seus embaixadores lhe traçavam um retrato lisonjeiro da jovem princesa católica Clotilde, órfã de pai e mãe, que vivia sob a rígida tutela de seus tios.

O romance sentimental de Clóvis e Clotilde faz parte da nossa epopeia nacional e cristã. Certamente, nele se encontram episódios bastante "terrestres", mas que não devem nos fazer esquecer a trama sobrenatural que lhes serve de base. Suas missões eram de uma importância capital e, evidentemente, foi o Céu que os fez se encontrar. Tudo indica que sentiram uma atração um pelo outro antes mesmo de se verem.

Clotilde tinha, junto a Clóvis, defensores particularmente eficazes: São Remígio e os eremitas de Ferrières.

Clóvis sabe que a bela e piedosa princesa, que está se aproximando da maioridade, é bem guardada por seus rigorosos tutores. Ele quer enviar-lhe secretamente algumas cartas e joias para provocar uma primeira reação. Ele confia essa missão a um de seus oficiais particularmente fiel, eficaz e determinado.

O soldado, disfarçado de mendigo, chega a Genebra, residência de Godegésil. Ele assume uma expressão perplexa e começa a observar os hábitos de Clotilde. E em um belo domingo, ele vem esperá-la na saída da missa, em frente à igreja de São Pedro. Clotilde sai da igreja e vê esse mendigo que lhe parece singular. Mas ela se aproxima dele. O mensageiro, enquanto estende a mão para receber a esmola como convém a um mendigo, segura-a pelo manto com a outra mão para sussurrar algumas palavras ao seu ouvido. Clotilde o interrompe e diz:

"Eu sei a verdade: você é uma pessoa de qualidade, disfarçada."

Então, em poucas palavras, ela marca um encontro para alguns dias depois.

Apenas, na véspera do encontro que decidirá o sucesso ou o fracasso de sua missão, um ladrão rouba do mensageiro a pequena bolsa que contém as joias enviadas por Clóvis. E é um homem bem embaraçado que chega ao encontro. Clotilde adivinha imediatamente o que aconteceu e lhe indica o lugar onde o ladrão escondeu as pedras preciosas. Depois, ela aceita o anel enviado por Clóvis e, rápida na decisão, confia ao mensageiro, em troca, o anel que ela mesma usa no dedo. O oficial parte, missão cumprida, não sem a ajuda da Providência.

Clóvis, que conhece perfeitamente a situação na corte burgúndia, não apressa as coisas e espera que uma oportunidade se apresente. No ano seguinte, na mesma época, ele envia a Genebra, não mais um mendigo desta vez, mas toda uma delegação para fazer o pedido oficial ao rei Godegésil, tutor de Clotilde.

O rei burgúndio é pego de surpresa. Clotilde, ao contrário do que ele poderia esperar, aceita imediatamente o pedido de casamento de Clóvis e junta-se imediatamente à delegação franca. Ela faz rapidamente entender aos francos que precisam partir o mais cedo possível. Eles não pedem outra coisa. Colocam a princesa em uma carruagem leve que parte imediatamente, escoltada por cavaleiros. Mas Clotilde acha o ritmo muito lento, ela pede um cavalo para poder adiantar-se aos perseguidores que Godegésil certamente enviará atrás dela. E lá vai ela em boa velocidade, cercada pela elite de seus futuros súditos.

Bem protegida, ela chega à Champagne. Quando Clóvis vê Clotilde pela primeira vez, ele é tomado de alegria. Ele não ousava imaginar tamanha distinção. O casamento ocorreu em 492, em Soissons, a cidade da qual Clóvis havia expulsado Syagrius alguns anos antes. A cerimônia foi realizada na igreja da Trindade e de Santa Sofia.

A POMBA E A ÂMBULA

O esposo da princesa católica não é batizado, e São Remígio sabe que essa situação é apenas transitória. A missão da Rainha será converter o Rei. Foi para isso que ela foi enviada para junto dele. Mas o Rei não é daqueles que mudam de opinião com discursos. Ele é feito para resistir às pressões e será necessário que o próprio Deus o convença. Assim, toda a elite do cristianismo galorromano que já havia conspirado para os noivados do Rei se coloca em oração:

As orações sobem ao Céu, mas a conversão não vem. Os demônios do paganismo não largam facilmente sua presa. Percebe-se que será necessário uma provação.

A provação, Clóvis a encontrará na guerra contra os alamanos. A invocação ao "Deus de Clotilde", no campo de batalha de Tolbiac (496), é justamente um dos episódios mais populares de nossa História, pois decidiu não apenas o destino de uma batalha, mas o destino da França e até mesmo de toda a cristandade.

Clóvis invocou o verdadeiro Deus e não foi confundido. O início da derrota franca é contido. A batalha ganha um novo ânimo. Os alamanos são tomados pelo pânico. É a vitória de Tolbiac.

O Rei cumpre sua palavra. Ele é instruído por São Remígio, que o batiza e o sagra no dia de Natal de 496 nas fontes batismais de Reims. Privilégio inédito, é uma pomba que traz a Âmbula contendo o santo Crisma. Um privilégio que assemelha o batismo de Clóvis ao de Nosso Senhor no Jordão.

OS LÍRIOS SEM NÚMERO

Assim, o Rei tornou-se católico, como São Remígio sempre acreditou que aconteceria. No entanto, seu estandarte ainda era pagão: ele ostentava três crescentes. Nosso Senhor confiaria a Clóvis seu emblema pessoal: a flor-de-lis. Deixemos o historiador Nicole Gilles (1492) narrar este evento:

"Lemos em alguns escritos que, nessa época, havia um eremita, homem prudente e de vida santa, que habitava numa floresta perto de uma fonte, no local atualmente conhecido como Joye-en-Val, na castelania de Poissy, perto de Paris. A dita Clotilde, esposa do rei Clóvis, tinha grande confiança nesse eremita e, por sua santidade, o visitava frequentemente e lhe supria as necessidades.

"Um dia, estando o eremita em oração, um anjo apareceu a ele e lhe disse que deveria mandar apagar as armas dos três crescentes que Clóvis carregava em seu escudo (embora alguns dissessem que eram três sapos) e, em vez deles, colocar um escudo com campo de azul semeado de flores-de-lis de ouro, dizendo-lhe que Deus havia ordenado que os reis da França carregassem doravante tais armas.

"O eremita revelou a visão à esposa de Clóvis. Ela imediatamente mandou apagar os três crescentes ou sapos e colocar as flores-de-lis, enviando-as a Clóvis, seu marido, que na época estava em guerra contra o rei Audoc, que havia vindo da Alemanha com grande número de homens, para a França e tinha seu cerco diante do lugar de Conflans Sainte Honorine, perto de Pontoise.

"Clóvis combateu e obteve a vitória. Embora a batalha começasse na cidade, foi concluída na montanha, onde agora está a torre de Montjoye...

"E em reverência ao envio das flores-de-lis, foi fundada na referida localidade um mosteiro de religiosos, chamado a Abadia de Joye-en-Val, em honra da santa Ampola e das ditas flores-de-lis enviadas a este grande Rei Clóvis."

Assim, as primeiras armas reais francesas apresentavam lírios sem número, simbolizando os inumeráveis súditos que se tornaram filhos adotivos do Rei. Cada francês tornou-se um pequeno lírio, ou seja, um pequeno príncipe.

Os princípios e seus emblemas estão agora estabelecidos. Resta apenas colocá-los em prática, ou seja, dar testemunho da Fé através das obras. Clóvis atacará a heresia com a determinação de um homem que leva a religião a sério. Em 500, com sua vitória em Dijon, ele impede qualquer tentativa dos burgúndios arianos de se expandirem para o norte.

Depois de, no seu flanco sudeste, imobilizar os burgúndios, Clóvis pensa em voltar-se contra o grosso das forças arianas, os visigodos da Aquitânia, cuja pressão sobre o Loire não para de aumentar e que correm o risco de cruzá-lo

A PREPARAÇÃO SOBRENATURAL DA BATALHA

Estamos no ano 506. Clóvis está casado há catorze anos e está prestes a iniciar a campanha contra os Visigodos, para a qual preparou seu exército material e moralmente. Ninguém dissimula que será uma grande empresa. Toda a cristandade da Gália aguarda ansiosa, pois o destino do confronto determinará a paz religiosa da Cristandade.

No entanto, Clóvis adoece gravemente, e seu estado piora rapidamente. Seus médicos desistiram de curá-lo. O casal real então recorre a São Severino, abade do mosteiro de Saint Maurice d'Agaune, no Valais (na atual Suíça). Mas por que São Severino? Por duas razões.

Primeiro, porque o santo abade tem a reputação de ser um taumaturgo, a quem se pode confiar um caso desesperado. Mas também porque Clóvis tem devoção a São Maurício, o general da "Legião Tebana", que foi dizimada em Agaune durante as perseguições imperiais e de quem São Severino, o atual abade, é, portanto, o representante. Clóvis lembra que, em 451, (há pouco mais de 50 anos) seu avô Meroveu travou uma batalha vitoriosa contra Átila, nos Campos Cataláunicos (ou Mauricianos), batalha que durou três dias, de 20 a 22 de setembro, exatamente nos dias aniversários da dizimação da legião tebana, que também durou três dias.

Clóvis envia alguns cavaleiros a Agaune para alertar São Severino e pedir-lhe que venha o mais rápido possível. Ao chegar junto ao rei doente, São Severino joga seu manto sobre ele e instantaneamente o cura. O enviado de São Maurício cumpriu bem sua missão. Este é um primeiro sinal que augura bem para a campanha que está para começar.

O exército franco dirige-se para Tours, com o objetivo de atravessar o Loire e encontrar os Visigodos de Alarico II, que vêm da Aquitânia e se dirigem para o norte. Tours é a cidade do ilustre São Martinho, apelidado de Apóstolo das Gálias, que morreu há pouco mais de um século. Mas a cidade ainda está cheia de sua lembrança. Clóvis quer ir à catedral para recomendar sua campanha ao santo e poderoso protetor. Ele envia uma delegação à frente, trazendo alguns presentes aos sacerdotes e anunciando sua visita.

Os delegados, para não interromper o ofício, param no fundo da nave e escutam a salmodia. Eles ouvem o versículo 40 do Salmo XVII, que diz:

"Você me vestiu com força para a batalha; subjugou sob mim aqueles que se levantaram contra mim. Você fez meus inimigos se virarem e fugirem; eu destruí aqueles que me odiavam."

Este sinal celestial fortalece a fé e a coragem de Clóvis e de seu exército. Sentindo-se abençoados e protegidos por São Martinho e por Deus, eles atravessam o Loire com confiança renovada, prontos para enfrentar os Visigodos e defender a fé cristã na Gália.

Clóvis considerou o cântico desse versículo naquele momento específico como a resposta de São Martinho ao seu pedido de proteção. Veremos em breve como, após a vitória, ele expressou sua gratidão.

Os francos deixaram Tours. Eles atravessaram o Loire e agora estão na margem sul. Mas ainda é necessário atravessar o Vienne. Vamos deixar as crônicas falarem:

«Clóvis então seguiu em direção ao rio Vienne, perto de Chinon. E as águas estavam tão altas que ultrapassavam as margens. Ele não conseguiu atravessar. Então parou e se acomodou ali. E do outro lado do rio estava Alarico. Clóvis fez uma oração e, enquanto os franceses procuravam encontrar uma passagem, um cervo apareceu repentinamente perto deles, saindo da floresta de Chinon. Os franceses começaram a caçá-lo e o perseguiram tanto que o cervo, maltratado, foi forçado a entrar na água do rio. E atravessou por um local onde podia caminhar sem nadar. Então, os franceses concluíram que era por ajuda divina e que Deus, através das orações de São Martinho, havia enviado milagrosamente o cervo para lhes mostrar o caminho e a passagem. Assim, deixaram o cervo ir e todos atravessaram o rio pelo local onde o cervo havia cruzado».

Os exércitos visigodos e francos logo se encontrarão. Os francos acampam a sete léguas a oeste de Poitiers. À noite, um globo de fogo se eleva do túmulo de São Hilário, que morreu em 367, há pouco menos de um século e meio, e esse globo de fogo se posa no topo da tenda de Clóvis. O grande doutor gaulês, que São Jerônimo chamava de «O Ródano da eloquência latina», assim manifestava seu encorajamento a Clóvis com um sol, que é o emblema dos doutores porque os doutores iluminam.

Assim, a jornada de Clóvis em direção às planícies de Vouillé foi marcada por sinais sobrenaturais de aprovação. Agora resta combater com energia e confiança.

VOCLADIS OU CARNAGE DOS GÓTICOS

O antigo nome da vila de Vouillé é Vocladis, que às vezes também é escrito Voclades. Em latim, clades significa desastre. E a sílaba Vo é uma das deformações possíveis de Goth. Traduzimos Vocladis como carnificina dos Góticos.

A História não conservou nenhuma anotação precisa sobre as fases dessa batalha. No entanto, parece que a questão foi resolvida bastante rapidamente.

Os dois reis inimigos estão presentes no campo de batalha e comandam suas tropas. Clóvis distingue rapidamente o pelotão que escolta Alarico II. Ele considera que a posição torna o Rei visigodo bastante vulnerável. Dirige-se diretamente a ele com sua própria escolta e o enfrenta pessoalmente. Um combate singular entre dois reis em plena batalha. Clóvis domina Alarico e o mata com suas próprias mãos, conquistando assim o «spolia opima» de seu adversário. Um feito muito raro, mesmo naquela época.

A morte de Alarico, que ocorre no início do combate, rapidamente chega ao conhecimento do exército visigodo. A notícia provoca hesitações nas fileiras e, pouco a pouco, uma verdadeira debacle. A vitória dos francos é esmagadora e proporciona a Clóvis, em toda a Gália, uma popularidade sem precedentes.

«Este é o homem que precisamos para nos defender».

Os clérigos não são os menos satisfeitos.

A vitória de Vouillé, além de abrir a Clóvis as portas da Aquitânia, se soma às vitórias de Soissons sobre Syagrius, de Tolbiac sobre os Alamans e de Dijon sobre os Burgúndios. Em um único reinado, em poucos anos, as fronteiras naturais são desenhadas e atingidas. A Gália está agora liberada da autoridade romana, cuja representação tardia era Syagrius. Não precisa mais temer nem os invasores vindos da Germânia, agora contidos, nem a retomada das discórdias arianas. É tempo de tomar o nome de seu rei e se chamar França.

Uma questão surgiu para os historiadores modernos. A vila de Vocladis, que se tornou Voughié e depois Vouillé, é realmente o local da batalha durante a qual Alarico II foi morto por Clóvis? Várias vilas nas proximidades de Poitiers reivindicam essa honra, de modo que muito se discutiu sobre isso. Não podemos fazer melhor para resolver essa competição do que remeter ao trabalho de Auguste Longnon, Géographie de la Gaule au Vè siècle, Paris, 1878, Hachette, p. 576-587.

A. Longnon observa que Gregório de Tours resolve implicitamente o problema quando especifica que o «Campus Vocladeusis», ou seja, o campo de batalha de Vouillé, estava localizado a oeste de Poitiers, a uma distância equivalente a 15 quilômetros. Ora, entre as localidades em competição, apenas o Vouillé atual corresponde a essa distância. E A. Longnon conclui seu estudo escrevendo:

«Não nos surpreenderá ver que concluímos aqui pela identidade de Vouillé com Vocladis».

«PODEROSO EM AJUDA, MAS CARO EM PREÇO»

Clóvis, que não é o guerreiro astuto e brutal descrito por alguns historiadores, tomou cuidado de manifestar publicamente sua gratidão aos santos padroeiros que o encorajaram e ajudaram.

Reconhecimento a São Hilário. Clóvis faz reconstruir a igreja e o mosteiro de São Hilário em Poitiers. Ele soube que São Hilário havia aparecido recentemente ao abade pedindo a reconstrução do mosteiro. Ao saber disso, Clóvis decide assumir o custo da reconstrução; uma resposta real ao «sol» de São Hilário, na véspera da batalha. Reconhecimento a São Martinho pelo precioso presságio, Clóvis funda em Tours uma abadia sob a invocação de São Maurício. A igreja abacial ainda existe hoje, mas agora está sob o vocábulo de São Julien.

Mas Clóvis quis fazer um presente mais imediato ao clero da catedral. Ele lhes dá o cavalo que montava na batalha de Vouillé. Em seguida, pensando com razão que os clérigos prefeririam uma quantia em dinheiro a um cavalo do qual não saberiam o que fazer, o rei decidiu resgatar o cavalo e depositou 100 sólidos de ouro diante da urna de São Martinho, depois montou novamente para partir. Mas o animal não se moveu, dando a impressão de que suas patas estavam coladas ao chão. Clóvis desceu para aumentar a quantia do resgate. Ainda assim, o animal se recusou a se mover. Foi necessário esperar que a quantia chegasse a 500 sólidos para que o cavalo de Vouillé decidisse partir. Clóvis então se despede do clero da catedral, declarando de forma bem-humorada:

«São Martinho é poderoso em ajuda, mas caro em preço».

Clóvis demonstra que estava muito consciente da ajuda sobrenatural que havia recebido. Ele mandou construir em Paris a igreja de São Pedro e São Paulo na colina de Sainte Geneviève, no local da atual rua Clóvis (atrás do Panteão). Foi o ex-voto real da vitória.

Rapidamente, Clóvis colhe os frutos da vitória de Vouillé. Foi durante sua passagem por Tours, após a batalha, que ele recebeu do Imperador do Oriente Anastácio, os insígnias de Patrício e de Cônsul romano.

Em 511, o rei convocou um concílio em Orléans para resolver diversas questões relacionadas à Igreja da França. Foi o concílio de Orléans que estendeu a todo o reino as procissões das Rogações estabelecidas por São Mamerto no diocese de Vienne. As Rogações são realizadas durante os três dias que precedem a Ascensão. Elas visam conjurar os flagelos naturais que privam a terra de sua fertilidade. Quem mede os benefícios temporais das Rogações? Elas contribuíram fortemente para forjar a civilização rural da Idade Média.

Foi no concílio de Orléans que Clóvis recebeu o título de «Filho mais velho da Igreja». Este título se estendeu posteriormente ao próprio reino.

O LEGADO

A batalha de Vouillé é um dos momentos mais significativos da história cristã. Pode ser comparada a outras grandes batalhas decisivas, como, por exemplo, a do Ponte Mílvio, em 312, onde Constantino exibiu pela primeira vez o Labarum, uma bandeira adornada com a Cruz e a inscrição que lhe havia aparecido no céu alguns dias antes: «In hoc signo vinces». Maxêncio, que tiranizava Roma, foi derrotado e se afogou no Tibre enquanto fugia. Constantino pôde promulgar no ano seguinte (313) o Édito de Milão, que concedia liberdade pública à Igreja. Era o fim das catacumbas.

Vouillé supera até mesmo o Ponte Mílvio em importância. Foi em Vouillé que a identidade feudal e católica da Idade Média se formou definitivamente. Se Clóvis tivesse sido derrotado, o arianismo teria prevalecido, transmitindo seu espírito para a nova era que se abria.

Mas em Vouillé, não há nenhum vestígio visível, nenhuma ruína venerável, nenhum diploma homologado. Apenas um nome, uma memória e uma lógica. Uma lógica que esperou quinze séculos para se desabrochar. Pois hoje, no Campus Vocladeusis, a batalha continua. A forma do combate pode não ser mais a mesma. Mas é a mesma causa. Excelentes escritores tradicionalistas atuais apontaram que os erros modernos são a ampliação da heresia de Ário. Este infame herege negava a divindade do Verbo, Sua coeternidade e Sua consubstancialidade. Ele retirava de Jesus Cristo Sua majestade divina, reduzindo-O a um mensageiro exemplar, colocando-O ao nível de um fundador de seita como Buda ou Zoroastro. É exatamente isso que ouvimos hoje.

O Vouillé de 507 definiu nossa identidade francesa e cristã. O Vouillé de hoje luta para que a redescubramos. Que os santos que conduziram Clóvis à vitória — São Martinho, São Remígio, São Hilário, São Maurício, Santa Clotilde, Santa Genoveva — se dignem nos conduzir também para lá amanhã.